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sábado, 27 de outubro de 2012

Darcy Ribeiro: intelectual longe das convenções


 Nascido há 90 anos em Montes Claros (MG) o antropólogo foi comprometido com a busca do ‘ser brasileiro’
EDUARDO PORTELLA – de O Estado de S. Paulo
Exemplos tirados da história recente para se opor à ideia
comum de 'cordialidade'
(foto: 
Wilson Pedrosa/Estadão)
Darcy Ribeiro (Montes Claros, MG, 26 de outubro de 1922-Brasília, DF, 17 de fevereiro de 1997) foi o menos convencional, e talvez o mais destemido, dos nossos intelectuais. Lutou energicamente em várias frentes. Como antropólogo, professor, político, escritor de perfil plural, ensaísta, romancista, poeta, memorialista. Foi igualmente um bem-sucedido gestor cultural e educacional. Jamais pode ser visto como um conformado. Pertencia à família, não muito numerosa, dos militantes da esperança.
Certa vez escreveu, com aquela pulsação vital que era bem sua:
"Fracassei em tudo que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei uma universidade séria, não consegui. Mas meus fracassos são minhas vitórias. Detestaria estar no lugar de quem me venceu".
São palavras nunca de um conformista, porém de um indignado, se recolhemos hoje os ecos da Plaza Mayor, de Madri. Indignado com a "situação calamitosa" (são palavras suas) da rede escolar pública, oscilando entre a magnitude e a precariedade.
As suas memoráveis memórias, Aos Trancos e Barrancos, se mantêm à distância do ajuste de contas e da queima de arquivos, marcas obsessivas do nosso memorialismo hegemônico. Em Darcy o que é bem visível são os movimentos crispados da história, movida pela memória viva, sanguínea, enérgica, porém imune ao ressentimento e à miséria humana.
Os caprichos do destino, em dias remotos de uma "Abertura" para inglês ver, me concederam a honra e felicidade de anistiar Darcy Ribeiro. Participei de uma guerra sem quartel. A chamada comunidade de informação, desinformada por vocação e vontade, não se conformou. Solicitaram que desanistiasse. Resisti. Foi uma das poucas batalhas que consegui vencer. Ela e os seus protagonistas desapareceram. Darcy continua vivo.
Talvez possamos tomar O Povo Brasileiro (1995) como o seu livro mais emblemático da formação e do sentido do Brasil. É o corolário de um esforço que vem de longe, infatigável e coerente, destinado a reconhecer a heroicidade anônima de mulatos e caboclos, de "mamelucos-brasilíndios", pela nossa parte mitigada, filhos de negros e índios, sequestrados prematuramente em nome da civilização. Esse livro foi preparado por cinco antecessores muito bem acolhidos em várias geografias: O Processo Civilizatório, As Américas e a Civilização, O Dilema da América Latina, Os Brasileiros: Teoria do Brasil e Os Índios e a Civilização. Deve ser considerado o corolário porque arremata e leva às últimas consequências, sob a forma de uma insólita crítica da razão apropriativa, as mazelas dos poderes concentracionários ao longo de sucessivas hipotecas históricas. A essas obras se juntam outras, como A Universidade Necessária, proposta pedagógica que reoxigenou o ensino universitário na América Latina.
Darcy Ribeiro percorre, atentamente, o interminável caminho da exclusão. Acompanha toda a movimentação humana, e inumana, que impulsiona os deslocamentos populacionais, as ocupações territoriais, as desfigurações culturais, conduzidos pela exploração, o arbítrio, a violência. Ele observa de perto, certamente a contragosto, a desindianização e a desafricanização. Mas não deixa de saudar, compreensivamente, a emergência de tipos inesperados como o crioulo, o caboclo, o sertanejo, o caipira. Entre os brasilíndios, os afro-brasileiros, os neobrasileiros, os brasileiros, Darcy indaga, o tempo todo, pelo ser brasileiro. Sem fechar a questão, é claro.
O Povo Brasileiro adquire, logo de início, o jeito de um diálogo, não sei se confortável, mas em qualquer caso amistoso, entre o político e o cientista Darcy Ribeiro. O primeiro, terrivelmente veraz, deixa de lado as conveniências da frieza expositiva, ou do distanciamento crítico, para assumir, de corpo e alma, a paixão. Talvez até para desmentir o boato de que a paixão é inimiga da razão. O segundo reconstitui e descreve, com precisão, a história dos vencidos, mas sem deixar de matizar o desempenho dos vencedores. O cientista reconstrói o passado; o político traz o passado para o presente. O livro se mantém muito fiel a Darcy. Decifra enigmas que ficaram para trás, porém com mais liberdade; imune às pressões ideológicas. Até porque Darcy Ribeiro nunca foi bem tratado nem pela esquerda predatória nem pela direita alucinatória - ambas predominantes, e tão afins. O que ele quer é viver, abertamente, declaradamente, o sonho precoce de "uma teoria geral, cuja luz nos tornasse explicáveis em seus próprios termos, fundada em nossa experiência histórica". São suas palavras.
O itinerário de O Povo Brasileiro cobre um período extenso, que vai desde as determinações iniciais da Revolução Mercantil até a industrialização e a urbanização da modernidade tardia, no seio das quais as relações de trabalho nunca deixaram de ser mais ou menos aviltantes. Antes mais do que menos. O cativeiro dos índios e a sujeição dos negros, comprados e coisificados, distribuídos no litoral e progressivamente no interior, tornaram-se, com o passar dos tempos, a nódoa maior do nosso trajeto "civilizatório". Não somente: também o lugar tenso, em que o extermínio e a gestação, gravados contraditoriamente nas cores da pele, foi abrindo passagem para o advento do novo. Os escravos índios e negros, subjugados até a crueldade, resistiam culturalmente. Não raro, politicamente. Jamais economicamente ou tecnicamente. Aí as armas eram extremamente desiguais.
Mas o livro de Darcy Ribeiro evita permanecer sob as ordens da memória, e acatar obedientemente os desígnios da tradição patrimonial, certamente tombada e cuidadosamente guardada, debaixo de sete chaves, nas gavetas de alguma Torre famosa. Se assim fosse, não seria Darcy, nem estaríamos falando de um livro-vida. Ele reconstitui, calorosamente, todo o processo da construção do homem tropical lusofalante, recorrendo aos documentos fornecidos pela Coroa e pela Igreja, e desde o momento em que se alternam, harmoniosamente, a razão de Estado e a ratio studiorum. E já nesse amanhecer era possível perceber, no espelho enviesado da colonização, não por acaso contemporâneo do maneirismo, as impurezas da razão. Mas o autor imprevisível, vez por outra reaproxima a generosidade da raiva, absorvendo as contradições do percurso. Nessa hora, os portugueses são distinguidos com um ou outro reconhecimento, do tipo: "O engenho açucareiro, primeira forma de grande empresa agroindustrial exportadora, foi, há um tempo, o instrumento de viabilização do empreendimento colonial português e a matriz do primeiro modo de ser dos brasileiros". Esses instantes de armistício, vale lembrar, ocorrem sem muita insistência. Darcy prefere exaltar o reverso da medalha. O índio e o negro, pelo menos na cena colonial, e na reviravolta proposta pelo autor de O Povo Brasileiro, foram atores muito mais criativos do que poderia imaginar a montagem importada.
Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro está empenhado em denunciar o dispositivo da exclusão. Ele fotografa os mecanismos de dominação em movimento, contesta a unidade forjada pela violência, e se espanta ao constatar a síndrome da feitoria perturbando a produção qualitativa da sociedade. Chega aos nossos dias, à mundialização de mão única, ao descalabro da cidade e, por consequência, do que deveria ser a vida urbana na comunidade de cidadãos.
Ao deparar-se com "o povo-massa, sofrido e perplexo", o otimismo constitutivo, talvez até biogenético, de Darcy Ribeiro, parece experimentar ligeiro abalo. O radical esforço reflexivo de O Povo Brasileiro é confrontado com duas legendas dificilmente conciliáveis: a do "povo-nação" e de "povo-massa". Tudo dependerá, sou levado a supor, da consistência do povo, ou da taxa de povo introjetada na massa, ou da nossa capacidade de, através da educação, desmassificar a massa. Darcy nos conduz para um debate que, pelo menos até aqui, continua em aberto. No primeiro movimento, ele se choca com a voracidade mundializadora; no segundo, abriga uma cisão interna que, justamente por causa da globalização e de seus correlatos comunicativos, tende a incompatibilizar povo e massa. É forte a tendência para admitir que perdemos as chances, os prazos históricos, para a realização da categoria povo, tal como emergiu e se plenificou em algumas de nossas matrizes ocidentais. Não é menos plausível a conclusão de que só nos resta a opção de reencaminhar singularmente esse fenômeno desconcertante a que batizamos com o nome de massa. Nesta hipótese, a massa, que seria o povo sem rosto, fatalmente anônimo, teria de ser reprogramada, pelos instrumentos insubstituíveis da cultura, da educação, da ciência, da comunicação.
Darcy Ribeiro permanece esperançoso, confiante no povo novo, e investe todas as suas energias vitais e intelectuais - e nele as duas coisas se confundem - na "vontade de felicidade" do povo brasileiro, na "Nação Latino-Americana sonhada por Bolívar". A impressão de resvalar no psicologismo, apostando todas as suas economias na "felicidade" possível, logo se recupera no questionamento da cordialidade inata que, em dias mais radiosos, chegou a embalar o sono, e talvez o sonho, das aspirações nacionais. Darcy guardou, da história e de episódios recentes, exemplos sucessivos de ausência total de cordialidade. Uma conclusão alternativa, sem maiores compromissos, merece ser lançada: inexiste povo vocacionalmente avesso à felicidade, e congenitamente destinado à cordialidade? Não creio. O que existe é o caminhar do caminho. E ninguém melhor do que Darcy sabe de cor e de coração a cartografia dessa viagem.
O olhar interpretativo de Darcy Ribeiro, no seu afã de dar conta da complexidade, inscrita visceralmente na formação e no sentido do Brasil, recorreu à cooperação interdisciplinar. O seu saber, fortemente empírico, se relaciona com o seu viver. Nem por isso ele cede ao narcisismo biográfico. As pequenas digressões autobiográficas são logo abandonadas, ou porque se reconhecem públicas e notórias, ou porque não têm dúvidas quanto ao descrédito que envolve hoje os gêneros pessoais, submersos nas fantasias de memórias e diários pós-fabricados. Em Darcy, a vida o ajuda a ver. Daí que o seu livro contenha uma vibração existencial pouco frequente.
Em O Povo Brasileiro, a fluência narrativa com que as situações se encadeiam nos propicia a descrição precisa e sentida, do desenrolar sinuoso, da corrida de obstáculos, do infindável passar a limpo que, ainda hoje, interdita o trânsito, paralisa a circulação cidadã.
A qualidade do texto, nesta obra, se une e facilita a vida do trabalho crítico deliberadamente enraizado. O enraizado aqui tem o uso específico que lhe confere o próprio Darcy, sempre e sobretudo quando se abre para a ambicionada "nova romanidade". Mesmo fazendo ficção, em Maíra ou em Migo, por exemplo, o escritor interpela, pergunta incessantemente pela nossa gente, sua identidade e sua diferença. E ninguém como ele conseguiu transformar, sob os auspícios da linguagem, a esperança em realidade - descobrindo Brasis, inventando mundos.
Nos campos da Educação e da Cultura as suas impressões digitais permanecem como indicações de caminho: o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, juntamente com Anísio Teixeira, o Ministério da Educação altivo, a Universidade de Brasília, os 500 Cieps implantados no Rio de Janeiro, a Universidade Estadual do Norte Fluminense, o Sambódromo, a Lei de Diretrizes e Bases, marcos da ação integrada de educação, ciência, cultura, a serviço da transformação social. Assim como há os Darcys do Brasil, existem também os Brasis de Darcy. É uma constelação solidária e, apesar de todos os pesares, e de todos os maus-tratos, confiante.

‘Nenhum grande autor enfrentou tantos infortúnios como Graciliano’


 Matheus Pichonelli – da revista Carta Capital
O jornalista e escritor Dênis de Moraes, que relança a obra
 “O Velho Graça”, a biografia de Graciliano Ramos.
Foto: Boitempo Editorial
A prisão sem acusação formal em meio à caça às bruxas promovida pelo governo Vargas, em 1936, é só o ponto mais conhecido de uma história trágica. Para o biógrafo Dênis de Moraes, professor da Universidade Federal Fluminense, nenhum grande autor brasileiro enfrentou tantos infortúnios como Graciliano Ramos, alagoano de Quebrangulo (AL) nascido a 27 de outubro de 1892 que, apesar do reconhecimento, morreu em dificuldades financeiras sem sequer imaginar que um dia sua obra se tornaria referência para qualquer autor de qualquer período da história literária nacional. 
O livro ”O Velho Graça” (Boitempo Editorial) será relançado em 27 de novembro, na Livraria da Travessa (Leblon). No local, haverá um debate entre Dênis de Moraes, Felipe Pena e José Paulo Netto, seguido de sessão de autógrafos com o autor.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
CartaCapital: A primeira edição de O Velho Graça” é de 1992. O que mudou na história de Graciliano Ramos nesses 20 anos?
Dênis de Moraes: O livro teve quatro edições e estava esgotado havia mais ou menos dez anos. Estava praticamente confinado nas bibliotecas. Para essa nova edição houve novidades localizadas, como a narração de um encontro que ele teve com o Getúlio Vargas, inédito, e uma carta escrita para o ditador que jamais foi entregue. Um dos acréscimos também foi o resgate das poucas entrevistas boas que ele deu a jornalistas. Cito quatro grandes jornalistas que conseguiram com muita habilidade, paciência e tolerância convencê-lo a dar entrevistas mais interessantes sobre a vida, a obra e a trajetória. São eles: Francisco de Assis Barbosa, Joel Silveira, Newton Rodrigues e Homero Senna. Tentei resgatar o que esses grandes jornalistas conseguiram arrancar daquele nordestino fechado, retraído e desconfiado.
CC: Não era uma contradição alguém que trabalhou como jornalista durante tantos anos ser tão avesso a jornalistas?
DM: Não deixa de ser contraditório. Ele trabalhou no Correio da Manhã nos anos 1910, depois virou colaborador fixo da imprensa alagoana. Na cadeia, ele se tornou colaborador assíduo dos cadernos literários do Rio de Janeiro, e terminou a vida como jornalista do Correio da Manhã, como o principal redator. Mas, quando procurado para dar entrevistas, ele sempre repetia que não tinha nada a dizer. Era um argumento recorrente. Esses jornalistas que citei, com uma grande capacidade persuasiva, conseguiram driblar essa resistência. O Newton Rodrigues consegue tirar do Graciliano, por exemplo, uma análise sobre os romances sociais, o papel do escritor na sociedade, a relação entre cultura e política. Joel Silveira o leva a abordar as reminiscências da vida no Nordeste. Com o Homero Senna é interessante: o Graciliano não queria fazer a entrevista e é demovido. Eles marcam um encontro e ficam andando e conversando pelo centro do Rio. De vez em quando o Graciliano entrava no bar e tomava uma cachaça. E assim Homero Senna conseguiu tirar dele algumas coisas sobre a vida literária, a política do seu tempo. O Francisco de Assis Barbosa, biógrafo de Lima Barreto, também arrancou informações importantes sobre a relação da literatura com a sociedade e política.
CC: Esse mesmo Graciliano retraído é autor de confidências em livros de memórias, muitas delas amargas, como “Infância” e “Memórias do Cárcere”, em que expõe de maneira clara seu circulo restrito de intimidades. Como encontrar o personagem entre a amargura exposta e essa intimidade restrita?
DM: Esse lado do Graciliano, avesso e desconfiado, é justamente uma preocupação que eu tive para clarear mais e fazer uma reconstrução. Precisava mostrar um lado dele que aparecia de uma forma tímida nesses livros. Quando fiz este trabalho, dei sorte porque, na ocasião, encontrei ainda vivos vários contemporâneos e companheiros de geração, como os jovens escritores que o procuravam e os jornalistas que trabalhavam com ele. Vinte anos depois, hoje eles são muito poucos. Ele tinha uma família grande, com quatro filhos do primeiro casamento e quatro do segundo, com a Heloisa, que morreu faz alguns anos. Em 1992 (quando o livro foi lançado) morreu o Ricardo Ramos. Ele tinha deixado um livro póstumo de memórias sobre o pai. Uma das filhas, a Luisa, foi morar em Salvador, casada com um irmão de Jorge Amado. Dos filhos da Maria Augusta, tenho a impressão de que não tem ninguém mais vivo.
Graciliano e o filho Ricardo Ramos. Foto:Acervo Graciliano Ramos/ Reprodução do livro “O velho Graça”
CC: Há no livro passagens em que Graciliano soa como um personagem sem meias palavras, um tanto mal humorado, como quando diz em carta que o filho mais novo era estúpido ou quando dá broncas nos vícios identificados nos textos que analisava. Como quando diz que o filho Ricardo cometia um “crime confesso de imprecisão” simplesmente por escrever a palavra “algo”. Esse lado dele era uma descrição coerente neste círculo de pessoas íntimas?
DM: Esse jeito do Graciliano, muito categórico, aparecia nos depoimentos de quem tinha intimidade com ele, e não eram muitas pessoas. Mas essas frases dele eram meias-verdades. Ele tinha esse gosto de chocar o interlocutor, como quando dizia que o Machado de Assis, que ele venerava, era “metido a inglês”. Isso causava estupefação.
CC: A Raquel de Queiróz chegou a contar no livro que se impressionava com a capacidade que ele tinha de elogiar e desdenhar em seguida exatamente o mesmo texto…
DM: No fundo ele era um sentimental. Ele se defendia um pouco do mundo. Era um homem que tinha esse lado visto como ríspido, rude, mas era uma pessoa solidária, fraterna, generosa. O problema era você conseguir penetrar na intimidade dele e descobrir esse lado desguarnecido, esse lado terno e acolhedor. O livro mostra como ele era temido e ao mesmo tempo importante para os jovens. Quando eles descobrem que aquela rudeza era só aparência, os jovens se encantam por ele. Graciliano era acolhedor e solidário com esses jovens escritores que o procuraram. Ele anotava, dava sugestões. No Correio da Manhã ele teve esse papel de orientador, de guia, para os jornalistas. Mas não poupava ninguém quando achava que o texto era ruim.
CC: No livro, fica clara também a dificuldade de Graciliano em se apresentar como escritor quando jovem. A passagem dele como prefeito de Palmeira dos Índios, quando produziu os famosos relatórios que correram o Brasil e foi procurado pelo poeta Augusto Frederico Schmidt, dono da editora Schmidt, pode ser considerada fundamental para a sua descoberta como autor?
DM: Acho que foi fundamental. Esses relatórios circulavam pela imprensa de Maceió e depois chegaram ao Rio de Janeiro.  Isso o publicizou. Porque, imagina: havia um prefeito no Nordeste que escrevia relatórios de maneira excêntrica até para os padrões de hoje. Essa passagem foi fundamental, primeiro, porque sua gestão foi pautada pelos mais rígidos princípios de honestidade e prioridade para as questões sociais. Ele não governou para os coronéis. E foi importante também para a questão literária. Com certeza. Sem os relatórios, o talento de Graciliano permaneceria confinado em Palmeira dos Índios. Isso o favoreceu nesse sentido porque rompeu a barreira do isolamento da província.
CC: Depois da prisão, em 1936, ele se fixa no Rio de Janeiro e não volta mais para Alagoas. Por quê?
Graciliano e o filho Ricardo Ramos.
Foto:Acervo Graciliano Ramos/ Reprodução do livro “O velho Graça”
DM: Durante muitos anos ele tinha muito ressentimento em relação a tudo o que havia sofrido, todas as perseguições. Mas há passagens que mostram também como ele era nostálgico. Quando ele volta da viagem para a União Soviética, dona Heloísa, a mulher dele, pergunta onde ele gostaria de viver e ele diz: “Em Alagoas. É minha terra, mesmo com todos os defeitos”. Ele dizia: “sou um sertanejo, não vou deixar de ser, e é isso o que eu tenho”. Ou seja: ele nunca deixou de ter saudade.
CC: Graciliano ficou preso durante quase um ano sem jamais ter contra ele uma acusação formal. Ele morreu dizendo que foi perseguido por causa de sua atuação como Diretor de Instrução Pública, espécie de Secretaria da Educação na época. Isso era suficiente para tanta perseguição?
DM: Antes ele tinha sido prefeito de Palmeira dos Índios e fez um governo revolucionário. Acabou com privilégio dos coronéis, não perdoou nem o pai quando teve de multá-lo. A convite do governador, se tornou presidente da Imprensa Oficial de Alagoas e a reorganizou. Hoje a Imprensa Oficial leva o nome dele em homenagem. Na Instrução Pública, fez uma administração absolutamente correta e empreendedora, e isso fica claro na cena em que ele vai visitar um colégio em seu primeiro dia de trabalho, na periferia de Maceió, chega lá e não vê aluno porque eles não tinham roupas nem sapatos, não tinham comida. Ele manda comprar a merenda, vai numa loja, sem dinheiro nem orçamento, compra os metros do tecido, corta (porque ele trabalhava com comércio e sabia como cortar), e manda as costureiras fazerem o uniforme para os alunos. E depois vai para a sapataria e encomenda os pares de sapato, manda entregar ao colégio e o colégio reabre. Ele aumentou as matrículas na rede estadual de ensino (em três anos de mandato, o número saltou de 20 mil para 50 mil). Ele levava o governador para as escolas não para levantar placas, mas para que ele visse a situação precária como quem diz: “você precisa tomar providências”. Como prefeito, anos antes, ele se dedicou tanto que seus negócios na cidade, onde ele trabalhava como comerciante, foram à falência. Os encargos na prefeitura o consumiam. Isso incomodou muita gente.
CC: Essa relação conturbada com o local de origem respingou nos filhos do primeiro casamento, que ficaram em Alagoas?
DM: As circunstâncias difíceis da vida de Graciliano contribuíram para o período de afastamento da primeira família. Dois filhos chegaram a se mudar para o Rio. Em outros momentos, dona Heloísa, do segundo casamento, ficava com os filhos em Maceió porque não tinha condições de viver no Rio. Ela representa o maior alicerce que Graciliano teve para enfrentar as adversidades e infortúnios. E enfrentou tudo com enorme bravura. Aliás, nenhum grande autor sofreu tantos infortúnios como o Graciliano Ramos. Dona Heloísa foi fundamental para interceder por Graciliano (com a ajuda do também escritor José Lins do Rego, amigo da família) e tirá-lo da prisão. Se não eles o teriam matado. Ela foi uma das maiores brasileiras que já conheci na vida, uma grande mulher, e é a ela que eu dedico esta edição do livro. A ela e ao Carlos Nelson Coutinho (morto em setembro), autor do prefácio.
CC: Em todos esses momentos delicados, Graciliano contou com a ajuda de amigos, mesmo sem jamais ter feito qualquer pedido direto a eles.
DM: Essa solidariedade dos amigos é uma constante na vida dele. No fim, já com câncer de pulmão, ele sofre uma ameaça de despejo. E os amigos do Partido Comunista Brasileiro se mobilizam para pagar o aluguel que ele devia. O que é dramático porque ele tinha três empregos: como inspetor federal de ensino, à tarde, na pedreira do Correio da Manhã à noite, e de manhã, quando escrevia os livros e as colaborações para ganhar extras. Era um homem que trabalhava em três turnos e termina a vida com dificuldades financeiras. Ele tinha muitos amigos influentes e ele não os usava. Os amigos é que atuavam em solidariedade, em favor dele. Foi Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, quem conseguiu para ele uma nomeação como inspetor de ensino. E ele não transformou o emprego público em bico. Nem tirou vantagens. Batia sola de sapato pelos colégios do subúrbio do Rio para exercer dignamente as suas funções de inspetor federal de ensino. Com 60 anos, cumpria religiosamente o trabalho, e era admirado até mesmo pela direção do Mosteiro de São Bento pela correção dele.
CC: No fim da vida, já debilitado, ele se mostra decepcionado como alguns amigos de partido, que o pressionavam para transformar seus livros em panfletos políticos. Ao mesmo tempo, se mostrou um militante fiel. É uma contradição?
DM: Foi nessa fase de enfrentamento com o partido que dona Heloísa o convenceu a se tratar e se recuperar dos problemas de alcoolismo. Ele gostava de cachaça. Quando bebia, se soltava. Em Palmeira dos Índios, ia para uma sacristia, tomava uma cachaça e escrevia. As amarguras e as contrariedades, no fim dos anos 40, o levaram a beber um pouco mais do que devia. Mas ele se recuperou. E logo depois ficou doente por causa do cigarro…Ele fumava quatro maços por dia, teve uma vida de muito sofrimento e morreu cedo, aos 60 anos. No fim da vida, ele enfrentou o dogmatismo dentro do partido com absoluta dignidade. Ele jamais permitiu interferência do partido na sua obra. E ainda assim nunca falou mal do partido fora do partido. Era um militante fiel. Ele recebeu várias visitas do Arruda Câmara, deprimentes, para saber como andava o “Memórias do Cárcere”. Ele tergiversava. E tratava as graves divergências que tinha com o stalinismo cultural apenas em seu círculo de amigos. Ele não aceitava, por exemplo, o que fazia o (Andrei( Zdanov (governador de Leningrado e encarregado de Stálin para controlar a produção intelectual) na União Soviética. Graciliano chamava Zdanov de “cavalo”. Porque era um cavalo mesmo. Só um sujeito irracional achava que, em nome da União Soviética, poderia estabelecer uma política de censura e patrulhamento da produção cultural. E Graciliano, com absoluta correção e firmeza, não permitiu que a direção do partido interferisse na sua liberdade como artista, como criador, e ao mesmo tempo não traiu o partido. Ele enfrentava a tensão, o sofrimento, essas incompreensões, apenas no circulo de seus amigos. Não cedeu. Não se deslumbrou com a durante a viagem para a URSS. Chegou lá, faz perguntas insolentes, como quando questiona por que um grande nome da literatura russa, o Tolstoi, não aparecia na galeria de grandes escritores russos, o que ele considerava uma heresia. As convicções dele estavam acima de qualquer imperativo ideológico ditado pela direção do partido que ele aderiu em 1945. Graciliano prova que é possível resistir à opressão em qualquer sentido.
CC: Ao mesmo tempo, Graciliano era criticado por ter aceitado trabalhar em órgãos do Estado Novo mesmo após a prisão. O encontro dele com Getúlio, inédito nesta edição, ajuda a afastar esta visão sobre ele?
DM: É um episódio importante porque quebra uma certa animosidade que o conservadorismo tinha para atacar o Graciliano pelo fato de ele ter trabalhado na revista Cultura Política, produzida pelo Estado Novo, depois de ter sido preso pelo Getúlio. O Graciliano, já consagrado, não estende a mão para o presidente da República, que já tinha mais de dez anos de poder, quando eles se encontram por acaso num passeio noturno pela praia do Flamengo. Graciliano vê o presidente, recebe o cumprimento e passa direto. Ele se nega a estender a mão. Esse relato me foi feito pelo saudoso escritor e jornalista Antonio Carlos Villaça quando eu já tinha publicado a primeira edição da biografia. É um episódio que jamais foi desmentido. Se o Graciliano Ramos fosse um homem de certezas fúteis, ele teria se aproveitado do encontro pra se aproximar de Getúlio. Mas passa direto.  Esse episódio, como atesta Villaça, é prova da dignidade e coerência dele.

Vencedor do Jabuti diz que prêmio causou desconforto


                   MARCO RODRIGO ALMEIDA – da Folha de São Paulo
Oscar Nakasato estava em um supermercado de Apucarana, interior do Paraná, quando recebeu uma ligação informando que era o vencedor do prêmio Jabuti na categoria romance.
O escritor Oscar Nakasato, vencedor do Jabuti de romance 
O professor universitário paranaense de 49 anos ganhou no dia 18 o mais tradicional prêmio literário do Brasil com seu romance de estreia, "Nihonjin", mas mal teve tempo de comemorar. Quando chegou em casa, outras ligações, de jornalistas e amigos, já avisavam que estava envolvido em uma grande controvérsia. "Esse prêmio devia me proporcionar apenas alegria, mas me causou um desconforto muito grande. Em muitos momentos, um desconforto maior que a alegria", diz. A vitória de Nakasato foi favorecida pelas notas extremamente baixas que um dos jurados, identificado à época apenas como "C", concedeu a alguns dos nomes favoritos, como Ana Maria Machado. A identidade dos jurados só será conhecida em 28/11, mas a Folha revelou na última quarta que "C" é o crítico e editor Rodrigo Gurgel. Embora não tenha contrariado o regulamento, Gurgel foi acusado de manipular o resultado para favorecer autores menos conhecidos. "Essa especulação de que houve manipulação para eu ganhar tem me incomodado além da conta", afirma. Nakasato diz não conhecer Gurgel. Não leu os livros finalistas, mas acha que "as notas dadas a Ana foram muito estranhas. Se fosse comigo, também acharia estranho". Ele ainda defende mudanças no regulamento. "Como o júri é pequeno, possibilitou que um jurado tivesse um poder muito grande." Matuto do interior, como gosta de se definir, Nakasato é daqueles que sempre fazem de tudo para escapar de uma polêmica. Encarar as dezenas de jornalistas que o procuraram depois do anúncio do prêmio foi um tormento ao qual ainda não se acostumou. Os próximos dias podem trazer mais turbulências. O ganhador da categoria romance é geralmente um dos favoritos ao prêmio de livro do ano, principal do Jabuti. O vencedor será conhecido no dia 28/11. Se ganhar novamente, já antevê novas entrevistas e questionamentos sobre o resultado. "Se tivesse ficado apenas entre os dez finalistas, sem ter ganhado, talvez tivesse sido melhor", imagina.
PERCALÇOS
Até chegar ao centro da polêmica no Jabuti, o romance de Nakasato passou por uma série de percalços. "Nihonjin" nasceu da pesquisa de doutorado do escritor sobre personagens nipo-brasileiros na literatura nacional. Não achou mais que 15, quase todos secundários às tramas, estereotipados e com pouca profundidade. Frustrado, resolveu em 2002 contar a saga de imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil no começo do século 20. Embora sua própria família seja um exemplo --os avós de Nakasato chegaram a São Paulo em 1913--, ele garante que quase nada há de autobiográfico no romance. Nakasato dedicou quatro anos ao projeto. Outros quatro passou tentando publicar o livro. Não lembra o número exato, mas diz ter sido recusado por todas as grandes editoras do país. A sorte mudou em 2010, ao vencer o Prêmio Benvirá. O júri era composto por Ana Maria Martins, Nelson de Oliveira e José Luiz Goldfarb, curador do Jabuti. Nakasato ganhou R$ 30 mil e viu seu livro finalmente publicado. "No romance, destaca-se a competente reconstrução histórica, numa linguagem transparente, sem afetação", disse Oliveira à Folha. Até a publicação do título, ele era autor de alguns contos e levava uma vida tranquila como professor de literatura na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em Apucarana, onde vive há cinco anos. Nakasato reconhece a visibilidade que o Jabuti traz para para um autor desconhecido, mas, se pudesse, transferiria a atenção para seus livros e permaneceria "bem quietinho no meu canto". Enquanto não pode, prepara sem pressa o próximo romance. De prêmios, não quer saber por enquanto.

domingo, 14 de outubro de 2012

O ensino de Português está em alta no mundo


       Ruth Costas – da BBC Brasil em Londres
Claudia Padoan ensina português
para estrangeiros
Até alguns anos atrás, quando algum estrangeiro decidia aprender português, de duas uma: ou tinha um relacionamento amoroso com um brasileiro ou se interessava por algum aspecto da cultura do País, como a música.
"O interesse dos estrangeiros era raro e, em geral, não fugia muito disso", disse à BBC Brasil a professora Claudia Padoan, que, há mais de uma década, ensina português em Londres.
Nos últimos anos, universidades e escolas de idiomas de diversos países têm registrado não só um aumento da procura pelos cursos que ensinam o be-a-bá da língua de Camões mas também uma mudança no perfil dos alunos.
"Saber português hoje é bom para o currículo", resume a brasileira Roberta Mallows, que montou um recém-lançado curso de língua portuguesa e cultura brasileira no King's College London, e, antes disso, dava aulas de português na Suíça.
"Há muito mais gente tentando aprender o idioma por questões pragmáticas e, em especial, para ampliar suas oportunidades no mercado de trabalho e fazer negócios com o Brasil."
Roberta nunca planejou ser professora de português. Terminou no ramo ao perceber a enorme demanda do mercado. A mudança na rotina de Claudia também dá a medida de como o entusiasmo com os negócios com o Brasil ampliou o interesse pelo português mundo afora.
"Comecei dando aulas esporádicas, para poucos alunos indicados por conhecidos enquanto trabalhava em uma companhia aérea e como interprete", conta. Hoje, ela tem seis turmas de português que podem chegar a 12 estudantes. Dá aulas em duas escolas, em uma agência contratada por empresas e em uma ONG, além de ter aluno particular. "A grande virada ocorreu mesmo nos últimos dois anos", diz.
Interesse
Desde 2008, o Português vem sendo listado como um dos idiomas prioritários na pesquisa feita pela Confederação Britânica da Indústria (CBI), maior lobby empresarial britânico, para identificar quais habilidades dos trabalhadores podem ser úteis para os negócios.
Entre as escolas que se entusiasmaram com a nova demanda na Grã-Bretanha, estão a United International College London, na qual Claudia trabalha. A escola abriu um curso de Português há um ano e já matriculou 86 estudantes, segundo Javier Zamudio diretor da área de línguas estrangeiras.
"Entre eles, há europeus de diversos países e também alguns latino-americanos", diz Zamudio, calculando que "cerca de 95% dos alunos" estão interessados no português "do Brasil".
O King's College já tem cerca de 100 alunos aprendendo português e as aulas do curso que alia o ensino da língua a lições sobre outros aspectos da cultura brasileira começaram na segunda-feira.
A rede de ensino de idioma Cactus, que oferece aulas de português em 13 unidade, também viu o número de estudantes nesses cursos crescer 107% nos últimos cinco anos segundo Tinka Carrick, sua diretora de marketing. O número de treinamentos oferecidos às empresas quadruplicou, tendo o aumento mais acentuado ocorrido nos últimos dois anos (63% e 77% respectivamente).
Nos EUA, a revista especializada em Educação Language Magazine notou, em um artigo recente, como o boom na procura pelo português em universidades americanas gerou uma demanda ainda não atendida por mais professores, livros didáticos avançados e dicionários especializados - por exemplo, no vocabulário corporativo.
Lá, há mais de 10 mil alunos matriculados em cursos de português, segundo a Modern Language Association. Os últimos dados da organização, divulgados em 2010, mostravam um crescimento anual de cerca de 10% na procura pelo idioma desde 2006 e a estimativa é que essa tendência tenha se acentuado desde então.

Nova aula de português e cultura brasileira no King's College London
Na China, até alguns anos atrás apenas 4 universidades ofereciam aulas de português. Hoje são 15 e a ideia de autoridades chinesas é chegar a 30 nos próximos anos.
Além disso, também tem aumentado a procura de jovens estrangeiros por cursos de imersão no Brasil - oferecidos por universidades, instituições e escolas de idioma em cidades brasileiras como Rio de Janeiro, São Paulo e Maceió.
Perfis dos alunos
De acordo com professores e algumas instituições de ensino, a mudança do perfil dos estudantes foi motivada pelo crescimento de três grupos em particular.
Primeiro, jovens profissionais interessados em aprender português para melhorar suas perspectivas de carreira ou procurar emprego no Brasil. Claudia, por exemplo, conta que pelo menos um de seus alunos deixou o curso porque conseguiu trabalho durante umas férias que passou no País.
O segundo grupo de alunos em expansão é formado por funcionários de empresas estrangeiras que começaram a operar no Brasil ou têm ampliado os negócios com o País. Como exemplo, Roberta diz ter três alunos que trabalharam na Olimpíada de Londres e já estão de olho em atuar no Brasil.
Por fim, há uma preocupação crescente de brasileiros expatriados em garantir que seus filhos também tenham um bom nível de português, falado e escrito. "No passado, não havia tanto empenho das famílias de brasileiros que vivem em países estrangeiros em assegurar essa transmissão da língua", afirma Claudia.
"Agora, com a economia europeia em crise, muitos pais procuram as nossas aulas acreditando que um bom português não só pode ser um diferencial no mercado de trabalho daqui, mas também pode garantir que o filho tenha um 'plano B' no futuro - ou seja, que possa voltar para o Brasil caso a crise por aqui se agrave."
Diplomacia cultural
Para Joseph Marques, pesquisador do King´s College que está estudando a cooperação entre os países da comunidade de língua portuguesa (CPLP), o aumento do interesse pelo português abre uma ótima oportunidade para a projeção do soft power do Brasil no cenário global.
"Quanto maior o conhecimento sobre o idioma e a cultura de um país, mais facilmente podem ser criadas oportunidades de negócio com ele e mais fácil é convencer os outros atores do cenário global de que esse é um país importa do ponto de vista político", acredita.
"Por isso, nesse momento em que todo mundo fala de um 'Brasil gobal', seria oportuno para o País começar a pensar em uma política cultural, uma diplomacia cultural mais séria, que passaria pela promoção da língua portuguesa em diversos países e até em esferas políticas e instituições com a ONU."
Diferentes estimativas listam o português como o quinto ou o sexto idioma mais falado no mundo, mas Marques lembra que o idioma não está entre as línguas oficiais das Nações Unidas (que são árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo).
Hoje, um dos principais promotores do idioma português no mundo é o Instituto Camões, criado em 1992 pelo governo de Portugal. Promover o uso da língua portuguesa também é um dos objetivos centrais da CPLP, organização criada em 1996 - mas, segundo Marques, as iniciativas nessa área ainda são relativamente limitadas.
Em 1989, foi criado o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, com sede em Cabo Verde, porém os investimentos nessa instituição multilateral são escassos.
"Porque não criar um 'Instituto Jorge Amado', 'Machado de Assis', ou algo do tipo, para promover o idioma português e funcionar como uma vitrine da cultura brasileira?", sugere Marques.
O especialista lembra que a China tem mais de 1.000 unidades do Instituto Confúcio espalhados pelo mundo, a França apoia a Aliança Francesa e a Espanha tem o Instituto Cervantes. A Alemanha financia o Goethe Institute. Para a Grã-Bretanha, o trabalho de promoção cultural e linguística é feito pelo Conselho Britânico
"No Brasil, há quem argumente que não há recursos suficientes para uma iniciativa desse tipo e que é preciso priorizar as necessidades internas do país, mas se o Brasil quiser jogar no 'time dos grandes' vai precisar investir", acredita Marques. "É só olhar para o que os outros países fazem e sempre fizeram."
Com a colaboração de Josenilton.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012