..................................................................A notícia como nunca foi.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
¨¨¨Landisvalth Blog: O dia em que Lampião assaltou Cansanção e fez jorr...
¨¨¨Landisvalth Blog: O dia em que Lampião assaltou Cansanção e fez jorr...: Oleone Coelho Fontes Lampião Antevéspera do Natal 1929. A data estigmat...
domingo, 23 de fevereiro de 2014
Rodrigo Santoro está em sete filmes internacionais, mas ganha pouco
MARCO AURÉLIO CANÔNICO – da Serafina – Folha de São Paulo
Rodrigo Santoro |
Sempre chega aquele momento na vida em que o sujeito precisa decidir se vai se casar, ter um filho e comprar "um pedaço de terra, com água, umas árvores, uma horta", ou se vai para a Califórnia (para Hollywood, mais precisamente), viver a vida sobre as ondas, ser artista de cinema, ser star.
Não que o ator esteja cogitando uma aposentadoria aos 38 anos. Na verdade, começou 2014 divulgando o último blockbuster de que participou, "300: A Ascensão do Império" (estreia em 7 de março), está filmando "The 33", sobre o caso dos trabalhadores que ficaram presos em uma mina, no Chile, e tem ao menos mais três filmes internacionais já rodados: o desenho "Rio 2", um faroeste com Natalie Portman e uma comédia com Will Smith.
Mas, com duas décadas de carreira nas telas –inicialmente nas de TV e, desde 1998, nas de cinema– e mais da metade desse tempo vivendo na ponte aérea entre os Estados Unidos e o Brasil, Santoro começou a sentir a balança profissional pender para o lado estrangeiro e ficou em dúvida sobre como equilibrar a instável rotina de ator internacional com seus projetos pessoais que exigem mais estabilidade.
"Acho que em toda a minha vida nunca questionei tanto onde estou, o que estou fazendo. Foram muitos anos que passei fora, trabalhando, e agora sinto um movimento um pouco mais aquecido, mais coisas chegando", diz, no estúdio carioca em que foi fotografado para a Serafina.
"Estou num momento delicado,
tentando encontrar soluções para me estabilizar mais, dividir as viagens de
forma melhor, passar mais tempo num lugar só. A questão é mais abrangente: a
família, as vontades de qualquer homem. É hora de entender do que vou precisar
abrir mão. Em 12 anos nesse vai e volta, tive muito tempo para pensar
sozinho."
O que Santoro pondera é a
diferença entre viver em sua terra natal, onde já é um astro -e onde estão sua
família, seus amigos e sua namorada, a atriz Mel Fronckowiak-, e seguir
batalhando nos Estados Unidos, onde sua carreira progrediu muito desde a tão
criticada ponta (sem fala) em "As Panteras Detonando" (2003), mas não
o suficiente para garantir que ele será algo mais do que um cometa fugaz.
"Uma coisa que é importante
e que eu tenho feito cada vez mais é tentar avaliar as experiências que eu vou
ter, as pessoas com quem vou trabalhar, o quanto aquilo vai me
amadurecer", diz o ator.
"Minha trajetória tem me
ensinado que isso é o que fica. Quando olho para trás, lembro dos exemplos, do
que pude aprender enquanto estava filmando. Não exatamente o resultado do
filme, não exatamente minha performance."
Essa filosofia explica desde sua
participação em projetos de diretores como David Mamet (em "Cinturão
Vermelho") e Steven Soderbergh (nos dois "Che", em que viveu
Raúl Castro) até sua recente incursão por gêneros novos para ele, como o
faroeste -no ano passado, filmou "Jane Got a Gun", que tem Natalie
Portman e Ewan McGregor como protagonistas e estreia prevista para agosto.
No longa, o brasileiro interpreta
pela primeira vez um personagem americano, outro sinal de progresso da carreira
no exterior.
"Ele tem um nome irlandês,
inclusive, Fitchum. Não mudaram para Juan ou José. E fiz um sotaque, do sul dos
Estados Unidos. É um figuraço, um bandido todo esquisito, parte de uma gangue
do Velho Oeste. Vamos ver o que virou."
O filme também foi uma aula sobre
a instabilidade que volta e meia acomete produções hollywoodianas.
"A diretora [Lynne Ramsay]
foi embora no começo da filmagem [substituída por Gavin O'Connor]. Alguns
atores, como o Jude Law, que faria o antagonista, saíram. O roteiro foi
modificado. Foi um processo muito complicado, de muita tensão e espera. Nunca
tinha passado por isso. Até meu personagem, que era uma coisa, se transformou
em outra."
Ainda na seara das novas
experiências, o ator também rodou no ano passado a comédia "Focus",
onde voltou a trabalhar com os diretores Glenn Ficarra e John Requa, os mesmos
de "O Golpista do Ano" (2009), em que fez o namorado de Jim Carrey.
No novo filme, contracenou com
mais uma das superestrelas de Hollywood, Will Smith, para quem só tem
elogios."Sen-sa-ci-o-nal, em todos os sentidos. Acessível, gente fina,
generoso, um grande companheiro de trabalho. Sem a menor dúvida, um dos caras
mais legais com quem já trabalhei."
NÃO É PELA GRANA, BICHO
Mas Santoro ainda não consegue
fazer tudo o que quer. "Já recebi vários 'nãos' em filmes que eu era a fim
de fazer, coisas com que sonhei alto", diz, citando como exemplo
"Diário de um Jornalista Bêbado" (2011), com Johnny Depp.
Quando traça os rumos de sua
carreira, Santoro diz não atribuir muito peso ao fator grana. "Cara, é
claro que o pagamento é importante, mas nunca foi minha prioridade. Até porque
o salário que ganho lá fora está muito aquém do imaginário coletivo."
Membro do Screen Actors Guild
(SAG), sindicato de atores dos EUA, na maior parte dos filmes, ele recebe o
piso pela tabela da entidade -cerca de US$ 3.000 por semana, para filmes com
orçamento a partir de US$ 2,5 milhões.
Santoro também considera que, dos
21 projetos internacionais de que participou (dois deles telefilmes), "os
únicos mais comerciais foram o '300' [2006] e o 'Rio' [2011]", ambos
blockbusters de estúdio, com continuações que estreiam em março.
E nem mesmo em "300 - A
Ascensão do Império", sequência na qual seu personagem, o vilão Xerxes,
tem mais destaque (e chegou a ser cogitado como protagonista), seu salário
ganhou grandes acréscimos.
Sem entrar em detalhes, diz que a
produção lhe valeu o maior pagamento nos EUA até agora. "E, mesmo assim,
eu recebo mais para trabalhar em coisas aqui no Brasil, até em publicidade, do
que nesses trabalhos que faço fora, mesmo em filmes grandes. Não é pela grana,
bicho", diz, rindo.
O fato de receber o piso da
tabela do sindicato dos atores é um indicativo do tamanho de sua fama no
exterior. O relativo anonimato, por outro lado, traz a liberdade de poder
circular sem ser reconhecido.
"Enquanto artista, é
importante observar sem ser observado, para ver as pessoas se comportando de
forma natural. O ator é um estudante de comportamento. Meus personagens são um
mosaico das pessoas que eu já vi, já ouvi, e que me deixaram tocado,
intrigado."
No Brasil, é claro, esse cenário
não é possível há quase 20 anos, logo depois que Santoro saiu de sua Petrópolis
(RJ) natal para fazer faculdade no Rio e acabou entrando na Globo e se tornando
um dos galãs das novelas do canal. Tampouco ajudou o fato de ele ter
colecionado namoradas famosas, como Luana Piovani e Ellen Jabour.
"Com público e fãs nunca
tive problemas, sempre entendi isso como parte da equação. A maior questão foi
a coisa da exposição da minha vida mesmo, dos paparazzi que te pegam quando
você está em um jantar e não quer ser exposto. Às vezes, você ainda está
conhecendo alguém e não dá nem tempo, bicho. Já saiu, já é."
Foi também para aprender a lidar
com isso que Santoro entrou na terapia aos 20 e poucos anos e segue nela até
hoje.
"Faço na medida do possível,
mas é importante para mim. É a coisa do espelho, gosto de colocar para fora, de
me entender um pouco."
Hoje é mais relaxado, respira
mais, se atropela menos. "No começo sentia uma urgência em falar, em
fazer, em planejar. Isso mudou. Acho que vem com o amadurecimento. Não sei se
sou um melhor ator, mas sou um ator mais calmo. Amadureci."
sábado, 22 de fevereiro de 2014
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014
A POÉTICA SERTANEJA CASTROALVINA: UM OLHAR “LOCAL” SOBRE A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO
Prof. Marcos José |
Marcos José de Souza
Castro Alves também destacou
a vida em sua plenitude no semiárido.
RESUMO. O presente artigo expõe a
análise o livro de poemas A Cachoeira de Paulo Afonso, do poeta Castro Alves,
cujo objetivo é dar captar a mensagem pictórica e romântica protagonizada pelos
escravos Lucas e Maria, em meio a uma paisagem agreste e acolhedora. Para tal o
autor deste trabalho criou uma sequência didática das partes que compõem o
poema, ao tempo que foi delineando momentos catárticos da narrativa.
PALAVRAS-CHAVE: Castro Alves;
Lucas; Maria; o rio são Francisco.
INTRODUÇÃO
1. A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO EM
ALGUNS DOS NOSSOS INTERLOCUTORES
Como um grande homem do seu
tempo, elevada a sua produção à categoria de clássico da literatura nacional,
Castro Alves arregimentou um grande número de biógrafos, ensaístas,
historiadores, entre outros, interessados em sua obra. Afora um grande detalhe
de sua vida, o de ter morrido jovem, o poeta legou à posteridade versos que até
a atualidade são considerados avançados, inclusive para os dias atuais, em que pese
a carga em defesa dos que vivem à margem da sociedade, dos indivíduos
coisificados.
Nosso trabalho não pretende fazer
um percurso histórico dos grandes contribuidores pela disseminação da obra do
poeta baiano, posto que outros de maior envergadura já foram realizados e aqui,
o que pretendemos, é mergulhar na sensibilidade da paisagem do sertão, cujo
foco é o amor entre Lucas e Maria, “assentados” sobre as águas do rio São
Francisco e “inebriados” pela cachoeira de Paulo Afonso.
Dentre os interlocutores escolhidos
estão Xavier Marques, pela intimidade como se apresenta à vida do poeta;
Afrânio Peixoto, pela delicadeza com que denominou uma biografia de Castro
Alves e, por fim, Pedro Calmon, pelo fôlego de sua obra sobre vate baiano.
Façamos saber que nossos destaques, dos três “biógrafos”, são extensivos
somente ao nosso objeto de leitura, análise e deleite, o livro A CACHOEIRA
DE PAULO AFONSO (deste momento em diante, usaremos as iniciais ACPA para
nos referirmos a este livro).
1.1 VIDA DE CASTRO ALVES, por
Xavier Marques: um delicioso passeio no início do século XX.
Ler uma biografia, para os
amantes da literatura, tem sido um delicioso contato com a produção, com o
cotidiano, com os sabores e os dissabores do biografado. Xavier Marques, não
nos decepciona. Com uma linguagem recheada de termos em desuso, mas não menos
cativantes para uma boa leitura, nosso interlocutor garante uma visão ampla e,
inclusive íntima, sem ser invasivo, do poeta que encantou sua geração e
continuou encantando as seguintes.
Já no capítulo II, Nascimento
e Infância, como o título sugere, o autor aborda os tempos do menino
sertanejo, mas já dá indícios de sua paixão pela paisagem local. “É na peça
inicial d’A Cachoeira de Paulo Afonso, onde ele, já na posse da imaginosa
língua da força de sentimento e visão grandiosa que lhe caracterizam o gênio,
nos pinta a hora da tarde, sob os traços de pálida donzela a banhar-se nas
‘termas do oriente’ (MARQUES, 1997; p. 30)
E cita o poema A Tarde, na
íntegra. Essa referência é ao poema que abre o livro ACPA, A tarde, no qual o
poeta deixa clara a sua paixão pela paisagem sertaneja.
Neste mesmo capítulo há outra
“lembrança” da infância no interior da Bahia, ilustrando o poeta com a paisagem
do são Francisco e também ao nativo Lucas, personagem central de ACPA: “E em
várias composições, especialmente no poema ‘A Cachoeira’, muitos dos quadros,
costumes, cantigas e tonadilhas que transposta para o vale de S. Francisco,
onde nunca esteve, são evidentemente reminiscências da fazenda e seus
arredores. Ele mesmo confessa, referindo-se à voz de Lucas, o escravo lenhador”(sic)(idem,
p. 33 – grifo nosso). Vê-se o destaque que Marques identifica sobre a ausência
do poeta no palco de seu idílio sertanejo, demonstrando o quanto não teria se maravilhado,
caso viesse a conhecer de perto a cachoeira que a tantos encantou³.
A próxima referência a ACPA
dar-se-á somente no capítulo IV, Na Academia, em Pernambuco, quando o
poeta está na iminência de ir à Bahia, sem saber que não retornaria ao Recife,
pois acompanhava seu grande amor, Eugênia Câmara. “Isto se passava em agosto
de 1866. Nas horas de tréguas Castro Alves adiantava a sua obra antiescravista (sic),
começando a compor A Cachoeira de Paulo Afonso...” (idem, p.68)
Nosso destaque deve-se ao fato de não considerarmos uma obra assim
classificada, pois não temos ali uma bandeira contra este ou aquele fenômeno
social, mas um instante comum a dois seres de qualquer etnia ou origem social.
Outros destaques são dados a
ACPA, mas o mais importante considero aquele em que o autor se refere ao
projeto do poeta em conhecer o local, que não conhecera, tão decantado em sues
poemas, localizado no capítulo V, Ano de férias na Bahia. “Refugiava-se
frequentemente na Boa Vista a trabalhar no prólogo do poema, ao qual ainda
tinha que juntar uma descrição da cachoeira de Paulo Afonso. Daí o projeto de
uma excursão ao rio S. Francisco. ‘É verdade, dou-te parte que vou nestes oito
dias para ver de perto a queda gigantesca do São Francisco...” (idem, p.
81)
Conforme ressaltei, reafirmo, ler
Vida de Castro Alves é um ótimo e contagiante contato com a vida do poeta, bem
como com o modus vivendi no final do século XIX.
1.2 O poeta, o poema e o ramo de
louro: um passeio pelas observações de Afrânio Peixoto
Nosso segundo interlocutor é o
pesquisador A. Peixoto, do qual nos serviremos de dois textos publicados em
livros diferentes, conforme pode ser constatados nas referências deste
trabalho. O requinte, aliado à sutileza, estão presentes no título de cada um
dos livros. Do primeiro assenhoreamo-nos de O romantismo e seu significado
nacional, quando atribui a uma escola literária, mesmo atual, o caráter
passageiro, entretanto, legando alguns dos representantes, pérolas à
posteridade. O que ocorre com o nosso poeta, Castro Alves, conforme podemos
constatar à página 256, do texto acima indicado, cujo texto fora transcrito na
íntegra, isto é, grafia e pontuação originais:
“Castro Alves, desde menino, e
nos poucos anos que vão da adolescência á maioridade, consegue comover as
multidões para a lei do ventre livre, e prepara as donzelas e os rapazes que,
menos de vinte anos depois, serão os libertadores do 13 de maio.(...) Agora,
George Le Gentil, um crítico estrangeiro, proclama que a América deu á
literatura universal duas obras-primas de emoção humana: a ‘cabana do Pai
Thomaz’ de Becher-Stowe, e a ‘Cachoeira de Paulo Afonso’, de Castro Alves.”
O nosso intelectual, no percurso
histórico que fez em seu pronunciamento (texto aqui utilizado é uma fala)
alerta que o romantismo no Brasil traduziu-se em nossa liberdade intelectual e
ninguém melhor que o nosso poeta para ilustrar esse sentimento, ao tratar de
dois indivíduos que se amam, em meio hostil às liberdades dos africanos em
terras brasilianas.
O segundo texto de Afrânio Peixoto,
Castro Alves, o épico da Abolição e da República, dando prosseguimento
ao estilo do primeiro, anteriormente citado, busca nos aproximarmos da ideia do
poeta “antenado” com as transformações político-sociais de seu tempo histórico.
Desde a qualidade dos seus versos, que ultrapassavam as fronteiras da amada
Recife, até a crítica internacional, conforme a citação acima. Passando pela
enérgica maneira como recitava seus versos, produzidos anteriormente ou
improvisados: em praça pública, no púlpito, ou no teatro. Como é de prever para
quem assim age social e politicamente, vai arregimentando aliados. “É
verdade que ele arrancava aplausos, comovia, entusiasmava, mas eram os seus
dons pessoais, a sua poesia sonora e inflamada que colhia, das assembleias
literárias ou das plateias predispostas que o admiravam. Sem o querer, e sem o
saber, ía, entretanto, essa turba se impregnando da emoção e do espirito
abolicionista.”(idem.1942; p. 183)
1.3 O homem, seu percurso e a
obra, por Pedro Calmon
O terceiro, e último
interlocutor, é o historiador Jorge Calmon, que nos presenteia com uma densa
fonte de informações sobre o poeta, entretanto nem um pouco cansativa, com sói
acontecer com muitos trabalhos dessa natureza. Tanto que durante sua leitura,
em meio às citações e recorrências aos poemas, pegava-nos atribuindo ritmos aos
textos, conforme fazemos durante a leitura dos versos, isto é, à medida em que
líamos os versos utilizados pelo historiador, por alguns instantes nos
surpreendíamos também lendo a narrativa com o mesmo ritmo que o texto poético.
Ao longo das suas 324 páginas,
somente na de número 166 é que o historiador faz referência ao nosso objeto de
estudo, mesmo assim fazendo um comparativo do “nosso” casal com outro, dessa
vez mestiço, Peri e Ceci, quando cita trecho de uma carta do poeta endereçada
ao “a Augusto Guimarães, ‘vou nestes oito dias para ver de perto a queda
gigantesca do S. Francisco’(...)em que desempenhariam os escravos; como o
guarani de Alencar... Não foi.”(CALMON, 1973:p.166). O comparativo
continua, dessa vez, com o elemento por do sol, à altura da pagina 171.
O grande destaque dado pelo
historiador, ao poeta está na página 242, no capítulo O Sertão, quando,
ao comparar o seu sertão, o seu recanto, com a jusante desconhecida de perto, a
cachoeira, faz o historiador, as vezes de também poeta. “Na Cachoeira de
Paulo Afonso – pintou, a largas pinceladas, alguns desses quadros de natureza
amiga, que são detalhes de outro sentimento mais real: o sentimento alvoroçado
de sua volta, de sua reintegração, de sua restituição ao planalto de
Curralinho, á azulada serra do Aporá, aos matos e grotões de terra áspera. Esta
era sua; e respirava poesia na sua placidez da manhã, no esplendor da tardinha.”(idem)
Neste mesmo capítulo Calmon lança
mão do poema A TARDE, ao afirmar que era um texto frequente na mão de
muitos poetas brasileiros, cujo fenômeno acompanhou até seus últimos instantes
de vida, pois “A luz plena dêsse lindo dia – 6 de julho – golfava pelas
janelas abertas no salão em que adormecera. Dir-se-ia que palpitava nas côres
gloriosas da tarde, subindo pelas alturas nas flechas de ouro do sol, o
derradeiro alento do poeta.”(idem:p.281)
E assim, de modo caro ao poeta,
encerramos também com a poesia narrativa de Calmon, o nosso diálogo com o historiador.
2.À GUISA DE SÍNTESE DAS LEITURAS
SOBRE O POETA
Os comentadores aqui trazidos
permitiram-nos observar que o poeta foi um homem, Xavier Marques, foi um
literato, Afrânio Peixoto, foi um político, Pedro Calmon. E tudo
isso em todos eles.
DESENVOLVIMENTO
Ler, “ouvir”, refletir a poética
castroalvina, em particular aquela oriunda de A Cachoeira de Paulo Afonso,
estando esse interlocutor, bem próximo dela, a cachoeira, é um instante de
êxtase, de sublimação. Nosso lugar, o de leitor e de aspirante a pesquisador de
Castro Alves, é o de professor do ensino médio da rede publica baiana, sujeito
às vicissitudes do exercício profissional. Entretanto o autor desse trabalho,
até aqui, tem investido contra tudo e contra todos os que não querem a educação
publica, gratuita e de qualidade.
Afora os discursos da categoria
no parágrafo anterior, estamos fazendo uso do livro de poemas do poeta do
Curralinho há cerca de 05 (cinco) anos, com a leitura integral da obra e um
recital com estudantes notadamente da 2ª série, ensino médio. A obra sempre
exerceu fascínio sobre mim, mas nunca me detivera com o olhar do pesquisador
apaixonado, daqueles que quando o exercemos, enxergamos imagens distantes do
campo visual do leitor apressado. Outro destaque que indico é o de quem se
debruça sobre outro “sertanista”, o Euclides da Cunha, do qual um discurso
proferido pelo autor de Os Sertões.
Ainda destacamos que nossa linha
de trabalho pautou-se pela leitura de algumas obras sobre o poeta, sem entrar
no mérito de todos os seus pesquisadores, mas aqui nos detivemos em OLHAR cada
poema, na certeza de abstrair sua aura nesse espaço tão quente e, por isso, tão
fecundo, que é o semiárido, o sertão do rio São Francisco, nas barrancas da CACHOEIRA
DE PAULO AFONSO. Desse modo, pretendemos fazer um passeio, instigado pelos
versos maviosos, quentes, sensuais, inebriantes, cheirando a mato seco, da
nossa catinga. Portanto, a imagem e a sensação que temos ao ler os versos de A
Cachoeira de Paulo Afonso, são os resultados que buscamos revelar, do ponto de
vista científico, como nosso intento neste trabalho.
Considerado a continuação de
outro livro do poeta, Os Escravos, em A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO, o
poeta uniu os três pilares do romantismo brasileiro, a síntese castroalvina: a
exuberância da natureza, o amor entre dois jovens e a denúncia social. O Livro
possui 33(trinta e três) poemas de diferentes formatos, desde a composição,
isto é, a disposição de versos, seus tamanhos e quantidade, bem como a distribuição
de estrofes e a presença ou não de rimas nos finais dos versos. A variedade de
tamanho vai desde À Beira do abismo (e do infinito), com 06(seis)
versos, até O Segredo, com 91(noventa e um)¹.
Outro traço importante da
trajetória de Castro Alves na busca da poesia é a sua noção de natureza. A
natureza ocorre em sua poesia em seu estado virginal, no tempo em que o homem
vivia com ela em harmonia, parte de um todo ideal, perdida para sempre no
mundo. (PARANHOS, p. 11)
Entretanto o que predomina todo o
conjunto de poemas é a união, o amor, a cumplicidade, as dores, as origens que
unem Lucas e Maria.
A LEITURA - OS POEMAS
1. A Brisa, O Sol, A Serra: os
Elementos que compõem a Paisagem
Tomamos como parâmetro a ideia na
qual os poemas possam ser agrupados em partes, mas eles, não aparecem,
necessariamente, na ordem em que as elenco aqui nesta classificação:
I – a exuberância da paisagem –
com o sol poente como núcleo; A Tarde, No Monte, Crepúsculo sertanejo.
II – o rio são Francisco, a
cachoeira e os vales; Na Margem, O Nadador, Na Fonte, A Canoa phantastica, o
são Francisco, A Cachoeira, A beira do abismo.
III – a mata e seus elementos
naturais, a fauna e flora do lugar; O Baile na flor, A Queimada, Nos Campos.
IV – os tipos físicos, Maria e
Lucas, seus diálogos, seus amores e a memória da escravidão. Maria, Lucas,
Tyrana, A Senzala, Diálogo dos ecos, O Nadador, Nos Barcos, Adeus, Mudo e
quedo, Sangue de africano, Amante, Anjo, Desespero, História de um crime,
Último abraço, Mãe penitente, O Segredo, O Bandolim da desgraça, Um raio de
luar, Despertar para morrer, Loucura divina.
Vê-se pelo estudo que alguns
podem “pertencer” aos grupos II e IV, pois exibem elementos de ambos as
classificações por nós organizadas como, por exemplo, O Nadador, com os
versos seguintes:
“Eil-o que ao arroja-se;
As vagas bipartiram-se...”
Constantes no 1º e 2º versos
iniciais do poema
Ou
“Vagas, curvae-vos timidas!
Abri fileiras pavidas
A's mâos possantes, avidas
Do nadador audaz,...”
Constantes nos primeiros versos da
4ª estrofe.
As cenas acontecem em uma
paisagem agreste, entretanto a suavidade, o romance dominam grande parte da
trajetória, conforme podemos constatar que a predominância é pela temática na
qual estão Lucas e Maria.
O livro aqui analisado é o
romance dos escravizados Lucas e Maria, segundo o poema que leva o nome desta,
há um verso que comprova a situação social do casal, “Mimosa flor das
escravas!”, 1º verso da 2ª estrofe em, Na margem, “Assim dizia a
Escrava” no 1º verso da 4º estrofe. Também vemos em Lucas, nos últimos
versos da 1ª estrofe:
“Um bello escravo da terra
Cheio de viço e valor...
Era o filho das florestas!
Era o escravo lenhador!”
No sentido pedagógico,
descreverei a seguir a trajetória exibida nos versos.
A paisagem do semiárido é
apresentada aos leitores através da descrição do entardecer, o qual pode ser
diagnosticado como a ideia que o poeta anuncia a beleza que as cores criam, bem
como a noção de morte, fim, em relação ao amor entre Lucas e Maria. Conforme
podemos ver nos dois primeiros e nos dois últimos versos:
A Tarde
“Era a hora em que a tarde se
debruça
Là da crista das serras mais
remotas...
Contemplando o infinito... na
floresta,
Rolar ào som da f uneral
orchestra ! !”
Em seguida o poeta apresenta
Maria, a protagonista, inserida na paisagem, através dos poemas Maria, Baile
na flor e Na margem, nos moldes de um narrador. Vê-se que pela
beleza natural da mata e o rio São Francisco também são apresentados:
Maria
“Onde vaes â tardesinha,
Mucama tâo bonitinha,
Morena flor do sertâo?
A grama um beijo te furta”
O Baile na flor
“Que bellas as margens do rio
possante,
Que ao largo espumante campêa
sem par!.
Ali das bromelias nas flores
douradas
Há sylphos e fadas, que fazem
seu lar...”
Na Margem
”Assim dizia a Escrava.
Iam cahindo
Dos dedos do crepusc'lo os
véus de sombra,
Com que a terra se vêla, como
noiva,
Para o doce hymeneu das noites
limpidas.”
Demos o destaque deste último
poema, onde a moça pede que o rio leve sua infância e traga-lhe um amor, pois
estando na margem dele, as águas tanto podem levar o que não queremos, ou
passamos pela fase – a infância, quanto, trazer aquilo que desejamos, no caso
de Maria, tendo deixado de ser criança, aguardava um amor.
Entretanto, nem tudo é paz
naquela paisagem bucólica, inebriante, lânguida. Eis que um acontecimento comum
se abate sobre o sertão, sobre a floresta, um incêndio. Com o título de A
Queimada, o poeta cria esta situação para nos apresentar o seu herói, o
forte e destemido Lucas, nome que dá título ao poema seguinte. Destacaremos as
qualidades olímpicas do nosso protagonista em busca de salvar alguém ou
contornar a situação, ao tempo em que canta uma “toada”, cuja aparição vem como
título de poema, Tyrana:
“Cheio de viço e valor...” (9º
verso, 1ª estrofe)
“Que bella testa espaçosa,
(...)
Que cabelleira abundante!
(...)
Na larga e robusta mâo..
Aquelle vulto soberbo,
— Vivamente alumiado,
(...)
Como uma estatua de bronze,” (2ª
estrofe – exceto o 2º, 4º,5º,10º e 12º versos)
A partir desse instante a
narrativa ganha novos elementos, tendo como poema introdutor, A Senzala.
Aqui temos a presença clara do narrador, quando, na última estrofe o poeta(?)
atribui a Lucas a capacidade de “pintar” a paisagem:
“Eis o painel encantado,
Que eu quiz pintar, mas nâo
pude..
Lucas melhor o traçara
Na cançâo suave e rude.”
Entende-se, portanto, que neste
último verso o poeta se refere ao poema Tyrana.
Após tentar encontrar sinais para
o incêndio, Lucas busca a cabana da amada, não a encontrando em sua morada,
recebe um aviso, desses dos quais não sabemos de onde vem. Com o brilhante
título de Dialogo dos echos, o poeta anuncia o núcleo dramático
de sua narrativa:
“E chegou-se para o leito
Da casta flor do sertâo...
Apertou co'â mâo convulsa
O punhal e o coraçâo ! . ..
Stava inda tepido o ninho
Cheio de aromas suaves...
E — como a penna, que as aves
Deixam no musgo ao voar —.
Um anel de seus cabellos
Jazia cortado â esmo
Como reliquia no altar!.”(3ª
estrofe)
Os ecos são retratados como
respostas às perguntas que Lucas faz a si mesmo, cujo intuito é o de
encorajá-lo a procurar por Maria, tentar salvá-la e saber por que desapareceu.
Com cenas belíssimas o poeta vai descrevendo a pujança do escravo, a força e as
armadilhas do rio são Francisco, permitindo o que os dois se encontrem em uma
canoa, onde a moça já estava para cometer o suicídio. Entendemos ainda que o
uso dos ecos deva-se à existência dos paredões rochosos na região da cachoeira,
os quais produzem esse tipo de fenômeno, ao tempo que ampliam a beleza da
paisagem agreste.
2. As Memórias De Um Escrava –
Mater Dolorosa
Dedicando 11(onze) poemas, Castro
Alves nos apresenta duas historias, enquanto Maria narra o que a motivou descer
o rio em uma canoa, precipício da cachoeira adiante, também narra a história de
uma escrava. Antes de narrar o que se passara, os dois travam um diálogo em
outros dois poemas, Adeus e Mudo e quedo, nos quais
ambos tentam o suicídio, ela no primeiro e ele no segundo. Como ela percebe que
Lucas vai se jogar no rio,
“ Era tremenda aquella dôr
selvagem,
Que rebentava emfim, partindo os
diques
Na f uria desmedida ! . ..
Em meio as ondas
Lucas ia rolar...”²
Maria resolve revelar o episódio
que motivou-a a cometer o suicídio. Em uma sequência inebriante, Na Fonte,
Nos Campos e No Monte, Maria conta que foi
violentada. No primeiro poema ela toma um doce banho de rio quando é
surpreendida por um homem,
"Rugitavam os palmarès..
Em torno dos nenuphares
Zumbiam pejando os ares
Mil insectos de rubim..
Eu n'aquelle leito brando
Rolava alegre cantando...
Subito., um ramo estalando
Salta um homem junto a
mim!"(última estrofe VII )
No segundo poema, fugindo do
algoz, mais uma vez relembramos a belíssima Iracema, presente em outros
momentos desse épico, conforme nossos grifos. Essa estrofe inicial traduz o
desespero que Maria sentia naquele instante:
"Fugi desvairada!
Na moita intrincada,
Rasgando uma estrada,
Fugaz me embrenhei.
Apenas vestindo
Meus negros cabellos,
E os seios cobrindo
Com os tremulos dedos,
Ligeira voei!”
A tragédia acontece, o que
enfurece Lucas, na última estrofe do poema:
"E agora esta concluida
Minha historia desgraçada.
Quando cahi — era virgem,
Quando ergui-me —
deshonrada!"
A fúria do macho vem com título Sangue
de africano, cujas qualidades hercúleas mais uma vez são recorrentes.
Esse momento é encerrado, com os poemas Amante, Anjo e Desespero,
quando após pedir a Lucas que a vingança não deve ser aplicada, Maria conta uma
história de um crime, após um dramático diálogo entre os amantes, fazendo
entender àquele que o facínora é seu irmão, fruto de outro estupro, perpetrado
pelo pai deste último criminoso.
Lucas roga:
"O' minha mâe ! ô martyr af
ricana,
Que morreste de dor no
captiveiro!
Ai ! sem quebrar aquella jura
insana,
Que jurei no teu leito
derradeiro,
No sangue desta raça impia,
tyranna
Teu filho vae vingar um povo
inteiro ! . . .
Vamos, Maria! Cumpra-se o
destin»..
Dize ! dize-me o nome do
assassino ! . . . "
Maria responde
"Pois que seja! Debalde
pedi-te,
Ai ! debalde a teus pés me
rojei..
Porém antes escuta esta
historia..,
Depois della... o seu nome
direi!"
Em quatro poemas, Historia
de um crime, Ultimo abraço, Mãe penitente e O Segredo, Maria vai
narrando um episódio que dramaticamente é encerrado no 4º poema aqui indicado,
na última estrofe:
"Ninguem! que a nada
humilho-me
Na terra, nem no espaço !..
Pôde ferir meu braço.
— "Lucas ! nâo pôde, nâo !
Misero ! a mâo que abrira
De tua mâe a oova...
O golpe hoje renova!...
Mata-me ! . . . E' teu irmâo
!.(grifo nosso)
3. A paisagem do sertão é
retomada: o sol ponte, o rio e a cachoeira
A última parte da narrativa é
dedicada ao amor que Lucas e Maria não puderam dar continuidade na terra, mas
poderão assim fazê-lo na eternidade. Como em delírios os dois dão continuidade
á “viagem” para o infinito cuja paisagem é dominada pelo Crepúsculo
sertanejo, como o próprio título sugere é um momento em que o dia vai morrendo
para que a noite ocupe o seu lugar, nascendo, conforme podemos ainda
visualizá-lo nos versos, melancólicos, fúnebres
A tarde morria! Nas aguas
barrentas
As sombras das margens
deitavam-se longas ;(1º e 2º versos da 1ª estrofe)
(...)
A tarde morria ! Mais funda
nas aguas (1º verso da 3ª estrofe)
Entretanto sabemos que enquanto
“morre”, o dia “renasce” com esse mesmo sol, no alvorecer. Esse fenômeno nos
poemas, veremos adiante. Com os sugestivos títulos de O Bandolim da
desgraça e A Canoa phantastica, o poeta vai conduzindo o
nosso amante casal rumo à liberdade eterna, quando aqui destacamos as
descrições deles, neste segundo poema:
Lucas: Que vulto é este, sombrio,
Gelado, immovel, na prôa?
Dir-se-hia o genio das sombras
Do inf erno sobre a canôa !. \
.(4ª estrofe)
Maria
Cahida, pallida, branca!.
Nâo ha quem d'ella se dôa?!.
Vâo-lhe os cabellos â rastos
Pela esteira da canôa ! . . .(6ª
estrofe)
O São Francisco “recupera”
seu lugar na narrativa quando o poeta destaca o tamanho e os caminhos que
percorre até despencar pelos rochedos do sertão:
Longe, bem longe dos cantôes
bravios,
Abrindo em alàs os barrancos
fundos ;(1ª e 2ª verso, 1ª estrofe)
Orlava o seio da Mineira
linda;(4º verso, 2ª estrofe)
Bâter â porta da Bahiana
altiva.(4º verso, 3ª estrofe)
Rio soberbo! tuas aguas turvas(1º
verso, 4ª estrofe)
De grinaldas em flor tecendo a
arcada
Sâo arcos triumphaes de tua
estrada !.(dois últimos versos, 5ª estrofe)
Quanto à Cachoeira, o
poeta destaca sua voracidade, sua força, recorrendo aos elementos helênicos,
cujos versos reproduzidos atualmente na cidade de Paulo Afonso, Bahia, revelam
a também a força que o poeta angariou
“A cachoeira ! Paulo Af fonso ! O
abysmo !
A briga collossal dos elementos!
As garras do Centauro em
paroxismo
Raspando os flancos dos parceis
sangrentos.
Relutantes na dor do cataclysmo
Os braços do gigante suarentos
Aguentando a ranger (espanto!
assombro!)
O rio inteiro, que lhe câe no
hombro !”
Após o delírio do casal e a
inevitável queda d’água, Lucas e Maria “reaparecem”. Segue-se mais um momento
romântico no qual os amantes, sozinhos, mesmo diante de uma catástrofe, retomam
as carícias cujo momento parece oportuno, em Um raio de luar
Alta noite elle ergueu-se hirto,
solemne.
Pegou na mâo da moça. Olhou-a f i
t o . . .
Que fundo olhar!
(...)
Tomou-a no regaço... assim no
manto
(...)
Pendeu-lhe sobre os labios.
(...)
Um momento de bruços sobre o
abysmo
Elle, embalando-a, sobre o rio
negro
Mais s'inclinou.
N'esse instante o luar bateu-lhe
em cheio,
E um riso â flor dos labios da
creança
A' flux boiou!
Mas eis que era tarde, pois o
precipício já os aguardava e eles, delirando, em dois poemas também com títulos
paradoxais em si mesmo, Despertar para morrer e Loucura
divina, vão intercalando uma cerimônia festiva, o casamento, ora uma
cerimônia fúnebre, o enterro de ambos.
—"Eu ouço a Liberdade!"
— "E' a morte, infante!
— "Erraste. E' a
salvaçâo!"
— "Negro phantasma é quem me
embala o esquife!"
—"Loucura ! E' tua Mâe... O
esquif e é um berço,
Que boia n'amplidão!...”(2ª
estrofe de L. D.)
E ante a hecatombe da cachoeira
tem a visão ambígua
"As estrellas palpitam ! —
Sâo as tochas !
Os rochedos murmuram!... — Sâo os
monges!
Reza um orgâo nos céos!
Que incenso ! — Os rolos que do
abysmo voam !
Que thuribulo énorme — Paulo
Affonso!
Que sacerdote! —• Deus. "(ibidem,
última estrofe)
A tragédia se completa com um
beijo que não é concluído, no último poema, À beira do abismo ( e do
infinito) “Um beijo infindo suspirou nos ares...”(4º verso, 1ª
estrofe), encerrando a saga de dois amantes cuja desgraça da escravidão se
abatera e não permitira que se consumasse.
CONCLUSÃO
Para sentir a sensação que o
poeta Castro Alves atribuiu ao semiárido, ao sertão, somente um poeta como ele,
catingueiro, ao mesmo tempo guerreiro, solidário, destemido. Qualidades que
emprestara aos seus personagens líricos, aos seus discursos contra a nódoa, a
mancha histórica brasileira, a escravidão.
Ler os versos de A Cachoeira de
Paulo Afonso exige cuidado, no sentido de que não devemos nos descuidar dos
detalhes simples, mas reveladores de uma imensa e inebriante paisagem.
Conhecer Lucas e Maria nos
permite entender o que é honra, coragem, romance, paixão, inclusive quando
estão distantes um do outro, quando ela está em perigo, como em Dialogo dos
echos, momento de extrema sublimação da ligação entre os dois amantes.
Sua leitura nos permite ir, de um
só fôlego, do início ao fim da leitura, com a sensação da necessidade do
retorno, para que, novamente, nos renovemos de paixão, força e coragem para
lutar por amores e por desejos.
UMA TENTATIVA DE COTEJAMENTO
ENTRE OS POEMAS A TARDE e CREPÚSCULO SERTANEJO: O INÍCIO O FIINAL DE UMA
EPOPÉIA NOS SERTÕES E NAS ´´AGUAS DO VELHO CHICO.
A TARDE
Era a hora em que a tarde se
debruça
Là da crista das serras mais
remotas...
E d'araponga o canto, que soluça,
Acorda os échos nas sombrias
grotas;
Quando sobre a lagoa, que
s'embuça,
Passa o bando selvagem das gaivotas..
E a onça sobre as lapas salta
urrando
Da cordilheira os visos abalando.
Era a hora em que os cardos
rumorejam,
Como um abrir de boccas
inspiradas,
E os angicos as comas espanejam
Pelos dedos das auras
perfumadas.. '
A hora em que as gardénias, que
se beijam,
Sâo timidas, medrosas desposadas
;
E a pedra... a flor... as
selvas... os condores
Gaguejam... fallam... cantam seus
amores!
Hora meiga da tarde ! Como es
bella
Quando surges do azul da zona
ardente!
— Tu es do céu a pallida donzella,
Que se banha nas thermas do
oriente...,
Quando é gotta do banho cada
estrella,
Que te rola da espadua
refulgente...
E — prendendo-te a trança a meia
lua —
Te enrôlas em neblinas semi-nûa !
. . .
Eu amo-te, mimosa do infinito!
Tu me lembras o tempo em que era
infante.
Inda adora-te o peito do precito
No meio do martyrio excruciante;
E se nâo te dâ mais da infancia o
grito
Que menino elevava-te arrogante,
E' que agora os martyrios foram
tantos,
Que mesmo para o riso sô tem prantos!.
Mas nâo me esqueço nunca dos
fraguedos
Onde infante selvagem me guiavas,
E os ninhos do soffrer que
entre os sylvedos
Da embaiba nos ramos me
apontavas;
Nem mais tarde, dos languidos
segredos
De amor do nénuphar que
enamoravas...
E as tranças mulheris da
granadilha ! . ..
E os abraços f ogosos da baunilha
! ..
E te amei tanto — cheia de
harmonias,
A murmurar os cantos da serrana,
A lustrar o broqufcl das
serranias, —
A dourar dos rendeiros a
cabana...
E te amei tanto — â flor das agoas
frias —
Da lagôa agitando a verde canna,
Que sonhava morrer entre os
palmarès,
Fitando o céu ao tom dos teus
cantares !...
Mas hoje, da procella aos
estridores,
Sublime, desgrenhada sobre o
monte,
Eu quizera fitar-te entre os
condores
Das nuvens arruivadas do
horizonte...
— Para entâo —, do relampago aos
livores,
Que descobrem do espaço a larga
fronte,
Contemplando o infinito... na
floresta,
Rolar ào som da f uneral
orchestra ! !
CREPUSCULO SERTANEJO
A tarde morria! Nas aguas
barrentas
As sombras das margens
deitavam-se longas ;
Na esguia atalaia das arvores
seccas
Ouvia-se um triste chorar de
arapongas.
A tarde morria ! Dos ramos, das
lascas,
Das pedras, do lichen, das
lieras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre
por terra
Sahiam, quaes negros, crueis
leopardos. #
A tarde morria ! Mais funda nas
aguas
Lavava-se a galha do escuro
engazeiro.
Ao fresco arrepio dos ven'tos
cortantes
Em musico estalo rangia o
coqueiro.
Sussurro profundo ! Marulho
gigante !
Talvez um silencio!.. Talvez uma
orchestra.
Da f olha, do calix, das asas, do
insecto..
Do atomo â estrella... do verme —
â floresta!.
As garças mettiam o bico vermelho
Por baixo das asas — da brisa ao
açoite ;
E a terra na vaga de azul do
infinito
Cobria a cabeça co'as pennas da
noite !
Sômente por vezes, dos jungles
das bordas
Dos golfos énormes d'aquella
paragem,
Erguia a cabeça surpreso,
inquieto,
Coberto de HmO'S — um touro
selvagem.
Entâo as marrecas, em torno
boiando,
O vôo encurvavam medrosas, â tôa.
.
E o timido bando pedindo outras
praias
Passava gritando por sobre a
canôa !.
PRIMEIRAS
A TARDE
Era a hora em que a tarde se
debruça
Là da crista das serras mais
remotas...
E d'araponga o canto, que soluça,
Acorda os échos nas sombrias
grotas;
Quando sobre a lagoa, que
s'embuça,
Passa o bando selvagem das
gaivotas..
E a onça sobre as lapas salta
urrando
Da cordilheira os visos abalando.
CREPÚSCULO SERTANEJO
A tarde morria! Nas aguas
barrentas
As sombras das margens
deitavam-se longas ;
Na esguia atalaia das arvores
seccas
Ouvia-se um triste chorar de
arapongas.
Em ambas asestrofes a ideia de
melancolia está presente, os personagens são os mesmos, inclusive a presença
das aves arapongas. Poderemos fazer, a título de comparação, o alinhamento de
cada par de versos para o primeiro poema (usaremos as iniciais AT, com um do
segundo, quando usaremos CP. De imediato veremos que o cair da tarde tem noção
de morte “se debruça”, AT e “morria”, CP. Em AT, “sombria”, em CP, “sombras”; o
terceiro par de versos quem chama a atenção produzindo som são as “gaivotas”,
enquanto no verso de CP, são as “arvores secas”. O fechamento deste primeiro
bloco dá-se com a visão turva, “os visos abalando” para com o “triste chorar de
arapongas.”
SEGUNDAS
A TARDE
Era a hora em que os cardos
rumorejam,
Como um abrir de boccas
inspiradas,
E os angicos as comas espanejam
Pelos dedos das auras
perfumadas.. '
A hora em que as gardénias, que
se beijam,
Sâo timidas, medrosas desposadas
;
E a pedra... a flor... as
selvas... os condores
Gaguejam... fallam... cantam seus
amores!
CREPÚSCULO SERTANEJO
A tarde morria ! Dos ramos, das
lascas,
Das pedras, do lichen, das
lieras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre
por terra
Sahiam, quaes negros, crueis
leopardos. #
Neste momento a personificação
ganha espaço nos dois poemas, sendo que em AT são os representantes da fauna e
da flora que assumem o papel de protagonistas, enquanto que em CS, são os
elementos da natureza.
TERCEIRAS
A TARDE
Hora meiga da tarde ! Como es
bella
Quando surges do azul da zona
ardente!
— Tu es do céu a pallida
donzella,
Que se banha nas thermas do
oriente...,
Quando é gotta do banho cada
estrella,
Que te rola da espadua
refulgente...
E — prendendo-te a trança a meia
lua —
Te enrôlas em neblinas semi-nûa !
. . .
CREPÚSCULO SERTANEJO
A tarde morria ! Mais funda nas
aguas
Lavava-se a galha do escuro
engazeiro.
Ao fresco arrepio dos ven'tos
cortantes
Em musico estalo rangia o
coqueiro.
Esta parelha faz referência
direta á água que banha a tarde: aos banhos, parte da paisagem, que tanto se
dirigem a alguém como o próprio banhar-se da tarde que morria, a pálida
donzela.
QUARTAS
A TARDE
Eu amo-te, mimosa do infinito!
Tu me lembras o tempo em que era
infante.
Inda adora-te o peito do precito
No meio do martyrio excruciante;
E se nâo te dâ mais da infancia o
grito
Que menino elevava-te arrogante,
E' que agora os martyrios foram
tantos,
Que mesmo para o riso sô tem
prantos!.
CREPÚSCULO SERTANEJO
Sussurro profundo ! Marulho
gigante !
Talvez um silencio!.. Talvez uma
orchestra.
Da folha, do calix, das asas, do
insecto..
Do atomo â estrella... do verme —
â floresta!.
A tristeza agora se abate sobre o
eu-lírico, mesmo com a boa lembrança da infância, mas o momento não o deixo
esquecer a dor que se instala naquele quadro que se apresentava: o peito do
precito, AT, Sussurro profundo ! Marulho gigante !CS.
QUINTAS
A TARDE
Mas nâo me esqueço nunca dos
fraguedos
Onde infante selvagem me guiavas,
E os ninhos do soffrer que
entre os sylvedos
Da embaiba nos ramos me
apontavas;
Nem mais tarde, dos languidos
segredos
De amor do nénuphar que
enamoravas...
E as tranças mulheris da
granadilha ! . ..
E os abraços fogosos da baunilha
! ..
CREPÚSCULO SERTANEJO
As garças mettiam o bico vermelho
Por baixo das asas — da brisa ao
açoite ;
E a terra na vaga de azul do
infinito
Cobria a cabeça co'as pennas da
noite !
Mesmo tratando de animal em CS, a
sensação que existe é aquela que sugere o carinho em AT, quando o menino (infante,
no poema) sentia ao passear pelos campos.
SEXTAS
A TARDE
E te amei tanto — cheia de
harmonias,
A murmurar os cantos da serrana,
A lustrar o broquel das
serranias, —
A dourar dos rendeiros a
cabana...
E te amei tanto — â flor das
agoas frias —
Da lagôa agitando a verde canna,
Que sonhava morrer entre os
palmarès,
Fitando o céu ao tom dos teus
cantares !...
CREPÚSCULO SERTANEJO
Sômente por vezes, dos jungles
das bordas
Dos golfos énormes d'aquella
paragem,
Erguia a cabeça surpreso,
inquieto,
Coberto de limos — um touro
selvagem.
SÉTIMAS
A TARDE
Mas hoje, da procella aos
estridores,
Sublime, desgrenhada sobre o
monte,
Eu quizera fitar-te entre os
condores
Das nuvens arruivadas do
horizonte...
— Para entâo —, do relampago aos
livores,
Que descobrem do espaço a larga
fronte,
Contemplando o infinito... na
floresta,
Rolar ào som da funeral orchestra
! !
CREPÚSCULO SERTANEJO
Entâo as marrecas, em torno
boiando,
O vôo encurvavam medrosas, â tôa.
.
E o timido bando pedindo outras
praias
Passava gritando por sobre a
canôa !.
Coincidentemente ambos os poemas
possuem 07(sete) estrofes, cada um. O encerramento deles lembram imediatamente
a situação de Lucas e Maria, os quais estão se aproximando do precipício da cachoeira.
Em AT, “Rolar ào som da funeral orchestra ! ! !” e em CS, temos, “E o
timido bando pedindo outras praias/Passava gritando por sobre a canôa !.”, como
se aves estivessem sentindo a desgraça por vir, confirmando, mais uma vez, a
relação direta do casal com a paisagem, isto é, eles dois também eram parte da
natureza daquele lugar, daí a reação exposta pelas aves.
NOTAS
1. Nossa fonte de uso para este
trabalho foi uma cópia em pdf, com grafia da época da publicação disponível no
sitio eletrônico da Academia de Letras da Bahia, Acessado em 19 de junho de
2013, às 15:30h.
2. Os versos estão assim
dispostos, como as ondas que vão e vem.
1. Com a criação da Usina
hidrelétrica do São Francisco, a CHESF, esse espetáculo agora somente pode ser
visto com a abertura das comportas da usina, o que acontece quando há chuva em
abundância na cabeceira do rio.
REFERÊNCIAS
ALVES, Castro. A Cachoeira de
Paulo Afonso, in Obras completas de Castro Alves, versão em pdf, disponível
no sítio eletrônico da academia de Letras da Bahia, acessado em 19.06.2013, às
15:30h.
AMADO, J. ABC de Castro Alves.S
ão Paulo:Companhia das letras. 2010.
AMORA, A. S.A Literatura
brasileira. O Romantismo, vol. II. Ed. Cultrix : São Paulo.1967
BARBOSA, R. Elogio de Castro
Alves. versão em pdf, palestra disponívelhttp://www.casaruibarbosa.gov.br,
acessado em 21.06.2013, às 12:33h.
BOAVENTURA, E. Estudos sobre
Castro Alves.Salvador:EDUFBA/EGBA. 1996.
CALMON, P. Castro Alves : o homem
e a obra. Rio de Janeiro:José Olympio;Brasília:INL. 1973.
COUTINHO, A. A Literatura no
Brasil.Era romântica. 6 ed. Ver. e atual. São Paulo:global.2002
CUNHA, E. Castro Alves e seu
tempo, palestra disponível em http://www.euclidesdacunha.org.br, acessado em
21.06.2013, às 12:43h.Rio de Janeiro:Topbooks.1996
MARQUES, Xavier. Vida de Castro
Alves. 3 ed. Rio de Janeiro:Topbooks; Salvador:UCSAL/ALB. 1997
MERQUIOR, J. G. De Anchieta a
Euclides, breve história da literatura brasileira.3ed.ver demais detalhes da
referência
PARANHOS, M. DA C. Castro Alves e
a busca da poesia. Discurso proferido na Academia de Letras da Bahia.
08.07.1977.