Antônio Carlos Viana |
O escritor sergipano Antônio
Carlos Viana, autor de livros, entre os quais se destaca O meio do mundo e outros contos, lançado em 1999, teve um de seus contos adaptado para o cinema
pelo cineasta Marcus Vilar. Recentemente lançou Cine Privé, outro livro de
contos. A adaptação do conto para o cinema foi vencedora do prêmio de melhor
fotografia no Festival de Cinema de Brasília em novembro de 2005. Além disso, O
meio do mundo recebeu o prêmio de melhor direção e também o prêmio do Banco do
Nordeste no Festival de Cinema de Sergipe, realizado em abril de 2006. O curta
também coleciona o prêmio de melhor direção, no Festival de Cinema de Cuiabá, realizado
em abril de 2006. Nessa entrevista, dada ao portal Escrita Livre, de João Pessoa-PB,
Viana fala de seu trabalho e da adaptação do seu conto para o cinema.
Escrita Livre - Comente um pouco sobre seu conto O Meio do Mundo
Antônio Carlos Viana - Um de meus temas preferidos é o da perda da
inocência. Talvez “O Meio do Mundo” seja o mais emblemático, porque o menino é
levado para um determinado lugar sem que saiba muito bem o que vai lhe
acontecer. O título remete a um lugar perdido no ermo do mundo, e também à
linha divisória entre dois momentos da vida: o da inocência e o desconhecido.
Gosto de trabalhar com a infância e a adolescência, porque são momentos
cruciais em qualquer existência. Tudo o que coloquei no conto foi muito
pensado: o ambiente árido do sertão, a mulher carvoeira, suja e sem voz, a
pobreza da casa, tudo para se contrapor à riqueza da experiência que será
vivida por Tonho.
EL - Qual foi sua reação ao saber
que seu conto seria transformado em um filme de curta-metragem?
A.C.V - Eu não conhecia Marcus
Vilar. Quando ele me ligou falando que pretendia filmar o conto, me deixou
exultante porque vi que o livro começava a circular, o que é o desejo de
qualquer autor. Fiquei à espera de algum filme dele. Foi no Festival de Curtas
de Sergipe que o conheci e vi seu magnífico “A Canga”. Não tive dúvidas de que
o conto estava em boas mãos e nunca duvidei do seu resultado.
O cineasta Marcus Vilar |
EL - O Marcus me contou que o
senhor fez um conto baseado numa experiência dele...
A.C.V - Dificilmente escrevo
sobre coisas que me contam ou me acontecem. Às vezes um fato qualquer pode
desencadear um conto, mas não a história em si. Quanto à história do Marcus,
achei-a tão impressionante que, ao chegar em casa, sentei diante do computador
e a escrevi de um jato só. Depois foi só reinventar. burilar, trabalhar a
linguagem para não ficar chula. Claro que nem tudo o que está lá aconteceu com
o Marcus, sobretudo o desfecho. Ele deu o mote e eu criei em torno uma situação
nada confortável para o adolescente que lá está. O conto terminou sendo um dos
que mais fazem sucesso entre os leitores. Não vou dizer qual é porque não pedi
permissão a ele. Está no meu último livro, “Aberto está o inferno”. Agora todo
mundo vai querer saber. Isso é com ele.
EL - Qual sua expectativa com
relação a esse filme?
A.C.V - Sempre alimentei grandes
expectativas e acho que não vou me decepcionar. Antevejo algumas cenas a partir
do que vi em “A Canga”. Marcus sempre falou comigo sobre o roteiro, alterações
que fez, o cuidado para que o filme não ferisse suscetibilidades. Marcus deve
ter captado isso com a sensibilidade que tem.
EL - Como é seu processo de
criação?
A.C.V - Criar é algo bem
complicado. Há dias em que não somos capazes de escrever uma linha. Outros,
basta pôr a primeira palavra que o resto vem de roldão. Sou muito disciplinado
e quem não for não faz nada na vida. Todo dia me acho na obrigação de escrever
alguma coisa, mesmo que não dê em nada. Seria bom que sempre desse em alguma
coisa, mas isso é impossível. O importante é estar disponível, não ter medo de
perder tempo com algo que pode resultar em fracasso. Às vezes penso que
determinada história não vai dar em nada e, de repente, com mais uma volta do
parafuso, eis que ela rende o impensável. Escrever tem dessas surpresas. Como
sou muito meticuloso, demoro muito a terminar um conto. E, mesmo quando o dou
por concluído, sempre acho que poderia ficar melhor. É aquela eterna insatisfação
de quem pretende fazer arte.
Capa de O meio do mundo e outros contos |
EL - A literatura sempre foi a
grande fornecedora de idéias para o cinema mundial, desde o século passado,
haja vista produções como E o Vento Levou, Cidade de Deus, O Pagador de
Promessas entre tantos exemplos que poderia citar. Na sua opinião a literatura
e o cinema, essas duas formas de arte, se completam e se entendem
perfeitamente?
A.C.V - O que nenhum autor pode
querer é que o filme seja uma ilustração do romance, do conto ou do poema.
Assim não seria cinema. O cinema tem sua linguagem, e muitas vezes o que
funciona no papel não funciona na tela. Não gosto quando as pessoas falam
assim: “O filme é melhor do que o livro”, ou vice-versa. Cada um deve ser visto
dentro da forma que lhe é peculiar: literatura é palavra; cinema é imagem.
Cinema, televisão, literatura sempre vão se entender. O que se precisa fazer é
dar educação para que o leitor-espectador veja cada um dentro de seus limites.
Pior quando dizem “não li o livro mas vi o filme (ou a minissérie)”, como se
uma coisa substituísse a outra. Assim não dá.
EL - Fala um pouco do início de
sua carreira, de quando o senhor descobriu que era um autor e quando teve a
certeza que queria seguir essa carreira.
A.C.V - Escrever todo mundo quer
um dia na vida. Eu comecei por acaso, quando comprei minha primeira máquina de
escrever. Assim que cheguei em casa com aquela conquista, pus um folha de papel
e deixei que viesse da minha cabeça qualquer coisa, sem censura prévia, mas sem
pretensão nenhuma de ser escritor. Veio uma história interessante que eu nunca
imaginei ser possível eu criar. É o conto “Brincar de manja”, que está em O
meio do mundo e outros contos. Gostei da experiência e continuei escrevendo.
Quando tinha um bom número de contos, apresentei a algumas pessoas que
entendiam do riscado e elas me incentivaram a continuar. Aí veio Brincar de
Manja (1974). Depois, Em Pleno Castigo (1981), O Meio do Mundo (1993), O Meio
do Mundo e outros Contos, este uma seleção dos melhores contos dos três
anteriores, publicado em 1999, pela Companhia das Letras. E agora, Aberto está
oIinferno (2004), também pela Companhia. Como vê, trabalho devagar, com muito
cuidado. Ter chegado à Companhia das Letras para mim foi o ponto mais
importante da minha carreira, que começou praticamente de uma brincadeirinha.
EL - Lembra de algum momento
ligado ao seu trabalho que o deixou triste, magoado?
A.C.V - O Meio do Mundo e outros
Contos tinha sido indicado como leitura obrigatória para o vestibular da UFS
(Universidade Federal de Sergipe) e depois a própria universidade o retirou
porque disse que era pornográfico. Uma universidade! Algo inaceitável. Eu não
trabalho com pornografia, mas com o erotismo, que refino até onde posso.