Ana Jobim vai a tribunal nos
Estados Unidos para processar músico americano
Julio Maria – de O Estado de
S.Paulo
Ana Jobim (dir) e sua filha Luiza |
Ninguém pensou em fazer de 2012
um ano Tom Jobim, mas os astros parecem se posicionar para isso. Em 20 de
janeiro, cinco dias antes da data em que o maestro completaria 85 anos, estreia
A Música Segundo Tom Jobim, um filme de Nelson Pereira dos Santos e de Dora
Jobim, neta do maestro - algo capaz de "fazer chorar e fazer sorrir",
como define a viúva de Tom, Ana Jobim. Quase um mês depois, em 12 de fevereiro,
Tom será homenageado pelo conjunto de sua obra durante a 54.ª edição do Grammy,
em Los Angeles (em 1995, recebeu prêmio, póstumo, pelo álbum Antônio
Brasileiro) . Steve Jobs será o outro lembrado pela revolução musical que criou
nos meios digitais. E paralelo a tudo, em ares mais densos, Ana Jobim vai a um
tribunal nos Estados Unidos tentar colocar fim a uma causa que há anos incomoda
a família mais no peito do que no bolso. Norman Gimbel, compositor
norte-americano que fez versões para um punhado de músicas de Jobim, incluindo
Garota de Ipanema, tem recebido direitos autorais há anos pelas versões como se
fosse o criador das músicas. "Há muita má-fé nisso. Ele nunca pisou em Ipanema",
diz Ana, por telefone, dos Estados Unidos.
Tom Jobim não recebeu um Grammy em vida. Acha que o fato de ser
homenageado agora é uma espécie de justiça póstuma?
Tom Jobim (foto: Ana Jobim) |
Não, Tom morreu bastante
reconhecido pelo mundo. O que acontece agora é que sua música ficou ainda mais
consolidada, estudada nas escolas aqui, nos Estados Unidos. Ele virou um herói
para muita gente. Engraçado que o presidente do Grammy (Neil Portnow) me ligou
e disse: "Quando acontece essa homenagem, a família recebe uma carta. Mas,
neste caso, quis ouvir sua emoção."
Como é ser a mulher de Tom Jobim? Imagina-se que a demanda de pedidos
para regravações seja uma avalanche.
Quando um artista quer gravar
uma música dele, não temos como dizer não. Mas tomamos muito cuidado com a
imagem, não fazemos nada que possa ferir os ideais do Tom, algo que ele não
faria por princípios.
Por exemplo?
Tom Jobim |
Algo como propagandas de
cigarro, que ele nunca fez na vida. E não digo isso agora porque o cigarro está
proibido não, ele não fazia.
Mas Tom fumava muito, não?
Sim, mas quando nos casamos ele
não fumava mais. Há uma cena no filme do Nelson Pereira dos Santos em que ele
está cantando Girl From Ipanema com o cigarro nas mãos. Era o conceito da época,
para ser bacana, charmoso.
Não teme que um pedido para uma regravação possa ser uma roubada?
Se a pessoa fizer um arranjo
terrível, pior para ela (risos). No caso das versões em outras línguas, que
acho até que é um caso de amor, pessoas pedem autorização para fazer versão até
para idiomas nos quais já existem versões das músicas que estão pedindo.
Francês e espanhol são os pedidos mais comuns. Os que mais me surpreendem são
os que vêm da Noruega e da Suécia.
Discute-se muito sobre novas formas de trabalhar com direitos autorais.
Há modelos que pretendem facilitar a liberação desses direitos. Acha um
caminho?
Sim, é um caminho. A web é a
mídia vigente, não temos como lutar contra isso. Mas o direito autoral é um
patrimônio intelectual que tem de ser respeitado. As coisas têm de tomar seus
devidos lugares, autor não pode ser esquecido, aquilo que você toca pertence a
alguém. Acho que as coisas estão se ajeitando com a chegada do iTunes. Mudou o
conceito. Um adolescente de 15 anos não pensa como a minha geração, o acesso às
coisas para ele respeita um outro código, uma outra história.
O que achou do filme sobre Tom Jobim, prestes a estrear aqui no Brasil?
Tom Jobim em Nova Iorque |
Foi um trabalho de pesquisa bem
grande. A Dora dirige com o Nelson, o que foi um fator muito positivo, já que
ele teve a oportunidade de estar bem perto de tudo. E ela conhece muito bem as
coisas do Tom, por estar sempre pesquisando. Acho que ficou muito bom, a música
fala por si. Não tem tradução, legenda, nada. As pessoas cantam, isso torna
tudo muito emocionante, você vê a quantidade de pessoas que a música dele
tocou. Não tinha me lembrado de que ele faria 85 anos em janeiro, isso está
acontecendo naturalmente. E o filme deixa tudo mais comovente, você chora, você
ri.
Você estará no Brasil para a estreia?
Não, vou ficar aqui este mês
inteiro, tenho assuntos relacionados não só ao Grammy, mas ao que vai acontecer
em Los Angeles em fevereiro.
E o que vai acontecer?
Tem uma causa aqui que já está
andando há anos, uma questão com relação a um versionista americano, um
processo.
Imagino que relacionado a direitos autorais...
O versionista no caso (Norman
Gimbel) se considera um autor original de umas seis músicas de Tom Jobim e
Vinícius de Morais para as quais ele fez versões (incluindo Garota de Ipanema).
Ele chega a autorizar versões de suas versões (e a ganhar por elas). O nosso
processo é contra a Universal Music Publishing (que edita tais músicas).
As versões que ele fez foram autorizadas por vocês?
Sim, tudo certo, mas criou-se
um impasse. Existe uma lei aqui, nos Estados Unidos, que diz que, depois de 28
anos de copyright, esse direito deve voltar para o autor. Só que, no caso, os
direitos dessas músicas ficaram para o versionista, como se ele tivesse feito a
música original. Ele é versionista, mas se considera um grande autor. Ele nunca
foi a Ipanema. É de uma esperteza e de uma má-fé...
Acha que podem ganhar o caso logo?
É um caso importante e difícil
porque o que tem de autor brasileiro que vem para os Estados Unidos, edita
músicas aqui e vê sua obra mais nas mãos dos versionistas do que outra coisa.
Falo isso em termos de divisão de royalties mesmo, não dá para entender. Essa
batalha é difícil porque será um grande precedente se eles perderem a briga. O
que viria atrás (em processos) não seria bom para eles.
E vocês devem subir muito a guarda para pedidos de versões.
Sim, claro. Quando falo que é
um caso de amor, penso mesmo que alguns queiram se tornar parceiros dos ídolos
que eles amam. Mas isso gera tanta confusão que nossa tendência é não autorizar
mesmo. A gente já ganhou boas causas, mas a Justiça aqui é muito complicada.
Não existe essa questão de ganhos morais, a questão é toda dinheiro. Se o cara
acertar o que ele deve (financeiramente), esse argumento moral fica
enfraquecido. Então, temos de fazer auditorias para provar que existe dano
financeiro, mas nossa questão não é apenas financeira, é de apropriação
indevida. Mas a cabeça dos juízes aqui funciona assim, é a mentalidade americana,
dinheiro e ponto. Só posso ser lesado se o cara não me pagar.
Quais serão os próximos passos nisso?
A gente vai ter aqui uma
mediação em Los Angeles com um desembargador ou um juiz. Ficam as partes lá
propondo um acordo e a autoridade vai levando as propostas de um para o outro.
Se a gente chegar a algum acordo, ótimo, é o que queremos.
E isso responde à pergunta se é difícil ser mulher de Jobim.
Eu, Ana, só entrei nisso porque
era como se fosse assim... uma coisa pelo Tom. Sei o que ele pensava, sei como
ele procedia.
E sabe que ele estaria p...da vida com isso.
Sei sim. É o seguinte: eu alugo
minha casa pra você e você vende minha casa, que tal?