Nascido
e criado na cidade mineira de Itabira, Carlos Drummond de Andrade levaria por
toda a sua vida, como um de seus mais recorrentes temas, a saudade da infância.
Precisou deixar para trás sua cidade natal ao partir para estudar em Friburgo e
Belo Horizonte.
Formou-se
em Farmácia, atendendo a insistência da família em graduar-se. Trabalha em Belo
Horizonte como redator em jornais locais até mudar-se para o Rio de Janeiro, em
1934, para atuar como chefe de gabinete de Gustavo Capanema, então nomeado novo
Ministro da Educação e Saúde Pública.
Em
1930, seu livro "Alguma Poesia" foi o marco da segunda fase do
Modernismo brasileiro. O autor demonstrava grande amadurecimento e reafirmava
sua distância dos tradicionalistas com o uso da linguagem coloquial, que já
começava a ser aceita pelos leitores.
Drummond
também falava sobre temas como o desajustamento do indivíduo, ou as
preocupações sócio-políticas da época, como em “A Rosa do Povo” (1945). Apesar
de serem temas fortes, ele conseguia encontrar leveza para manter sua escrita
com humor e uma sóbria ironia.
Produzindo
até o fim da vida, Carlos Drummond de Andrade deixou uma vasta obra. Quando
faleceu, em agosto de 1987, já havia destacado seu nome na literatura mundial.
Com seus mais de 80 anos, considerava-se um "sobrevivente", como
destaca no poema "Declaração de juízo".
ASPECTOS DE SUA POESIA:
Sobre Alguma poesia ,publicado em 1930, o volume apresenta 49 poesias,
reunindo produções de Carlos Drummond de Andrade de 1925 a 1930, e está
dedicado ao poeta e amigo Mário de Andrade, que publica, no mesmo período, Remate dos Males, obra que viria a dar
uma nova conformação à poética do Papa do Modernismo. Alguma Poesia é volume
escrito sob o ímpeto da modernidade de 1922, pratica o poema-piada, utiliza os
coloquialismos apregoados pela estética, cultiva a poesia do cotidiano,
repudiando as tendências parnasiano-simbolistas que dominaram a poesia até
então. No entanto, o poema-piada de Drummond é antes um desabafo de um tímido
que procura afogar (disfarçar) no humor os sentimentos que o amarguram. No
prosaísmo esconde a procura de uma expressão poética autêntica e autônoma e, ao
se voltar para o cotidiano, transcende o tempo e o espaço em busca do perene e
universal. Dos supostos acima enunciados, pode-se traçar uma espécie de linha
temática que Drummond seguirá em Alguma Poesia e que permanecerá
durante sua trajetória poética, que, grosso modo, pode ser identificada como se
segue, a partir do que o próprio autor sugere como condução temática de sua
obra: 1. O indivíduo – "um eu todo retorcido"( Seção
que investiga a formação do poeta e sua visão acerca do mundo. Sempre lúcido,
discorre com amargor, pessimismo, ironia e humor o que ele, atento observador,
capta de si mesmo e das coisas que o rodeiam. Alguns poemas sintetizam a visão
do indivíduo, como o poema de abertura "Poema de sete faces" em que
vaticina seu destino) 2. A família – "a família que me dei"
( Uma das constantes temáticas de Drummond, presente desde Alguma Poesia até seus versos finais, é a família, sua vivência
interiorana em Minas Gerais, a paisagem que marca sua memória. Contrariando o
lugar-comum, ao invés de se referir à família como algo que lhe foi atribuído
por Deus, o poeta coloca um "que me dei" a analisa suas relações
pessoais, consciente de que se assentam na perspectiva pessoal. De modo muito
individual, retrata o escoar do tempo, como é possível observar em
"Infância", "Família", "Sesta", alguns dos mais
significativos poemas de Alguma Poesia.) 3. O
conhecimento amoroso – "amar-amaro" ( Com o jogo de palavras
amar-amaro, título emprestado de um poema do livro Lição de Coisas, o poeta
acrescenta ao substantivo "amar" o adjetivo "amargo",
sentimento recorrente em alguns de seus poemas e livros escritos
posteriormente. Em Alguma Poesia o
tema é tratado com boas doses de humor, sátira ou pitadas de idealismo, como em
"Toada do amor", "Sentimental", "Quero me casar",
"Quadrilha".. ) 4. Paisagem e viagens (Um grupo de
poesias faz anotações sobre viagens, retratando paisagens vistas e vividas, mas
também recuperando as influências recebidas da sempre subserviente postura
brasileira ante as supercivilizações, como em "Lanterna mágica",
"Europa, França e Bahia "). 5. O social e a evolução dos
tempos ( Drummond constrói poemas em que contempla a mudança dos
tempos, o progresso chegando e invadindo a antiga paisagem, como em "A rua
diferente" ou "Sobrevivente".)
· Rosa
do Povo – publicado
em 1945, é considerado um livro crucial em meio ao conjunto da obra de
Drummond. São 55 poemas escritos durante a Segunda guerra Mundial. Trata-se de
um de seus livros mais fortes, tanto poética quanto politicamente.
· Claro enigma – publicado em 1951 - tem sido considerado o livro ícone
da maturidade existencial e artística de Drummond. Além de eterno e
insuperável, é também, provavelmente por isso mesmo, extremamente atual.
· José & Outros
poemas – de 1967 – é a reunião de três livros:
‘José’, ‘Novos Poemas’ e ‘Fazendeiro do Ar’, que não constituem uma seqüência
no conjunto da obra poética de Carlos Drummond de Andrade. Além da pequena
extensão dos três livros, eles foram editados lado a lado por estarem próximos
de obras de maior porte e maior importância. O poema José, por exemplo, é
considerado como uma das maiores jóias do lirismo da língua portuguesa e uma
etapa decisiva na obra do autor. Em ‘Novos Poemas’, chama de imediato a atenção
o caráter neutro do título, se levarmos em consideração que ele segue livros
fortes como ‘Rosa do Povo’ e ‘Claro Enigma’. Dessa maneira, o autor acentua em
‘Novos Poemas’ uma intenção bem firme de se contrapor a uma poesia de excessos.
Em ‘Fazendeiros do Ar’, seu próprio título guarda traços que podem ser
associados ao percurso do poeta, na medida em que é possível ler em ‘Fazendeiro’
resquícios da história familiar presente ao longo da obra drummondiana.
· Corpo – de 1984 – mostra que a poesia de Drummond tem a capacidade de
renovar-se sempre. Ela aponta perplexidades e contradições, o espanto, o
amargo, o gosto do tempo. Nessa obra o poeta, de certa forma, redime o passado e se
redime, salvando num belo poema toda a pureza da sua infância. Faz emergir,
assim, o homem maduro em “doce canção de Itabira”. Ao mesmo tempo, nunca entre
nós a indignação soube exprimir-se com tanta veracidade, tanto vigor, tanta
lucidez poética.
· O Amor Natural é sem dúvida o livro mais ousado do poeta. Publicado
após a sua morte, trata do amor com uma linguagem desnuda, quase pornográfica,
dividindo as opiniões sobre seu conteúdo: seria uma obra obscena ou um exercício
estético do erotismo? Muitos dos poemas foram compostos antes mesmo da década
de 1970, e já frequentaram revistas eróticas como Homem, Ele&Ela e Status.
Durante sua vida, Drummond evitou publicá-los em livro, antes da revolução
sexual e de costumes, por receio de serem confundidos com pornografia. Em 1985, o poeta — que nunca
considerou esses escritos um trabalho menor — concordou em ceder 39 dos 40
poemas reunidos em O AMOR NATURAL à pesquisadora Maria Lúcia Pazo Ferreira,
para que esta os analisasse em tese acadêmica. A conclusão a que chegou Maria
Lúcia é de que o erotismo em Drummond tem um fundo místico e se afasta da
pornografia. O escritor tampouco teve intenção de privar o público de conhecer
seus poemas eróticos. O que fez foi instruir seu neto e herdeiro Pedro Augusto
a publicá-los após sua morte, na data em que achasse mais conveniente.
·
Em FAREWELL está
claro que Drummond optou por adiar o lançamento para depois de sua
morte. O título não deixa dúvida de que quis fazer dessa coletânea o fecho de
sua produção poética. Farewell inclui dois poemas considerados os últimos a
serem escritos pelo autor.
·
Sentimento do Mundo
– 1940. Nessa obra, o sentimento do mundo está na essência do corpo rebelde e
solitário do poeta, na premência da vida presente e da solidariedade entre os
homens. Está também na urgência da luta de classes, na violência da guerra
contra Hitler, na iminência da revolução sócio-econômica e na ardência da
utopia socialista. O Sentimento do Mundo reúne poemas escritos entre 1935 e
1940, inaugurando uma nova fase na poesia de Carlos Drummond de Andrade.
Permanece um livro inigualável.
Canção Amiga
Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.
Caminho por uma rua
Que passa por muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
E saúdo velhos amigos.
Eu distribuo um segredo
Como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
Dois carinhos se procuram.
Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
E tornei outras mais belas.
Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.
Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu
coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atras do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atras dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria solução.
Mundo mundo vasto mundo ,
mais vasto é o meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
(Alguma poesia)
No meio do
caminho
No
meio do caminho tinha uma pedra
tinha
uma pedra no meio do caminho
tinha
uma pedra
no
meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca
me esquecerei desse acontecimento
na
vida de minhas retinas, tão fatigadas,
Nunca
me esquecerei que no meio do caminho
tinha
uma pedra
tinha
uma pedra no meio do caminho
no
meio do caminho tinha uma pedra.
(Alguma poesia)
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estado Unidos, Teresa para o
convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto
Fernandes
que não tinha entrado na história.
(Alguma poesia)
Segredo
A poesia é incomunicável
Fique torto no seu canto.
Não ame.
Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.
Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.
Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.
(Brejo das Almas)
AMOR - POIS QUE É PALAVRA ESSENCIAL
Amor - pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.
Quem
ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?
O
corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.
Integração
na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?
Ao
delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.
Vai
a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.
E
prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da prórpia vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.
E
num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax:
é quando o amor morre de amor, divino.
Quantas
vezes morremos um no outro,
nu úmido subterrâneoda vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.
Então
a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.
(O amor natural)
Eu, etiqueta
Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça até o bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordem de uso, abuso, reincidência,
costume, hábiot, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio intinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos de mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim-mesmo,
ser pensante, sentinte e solitário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar, ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comprazo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas indiossicrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam,
e cada gesto, cada olhar,
cada vinco de roupa
resumia uma estética?
Hoje sou costurado, sou tecido,
sou gravado de forma universal,
asio de estamparia, não de casa,
da vitrine me tiram, me recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo dos outros
objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem,
meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.
(Corpo)
As sem-razões do amor
Eu
te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabe sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque te amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Para Sempre
Por
que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe
não tem limite,
é
tempo sem hora,
luz
que não apaga
quando
sopra o vento
e
chuva desaba,
veludo
escondido
na
pele enrugada,
água
pura, ar puro,
puro
pensamento.
Morrer
acontece
com
o que é breve e passa
sem
deixar vestígio.
Mãe,
na sua graça, é eternidade.
Por
que Deus se lembra
-
mistério profundo -
- de
tirá-la um dia?
Fosse
eu Rei do Mundo,
baixava
uma lei:
Mãe
não morre nunca,
mãe ficará
sempre
junto
de seu filho
e
ele, velho embora,
será
pequenino
feito
grão de milho.
(Lição de coisas)
Quero
Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao dizer: Eu te amo,
dementes
apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de ama-me,
que nunca me amaste antes.
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.
Outro presente para a senhora (conto)
- Mãe. taqui seus chocolates!
- Que chocolates, meu anjo?
- A senhora não sabe que, no Dia das Mães, dê
chocolate pra ela? Comprei um pacotão divino-maravilhoso-fora-de-série, pra
senhora. Tem bombons, tablettes, figurinhas, pastilhas, drágeas... Um negócio,
mãe!
- Filhinho, eu não posso comer chocolate.
- Como não pode? É uma curtição. Todas as mães
do Brasil, no Dia das Mães, vão saborear produtos achocolatados. Não precisa
engolir tudo e duma vez. .guarda pra semana toda, pro mês inteiro.
- Alfredinho, o médico me proibiu de comer
chocolate.
- E daí? Esquece o médico. Não é Dia dos
Médicos, é Dia das Mães, dia da senhora. Quando é que as mulheres vão se
emancipar da tutela dos homens?
- E você não é homem, criatura? Você quer que
eu seja independente comendo o chocolate que você faz questão de me dar?
- Fico triste com a senhora.
- Fique não,
querido. Vamos fazer uma coisa. Dê esse pacote tão lindo pra sua namorada.
- A Georgiana? A Georgiana não é casada nem
mãe solteira, como é que eu vou dar presente a ela no Dia das Mães. Pega mal.
- Toda namorada merece ganhar presentes em
qualquer dia do ano.
- Não posso dar chocolates a Georgiana.
- Não pode por quê?
- Engorda.
- Ah, muito bonito. Então a Georgiana não
pode engordar , e eu, que sou mãe do namorado dela, posso, né?
- Não é nada disso, mãe. Também não quero que
a senhora engorde, mas se engordar, problema de papai.
- O problema é meu antes de mais ninguém,
ouviu? Ou você não acha mais que a mulher deve resolver por si mesma o que lhe
convém ou não convém?
- Mas
chocolate, uma coisa à toa... Que importância tem isso?
- Tem
importância pra Georgina, tem importância pra você que não quer ver Georgina
barriguda por causa de chocolate, não tem importância pra mim, só porque no Dia
das Mães usa oferecer chocolate à autora dos seus dias?
- Autora de
Quê? A senhora tá falando difícil, mãe. Até parece linguagem de vestibular.
Deixa, não tem importância. Quer dizer que a senhora está mandando meu presente
praquela parte.
-
Alfredmho, não repita!
- Não disse
nada de mal.
- Disse sem
dizer. Não admito que você use essas expressões falando comigo.
- Que
expressões? Desculpe. Não quis ofender a senhora, evidente. Estou só defendendo
o chocolate, entende?
- Está bem.
- É muito
alimentício.
- Eu sei.
- Numa
dieta bem balanceada...
- Chega, Alfredinho. Não precisa falar em
calorias. Quem não sabe que chocolate é bom e gostoso? Eu adoro chocolate,
mas...
- Então
pega o pacote.
- É uma
tentação. Mas eu resisto.
- Eu ajudo
a destruir o que tá aí dentro, mãe.
- Não
- Prova só
um chocolatezinho mais legal, com recheio de licor.
- Não.
- Unzinho
só. Delícia.
- Nããããão.
Leve prá Georgiana, já disse.
- Já vi
tudo. A senhora quer ter uma nora de barrigona estufada de tanto comer
chocolate, só pra ter o gosto de mostrar que a sogra dela é mais leve que
manequim!
- Bandido,
some da minha frente com essa porcaria, que eu não sou mais sua mãe!