"Cuba se abre ao mundo como
sempre deveria ter sido", afirma Jésus “Aguaje” Ramos, o maestro da Orquestra
Buena Vista Social Club, que inicia turnê pelo Brasil
A nova formação do grupo faz shows de despedida (foto:divulgação) |
Desde quinta-feira (14/5), partiu de Porto Alegre
um ônibus que irá percorrer milhares de quilômetros pelo país. Dentro dele,
está acomodada parte expressiva da excelência da música cubana, alguns dos
músicos mais festejados da ilha, em romaria com sua última aventura pelo mundo
(na qual passam agora por quatro cidades brasileiras). São as estrelas da
Orquestra Buena Vista Social Club, rodando o mundo como a excursão Adiós Tour.
Ao longo dessas duas décadas, a
orquestra perdeu seis de seus expoentes: Compay Segundo (1907-2003), Ibrahim
Ferrer (1927-2005), Rubén González (1919-2003), Manuel “Puntilita” Licea
(1921-2000), Orlando “Cachaito” López (1933-2009), Pío Levya (1917-2006).
Eles chegam ao fim da estrada
com os outros fora de série do esquadrão: a cantora Omara Portuondo (85 anos),
o violonista Eliades Ochoa (69 anos), o trompetista Manuel “Guajiro” Mirabal
(82 anos), o alaudista Barbarito Torres (59 anos) e o trombonista, maestro,
arranjador e mestre de cerimônias da trupe, Jésus “Aguaje” Ramos (64 anos). E
há entre eles “novatos” extraordinários, como o pianista Rolando Luna e o
baixista Pedro Pablo.
Há quase 20 anos, em 1996, eles
saíram do isolamento cultural que a situação política de Cuba e do mundo lhes
impôs durante meio século, e se tornaram ídolos planetários como personagens de
si mesmos no premiado documentário “Buena Vista Social Club”, de Wim Wenders.
Começaram então a percorrer o mundo. No próximo ano, quando a Adiós Tour chegar
por último à terra natal dos músicos, Cuba, eles encerram o ciclo – e tudo será
concluído também com um novo filme, que está sendo rodado pela cineasta Lucy
Walker.
Ontem pela manhã, de um quarto
do hotel Radisson, em Porto Alegre, o gigante Jésus “Aguaje” Ramos (mestre de
cerimônias da trupe desde o início) falou por telefone ao blog El Pájaro que
Come Piedra sobre a última turnê:
JB: Esse é mesmo o derradeiro
adeus?
Jésus “Aguaje” Ramos: Fizemos
uma quantidade muito grande de turnês, ficamos muitos anos na estrada. Achamos
que estava na hora de parar.
JB: Quantos shows vocês fizeram
nesses 20 anos?
JAR: Incontáveis. Teve um
momento em que fazíamos mais de 100 shows por ano. O maior público que tivemos
foi justamente no início, no Carnegie Hall, e no Royal Albert Hall de Londres.
Aquele foi um público muito interessante, porque tudo era novidade para ele.
Fizemos shows em todos os 5 continentes, alguns memoráveis, como o concerto em
Jerusalém. Foi muito bonito, aquele lugar sagrado, as pessoas cantando todos os
clássicos.
JB: E agora Cuba está vivendo um
novo momento, está sendo cortejada pelo presidente americano, Obama, pelo
presidente francês, Hollande, e até pelo papa.
JAR: Cuba se abre ao mundo como
sempre deveria ter sido. Isso já deveria ter acontecido há muito tempo. Sempre
que se abre uma porta, se abrem também as possibilidades, e há agora chance
para todos, para os jovens e os mais velhos.
JB: Vocês tiveram dificuldades
para entrar nos Estados Unidos no início. Como foi nos últimos anos?
JAR: Fomos mais aos Estados
Unidos do que a muitas províncias de Cuba. Nossa abertura pela via das Nações
Unidas nos propiciou muitas apresentações, sempre com uma recepção muito boa,
muito calorosa. Não tenho familiares nos Estados Unidos, mas tenho grandes
amigos em todo lugar, em Miami, em Los Angeles, em Nova York. Hoje são como
irmãos, trabalhamos juntos durante muitos anos.
JB: De todas as formações do
Buena Vista, certamente a melhor de todas foi a primeira, não?
JAR: A primeira foi a mais sábia
de todas. Tivemos Rubén González, tivemos Cachaíto, Compay. Todos dominavam a
música, dominavam todos os ritmos, foram os que abriram caminhos. Por isso, é a
mais importante.
JB: E no Brasil, como foi a
acolhida?
JAR: O Brasil foi especial,
porque é um lugar no qual a música é muito forte e muito influente em tudo que
se faz no mundo. E o público aqui, que tinha a bossa nova, nos recebeu igual,
com a mesma atenção e reverência, mesmo sendo uma potência da música. O Brasil
nos deu muito. Dessa vez, vamos percorrer o País de ônibus, para conhecer as
praias e falar com as pessoas. Omara está encantada e feliz com tudo. Somos
como uma grande família.
JB: E agora está sendo filmado
um novo documentário sobre o Buena Vista. Como vai ser?
JAR: Ainda vai começar a ser
rodado. Para a gente, é o fechamento, é algo que vai ficar como uma recordação
de nossa aventura.
JB: Houve muitos momentos
emocionantes na vida artística do Buena Vista. Eu me lembro de você retirando o
Rubén González da cadeira de rodas e levando nos braços até o piano.
JAR: (Risos) Sim, eu sempre o
levava até o piano. Ele já não podia andar. Foram muitos anos com Rubén, ele
foi um dos maiores músicos que Cuba já teve. Era curioso, porque parecia que
ele não chegaria até o piano nunca, mas quando sentava no banquinho não queria
parar nunca mais. Hahahahahahahahaha.
JB: Você é trombonista, Aguaje.
Quem foi sua maior influência?
JAR: Tive o prazer de trabalhar
e tocar com aquele que me influenciou: Generoso Jiménez, o maior de todos,
arranjador de Benny Moré.
Reproduzida do portal da revista
Carta Capital.