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segunda-feira, 2 de julho de 2012

Artigo acadêmico do professor Marcos José


ESTUDO SOBRE OUTRAS INTERVENÇÕES/REFLEXÕES EM OS SERTÕES E O PENSAMENTO EUCLIDIANO PARA SUA GRANDE OBRA
Marcos José de Souza¹.
Prof. Rede estadual de ensino da Bahia
 RESUMO – O presente artigo faz um estudo comparativo de contribuições de análise à obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, no tocante à percepção adjetiva da obra. Partindo de uma busca em sitio especializado na internet, o trabalho vislumbrou que o autor e sua obra continuam desafiadores e alimentadores de novas interpretações, bem como na consolidação de visões anteriores que identificaram contradições, equívocos, os quais, entretanto, mesmo na visão desses críticos mais ácidos, não desqualificaram o monumento que é a obra.

PALAVRAS-CHAVE – Os Sertões. Canudos. Euclides da Cunha. Análise. Texto.

INTRODUÇÃO
Esse trabalho é fruto de duas realizações: a 1ª advém de um continum que se iniciou em 2000 e veio até o ano de 2011, no exercício docente da matéria Língua Portuguesa, Ensino Médio, das redes Municipal e Estadual do município de Fátima-Bahia. Durante esse período o livro Os Sertões esteve presente no programa de disciplina e, a partir da leitura dele, fazíamos viagens a Canudos e Monte Santo, organizávamos seminários com falas de visitantes e dos estudantes; exibimos os filmes, além dos tradicionais instrumentos de avaliação; provas produção de texto, confecção de cartazes, dentre outros.
A 2ª realização é a produção de um curso sobre o livro Os Sertões, destinado ao público em geral, interessado na obra o livro vingador. Com carga horária de 80 horas para a leitura de Os Sertões, exibição de filmes temáticos, palestras, viagens e preparação e realização de seminários com produção de texto para disponibilização em meios eletrônicos e digitais ainda não produzidos.
Através do sítio de textos acadêmicos, o scielo, utilizando das palavras para pesquisar: Os Sertões, Antonio Conselheiro, Canudos e Euclides da Cunha, chegamos ao total de 22 textos. O uso da internet deveu-se à localização geográfica e à disponibilidade de acervo do autor ademais, foi uma maneira de buscar, dar “visibilidade” ao qual a temática que esteja disponível na rede municipal de computadores.
A leitura e análise dos textos foi aleatória e vê-se na bibliografia o predomínio de textos do Instituto Maguinhos, posto que ali realizou-se  um evento comemorativo ao centenário de publicação de Os Sertões.
 A produção desse trabalho visa ampliar o debate dessa polêmica obra e sintetizar algumas discussões realizadas acerca das multifaces deste livro vingador.

DESENVOLVIMENTO
Antes de adentrar ao objeto de análise cabe-nos a visita a uma observação feita alhures pelo prof. Antonio Cândido, acerca da relação público/obra, situação pertinente a toda grande obra, e em relação a Os Sertões, amor e ódio, aceitação e não-aceitação, convivem até os dias de hoje.
O público dá sentido e realidade à obra, e sem êle o autor não se realiza, pois êle é de certo modo o espelho que reflete a sua imagem enquanto criador. Os artistas incompreendidos, ou desconhecidos em seu tempo passam realmente a viver quando a posteridade define afinal o seu valor. Dêste modo, o público é fator de ligação entre o autor e a sua própria obra. (CÂNDIDO, 1967. p. 43-44).
Desse modo podemos perceber nitidamente, nas palavras do prof. Cândido, o espelho do que foi o livro monumento, o autor, sua vida pessoal e a relação com o seu público.
Seguindo ainda o raciocínio do prof. Cândido, este em Literatura e sociedade, enfatiza a grandeza de uma obra, atribuindo-a uma função social e atemporalidade – mesmo tratando um tema localizado historicamente – tendo em vista que esta influencia em seu momento histórico, mas quebra a barreira do tempo, tornando-se, portanto, atemporal à medida que causa um impacto na sociedade. Um clássico como podemos também considerar.
Nesta obra fundamental para entendermos uma obra literária, o prof. Cândido também faz menção direta a Os Sertões, já observando suas falhas, suas contradições, mas também a grandiosidade da obra. No primeiro momento o professor aponta o caráter introdutório da temática sertaneja na literatura brasileira; em um segundo instante, o defeito da obra é ressaltado, “...exemplo típico da fusão, bem brasileira, da ciência mal digerida, ênfase oratória e intuições fulgurantes.”(CÂNDIDO, 1967,p. 156), mas no terceiro momento destaca-se o caráter inovador quanto “...com os indícios vivos de superação da tirania-jurídico-retórica”.(Ibidem)
A seguir temos o nosso diálogo com diversos interlocutores, que de longa data, vem conversando com OS SERTÕES. Veremos que, tanto o original quanto suas leituras proporcionam uma plêiade de perspectivas, sobre os possíveis defeitos, quanto sobre os brilhantismos onde obra e público/crítica também geram adversidades e similaridades:
I. O prof. José Carlos Barreto aborda um dos vários aspectos da obra Os Sertões, o uso da metáfora, com qual Euclides da Cunha consegue ampliar o universo de adjetivos a sua obra atribuídos. Destacou, o nosso interlocutor, 03 (três) momentos, os quais se relacionam as partes formadoras do livro vingador, a leitura, o homem a luta, mas nem por isso deixou de reforçar a relação universal que essas mesmas partes possuem, o que foi proposta Euclides.
O encadeamento das partes integrantes de Os sertões faz com que A terra possa ser lida como uma espécie de índice narrativo dos capítulos seguintes. Walnice Galvão (1994, p. 626) lembra que os capítulos da luta, ‘deflagram retroativamente as duas partes iniciais, onde se encontram sistemas de metáforas que prefiguram aquilo que vai ser episódio de crônica da guerra’. Vem da geologia algumas das mais expressivas representações metafóricas do livro. (BARRETO,J. C. 1998, p. 13)
Ao destacar as metáforas, o prof. José Carlos Barreto elenca 3 (três) exemplos, a anticlinal, as placas tectônicas e a rocha viva.
A primeira metáfora, a anticlinal, atribuída ao Conselheiro, tendo em vista que o fenômeno é “uma dobra com a convexidade voltada para cima e os flancos para baixo, é um resultado de forças tectônicas compressivas sobre as rochas”. (BARRETO, 1998, p.12)
O Autor reforça sua tese ao afirmar que Antônio Conselheiro é produto “das forças internas à sociedade sertaneja” (Ibidem) e que em função de seu empenho e desenvolvimento no que se pretendeu fazer, ganhou notoriedade e respeito nos caminhos e lugares por onde andou.
A segunda metáfora relaciona-se a própria Canudos, chamada de as placas tectônicas, “um afloramento do passado” (Idem, p.13). O autor apóia-se em outro texto de Euclides da Cunha para reafirmar essa figura de linguagem, fruto de um discurso proferido, para estudantes no Rio de Janeiro. Segundo o prof. Barreto,
o escrito faz a opção de se utilizar de processos tectônicos causadores de deformações que afetam  os níveis profundos da crosta terrestre, e que envolvem a propagação de  forças internas através do substrato rochoso sobre os quais elas se levantam. O interior do país assume assim as feições de interior da própria sociedade (Ibidem) [grifo nosso]
Sendo assim o Belo Monte- conhecida como arraial de Canudos, seria o resultado do movimento interno das forças que emanavam  dos atores/sujeitos sociais do Brasil no final do  século XIX.
Por fim a terceira metáfora, a rocha viva, o próprio sertanejo, fruto do amalgama, dos diversos compostos geológicos e vulnerável à evolução desses mesmos componentes. A despeito dos reveses o sertanejo surgiu, enfrentou e sobreviveu aos mais diferentes fluxos e refluxos naturais. A mestiçagem vista por Euclides como processo étnico brasileiro “gerou” o sertanejo, tal qual uma rocha que surge e resiste integro.
À  guisa de síntese vê-se que o prof. Barreto apresenta-nos “ uma montanha antiga” (p. 12), a anticlinal, o Conselheiro, que produz um abalo sísmico, o arraial do Belo Monte, a Canudos, a qual por sua vez, apresenta-nos, dando voz  e vez, à rocha que resiste às intempéries do meio, o sertanejo.
II. O elemento analisado pela profa. Gláucia Villas Bôas é o da construção da nação a partir das noções de passado e de presente, basilares para a compreensão de mundo moderno na visão de Euclides da Cunha. Portanto é um olhar de perspectiva, sendo esta compreendida como o entendimento de alguém sobre um fenômeno, na tentativa de enxergar/captar a visão do outro.
            Essa tentativa de Euclides tornou-se um dilema, pois para a nossa interlocutora, aquele defendia uma idéia - a da construção da nação -, entretanto os elementos postos não lhe asseguram tal feito, “o sertanejo fixado à terra, condição e símbolo de sua vida, se opõe flagrantemente à figura do homem moderno, cujo traço marcante é justamente a mobilidade espacial e simbólica”.
Essa postura de Euclides, segundo nossa interlocutora, fazia coro com grande parte da intelectualidade brasileira do final do século XIX e início do século XX.
Na hipótese de se atribuir ao Estado como parece ter sido a proposta de grande parte da intelectualidade a dupla tarefa de assegurar a cidadania e a construção de sociedade moderna, que mito de origem deveria ser narrado?Como lidar com o passado e construir uma história original que servisse a todos os brasileiros, reunindo-os como grupo e separando-os como indivíduos? (VILLAS BÔAS, 1998, p. 7)
Villas Bôas conclui seu raciocínio identificando que a noção de tempo – cronológico, está intimamente relacionado com o de civilização, “o tempo recuado é o tempo dos sertões” (Ibidem, p. 8). O livro vingador, portanto, aponta para duas respostas (?): a primeira, a memória – “vai buscar elementos para construir a ideia de uma cultura nacional. O engenheiro, militar e escritor está a favor da civilização moderna ainda que lamente seus crimes”. (Ibidem, p. 12) [grifo nosso]; a segunda, ruptura com o passado,
trata-se de uma história dos vencidos. E. da C. liberta-se assim do tempo passado, sem ter mesmo a menor intenção de mostrar sua continuidade, através da reatualização de um ethos a correr nas veias de todos os brasileiros, malgrado mudanças e descontinuidades. (Ibidem, p. 13) [grifo nosso] 
III. Enquanto Regina Abreu destaca o impacto promovido pelas leituras inicias de OS SERTÕES – com pequena tiragem e esgotada em pouco tempo, Venancio Filho discute o fator guerra na obra e os elementos histórico-sociais nela inscritos. Abreu coletou os comentários dos principais críticos à época: José Veríssimo, a quem teceu elogios com surpresa à novidade na literatura brasileira; Araripe Junior, que organizou um texto mais denso e, segundo nossa interlocutora, foi utilizado por Euclides, tendo em vista que este ficou ressabiado com tamanho impacto e positividade dos comentários feitos à sua produção; o terceiro crítico foi Silvio Romero, cuja “defesa” do autor de Os Sertões Foi no discurso de posse de Euclides na Academia Brasileira de Letras.
Os três críticos mais importantes do período evocaram o argumento da ciência como atributo para a consagração de Os Sertões. Além disso, julgaram a obra pelo critério do nacional. Mas, enquanto para Romero a noção de raça era determinante enquanto fator de diferenciação nacional, para Araripe era noção de meio físico o fator primordial. De qualquer modo, ambos enfatizaram a concepção (romântica) de que a natureza desempenhava papel principal na formação das sociedades e na determinação dos homens. (ABREU, 1998, p. 18)
            IV. Na tentativa de explicar o impacto da guerra em diversos aspectos, desde o de operacionalização (de logística, como diriam os estrategistas contemporâneos), quanto o de valor cultural – entendido o substantivo do ponto de vista composicional, formativo, Venancio Filho desenvolve seu texto a partir do impacto que é um conflito, estendendo para a razão de ser a Guerra de Canudos, cujas noções de barbárie e civilização, às quais estavam sujeitas, tanto aterrorizavam os brasileiros.
            O livro, para o nosso interlocutor, foi a síntese de todos os fenômenos sociais daquele tempo, desde o terror espalhado pelas falsas notícias a respeito do Conselheiro e seu ideário, quanto pelas informações das derrotas oficiais, passando pela explicação dos sujeitos – jagunços, cangaceiros e vaqueiros – e do local do conflito – ausência de chuva, aridez do solo, flora ressaca e “agressiva”.
            Segundo Venancio Filho
Euclides deu a Canudos uma espessura, uma dinâmica e uma dimensão que, nas artes, empalidecem as representações da Independência, da guerra do Paraguai, da Abolição, da República, fatos em si muito mais relevantes, mas enquadrados, em sua época, em molduras convencionais, comemorativas, oficiais, às quais faltava uma dimensão profunda e substancial. (VENANCIO FILHO, 1998, p. 03)
Como vimos, baseado em diversos estudos, inclusive estrangeiros, a Guerra de Canudos teve no livro vingador, seu maior defensor, iluminador, divulgador e perpetuador.
V. O ineditismo do trabalho do prof. Ventura assenta-se na ideia do constructo ‘deserto’, elaborado por Euclides da Cunha, tanto em Os Sertões, quanto em Contrastes e confrontos e À Margem da história
Euclides concebeu os sertões nordestinos e amazônicos como espaços vazios, fora da escrita e da civilização, e recorreu ao livro como mediador na observação da paisagem. Partindo da cultura escrita, o viajante se voltava para a paisagem, de modo a reinterpretá-la por meio da notação literária e científica. (VENTURA, 1997, p. 11)     
Advém desta citação uma outra sinalização do prof. Ventura: para Euclides a importância da escrita, materializada em forma de livro, deu visibilidade e posterior domínio dos sertões, tanto aquele do semiárido, quanto aquele da floresta amazônica.            Outra importante contribuição que vimos no trabalho do prof. Ventura² é a noção de viajante em movimento, sendo este aquele que descreve e narra, “que dá expressão artística ou científica à paisagem”. (Ibidem, p. 15). Um dos grandes feitos de Os Sertões é exatamente esse, o de ir além do que se vê, transformar a aridez do rochedo, a agressividade dos mandacarus, xiquexiques e cabeças-de-frades, o calor sufocante, a baixa umidade do ar, o cinza da caatinga, em páginas inebriantes, modo tão caro aos poetas e narradores de primeira linha. Uma verdadeira viagem é ver, isso mesmo, enxergar e sentir a sequência narrativa em PROCISSÃO DOS JIRAUS, final da batalha, segunda expedição, onde o gerúndio ali empregado nos enleva e faz arrepiar o quadro não menos dantesco da tragédia sertaneja.
            Provocando-nos mais uma vez, questiono: Mas, cá entre nós, Os Sertões é uma epopeia? Está aí ainda o grande mito que ela representa, pois passados mais de um século enxergamos vários tipos nesse texto-momento (ou momento-texto?)
V. Ao explorar os temas sertão e fronteira, Lucia Lippi parte da “exposição” euclidiana indo além do posicionamento do autor de o livro vingador. Para a autora, o leitor brasileiro sente-se um estrangeiro, em sua própria nação, ao ler esta obra. Essa situação deve-se ao fato de que o Brasil era, apenas, o litoral e alguns pontos das Minas Gerais, daí o total desconhecimento do restante do Brasil, por ironia, a sua maior parte.

     VI. Um estrangeiro dentre os autores desta coletânea, entretanto essa sua condição não o desqualifica como bom conhecedor do nosso livro vingador. Dono de um horizonte amplo sobre a literatura brasileira, em particular sobre OS SERTÕES, Zilly nos presenteia cara e bem conhecida que é a da guerra em si, como fenômeno e sua relação intrínseca com a condição pictórica e teatral.

            Antes de mergulhar no que se propôs – cujo título é bastante objetivo – Zilly afirma que “(a) incorporação de Os Sertões aos cânones da literatura nacional e universal se deve relativamente pouco a seu valor documental ou historiográfico.”
(ZILLY, 1998, p. 03).
Além da qualificação dada, o autor nos informa em nota que OS SERTÕES figura entre os principais livros na Alemanha, terra natal e domiciliar de Zilly.
            Dentre os detalhes observados e analisados por Zilly relacionando a guerra à uma peça teatral e uma imensa tela, o também evoca a linguagem utilizada por Euclides – algo também já visto por outros analistas/estudiosos da obra.
O caráter intensamente retórico de Os sertões, sua oralidade erudita, sofisticada, altissonante talvez não seja exatamente um traço barroco. A retórica é uma técnica verbal, de caráter pragmático e poético, proveniente da Antiguidade, mas foi no barroco (sic) que recebeu configuração especial, requinte e grandiosidade.( ZILLY, 1998, p. 6)
Outro destaque é o que se relaciona ao tipo de texto que é Os Sertões (relevância também já vista aqui nesse trabalho), tendo em vista apresentar característica de relato científico – em função dos seus estudos em geografia, geologia, botânica e o próprio exercício da engenharia; texto poético face ao uso de inúmeras metáforas e o de figuras de estilo, onde predominam as antíteses, os paradoxos (até mesmo, oxímoros) e as hipérboles. Outras atribuições ao texto por demais conhecidas nos permitem não mais elencá-las aqui.
Toda exposição de motivos é, para Zilly, sintetizada na ideia de que Os Sertões é uma grande tela e um imenso drama cujos atos são assim distribuídos:
                                  “A Terra, o homem, a luta - I ato
                                   Travessia do cambaio – II ato
                                   Expedição Moreira César – III ato
                                   Quarta expedição – IV ato
                                   Nova fase da luta, últimos dias – V
                                                        ato”(id., ib. , p.9) 

       A riqueza de justificativas dadas por Zilly é por demais pedagógica, ao apresentar o uso do pretérito imperfeito, exatamente para que a plasticidade e emoção sejam presentes na narrativa garantindo, portanto, a presença do leitor na trama.
Vale destacar ainda a escolha de uma cena para completar a análise de Zilly acerca do lócus onde se deu a trama.
Esta cena é um resumo da guerra toda. Encurralados, bombardeados pela artilharia ao sul e a leste e combatidos pela infantaria, que investe do lado norte, os sertanejos, derrotados quase, morrendo, lutam como leões contra o agressor que tem o país todo, se não o mundo todo como aliados. (ZILLY, 1998, p. 15)
A cena a qual se refere o nosso interlocutor é aquela em que as tropas, de todos os lados irrompia contra o arraial, era o prenúncio do fim do Belo Monte, cujo ápice será a cena em que os quatro últimos sobreviventes reagem contra a artilharia, sem se entregarem ao vencedor.
VII.  Dando prosseguimento às faces do livro vingador o prof, Roberto Ventura, destaca a relação daquele texto com as ideias de um ícone da cultura brasileira, Roquette Pinto, no que tange ao período do comunicador como estudioso da gênese do povo brasileiro. Diga-se de passagem que o prof. Ventura vai fazer uso do que refletiu Roquette-Pinto acerca da gênese do sertanejo e do seringueiro – este, objeto de reflexão de Roquette.
Em diversos momentos do trabalho de ambos,Ventura coleciona convergências e divergências, sendo as primeiras, mais frequente. Para Ventura as discordâncias quando aparecem, vão na linha do que muitos comentadores da obra euclidiana, contemporâneos ou não, apontam em Os Sertões, os enganos científicos, a ausência de testemunhas e a incipiente formação antropológica de Euclides.
Outro embate gira em torno da crença de Euclides na superioridade de determinada raça e no caráter negativo da mestiçagem, entretanto e apesar disso, Roquette-Pinto defende Os Sertões, considerando-o “...um livro de ciência e fé [onde se lê} pela primeira vez, com programa assente claro, estudos das populações brasileiras do Brasil (sic)apud Ventura, p. 15).
VIII. Fazendo uso da filosofia – Ontologia discursiva, Leopoldo Bernucci nos oferece um quadro interpretativo de Os Sertões com os seguintes aspectos: A duplicidade no modo discursivo, quais sejam, o científico e o literário. Para tais modos, apesar desta classificação, o autor aponta os possíveis equívocos de Euclides que passam principalmente pela relação com as fontes utilizadas, mas não citadas, pelo uso de informações não confirmadas, mesmo à época – como o famoso caso em que o conselheiro se traveste de soldado para espionar a sua esposa no suposto adultério. Entretanto, assim se expressa Bernucci, mesmo tendo observado tais equívocos:
Para quem era sensível às potencialidades da língua, aos recursos retóricos do discurso ficcional e às qualidades artísticas de um texto, não deveria ser difícil perceber que Os Sertões não poderia acomodar um só discurso, mas vários.(...)Errará também aquele que, adotando critérios estilísticos e textuais, unicamente, queira aplicá-lo a demarcações genéricas ou convencionais. (BERNUCCI, 1998, p. 12)
Outro importante momento da análise de Bernucci é aquele em que identifica os modos de interpretação do livro vingador, a saber:
1. Argumentativo. Esteticamente, é a maneira como Euclides da Cunha trabalha o argumento da história de Canudos de modo que seja percebida como tragédia.
2. Explicativo.(...) Aqui entram as leis científicas e pensamentos filosóficos de seu tempo, fortemente caracterizado pelas análises de causa e efeito dos fatos históricos, o que ñ deixar  de revelar um cacoete mecanicista em seu trabalho.
3.Ideológico.(...) A visível inclinação republicana de Euclides e sua intolerância com respeito aos fanatismos, fazem-no dirigir ataques tanto aos monarquistas quanto aos jacobinos. (Ibidem, p.14) [grifo nosso]

Vê-se nesse segundo ponto de análise que Bernucci confirma muito dos adjetivos atribuídos tanto ao autor, quanto ao livro, posto que
ainda hoje parece ser consenso da melhor crítica reconhecer em Euclides não um escritor com veia de ficcionista, mas apenas um escrito investido no seu papel de cientista e historiador.” (Ibidem, p.9)

IX. A partir de comparativos entre o que escreveu Euclides em Os Sertões e os textos de Antonio Conselheiro, Roberto Ventura, mais uma vez aqui nesse texto, confirma o caráter, a face preconceituosa daquele em relação ao líder dos canudenses.
Em alguns momentos do livros vingador vê-se a atribuição de Euclides ao Conselheiro como um bronco, ignorante, entretanto os escritos do religioso como, Apontamentos dos preceitos da lei divina, reforçam a tese de que o líder tinha plena consciência de sua luta, qual seja a religiosidade com base no Catolicismo popular, com destaque para a defesa do casamento religioso, fato não visto como principal fundamento pela elite brasileira – política, militar, intelectual, econômica e religiosa.
X. Nosso “passeio pelas viagens” em Os sertões se encerra com um estudo que visa, sobretudo, o que está para além do livro vingador, entretanto é devedora também ao mesmo tempo – a brasilidade. Segundo Ricardo de Oliveira o trabalho de Euclides não visava somente dar visibilidade a uma das faces do Brasil, mas o próprio autor e sua obra transformaram-se em sinônimos de construção desta nacionalidade.
            Vale destacar também que Oliveira traz a discussão, o caráter múltiplo de Os Sertões, onde
No substrato da narrativa persiste, porém, a contradição estrutural do livro que é a de, ao mesmo tempo em que adjetiva o sertanejo como cerne da nacionalidade, o cientista, preso aos grilhões de seu credo, em vários momentos, não consegue escapar dos preconceitos. (BERNUCCI, 1998, p. 526)

À guisa de conclusão

Fazer um levantamento de obras que analisaram OS SERTÕES não é tarefa nada fácil, principalmente para um apaixonado por ela, pelo autor e pela temática que a cercou, inclusive o caráter jornalístico que a motivou.
No universo escolar – origem desse trabalho - essa obra ainda é vista como hermética, complexa e distante do universo intelectual dos educandos (até mesmo nos cursos de Letras ele não é lido). Na contra-mão dessa viagem vamos completando 10 (dez) anos de leituras e viagens (essas no sentido do deslocamento corporal, quando vamos até Monte Santo e Canudos, visitar os palcos do conflito).
Mas ler e reler o que se diz sobre Os Sertões, tem se revelado ao longo destes anos como algo prazeroso dentro deste universo de trabalho. As contradições, equívocos, acertos e monumentos que a obra apresenta são revelados pelas leituras realizadas para fins de construção do presente trabalho, o que consolida ainda mais a qualidade positiva da obra.
O comportamento de Euclides da Cunha diante dos fatos e das informações recebidas sobre o conflito no semiárido baiano, aliado à sua decepção dos descaminhos e desmandos da incipiente República brasiliana, levam-nos a concordar com Lukacs ao se referir à originalidade de um autor, ao ineditismo de um trabalho ao afirmar que “Quanto mais profundo e historicamente autêntico for o conhecimento de um escritor sobre uma época, mais ele terá liberdade de movimento no conteúdo e menos se sentirá aos fatos históricos singulares”. (LUKACS, 2011, p. 207)
Euclides da Cunha passou por vários momentos de entendimento do conflito, a saber: o antes – ainda na capital federal, recebendo as notícias como tantos outros brasileiros; o durante - as pesquisas bibliográficas, as orientações de Teodoro Sampaio, o contato com os canudenses já em Salvador; a permanência no conflito; o depois – de volta ao Rio de Janeiro e o auto-exílio em São José do Rio Pardo – SP, provocaram no escritor uma verdadeira ebulição, uma catarse política e social.


1. O autor elencou somente três exemplos de metáforas em face das dimensões do artigo – é o que suponho. 
2. O autor busca a ideia em Flora Sussekind, no texto O Brasil não é longe daqui: o narrador, a viagem, Cia. das letras, 1990. 

3. Muitas páginas foram indicadas pelo autor deste trabalho tendo em vista que o sítio indicado como fonte de consulta e coleta não apresentavam numeração oficial. Para organização das nossas referências utilizadas, fez-se mister numerá-las.


REFERÊNCIAS
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