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quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Exposição lembra os cem anos da morte de Augusto dos Anjos

                           RAQUEL COZER – da Ilustrada - Folha de São Paulo
O poeta paraibano Augusto dos Anjos
Para um poeta com um só livro —"Eu", de 1912, ampliado oito anos depois no póstumo "Eu e Outras Poesias"—, pode-se dizer que o paraibano Augusto dos Anjos (1884-1914) chega multiplicado ao centenário de sua morte: entre boas edições impressas e caça-níqueis digitais, mais de dez casas mantêm hoje o poeta em seus catálogos.
Mas não é com entusiasmo que o meio editorial lembra hoje um dos maiores e mais inclassificáveis poetas do país, autor de versos célebres como "um urubu pousou em minha sorte" e "escarra nessa boca que te beija!".
Publicado em 1994 pela Nova Aguilar e reimpresso até 2004, o mais cuidadoso volume em torno da obra do poeta, "Augusto dos Anjos - Obra Completa", organizado por Alexei Bueno, está disponível só para quem der a sorte de encontrar algum remanescente à venda nas livrarias.
Neste ano, a Nova Aguilar passou da Nova Fronteira para a Global, que planeja recolocar o título no mercado apenas em 2016. A mesma Global tem uma das boas edições à disposição hoje, "Melhores Poemas", com seleção de José Paulo Paes. Outras, como a da José Olympio, com estudo crítico de Ferreira Gullar, seguem em catálogo, segundo a editora, embora estejam indisponíveis em praticamente todas as livrarias virtuais.
Nesse cenário, coube à Casa das Rosas, em São Paulo, a maior homenagem à data, com a mostra "Esdrúxulo: 100 Anos da Morte de Augusto dos Anjos", aberta ao público nesta quarta (12). O título refere-se ao crítico Anatol Rosenfeld, que definiu seu trabalho como "paroxítono, esdrúxulo, dissonante".
Com 29 poemas, diversos manuscritos e documentos, além de vídeos sobre o poeta, a mostra busca resgatar sua obra centenária a partir de três grandes temas: a morte, as ciências e a transformação permanente da vida.
"A dificuldade de sua poesia está associada aos temas escatológicos, ao vocabulário denso, com termos técnicos e científicos, e à linguagem estranha, incomum na poesia brasileira", diz o curador, Julio Mendonça.
Um dos documentos, uma declaração de 1977 assinada pelos filhos, encerra uma disputa de décadas entre a Cruz do Espírito Santo (PB) natal de Augusto dos Anjos e a mineira Leopoldina (MG), onde morreu aos 30 anos. O termo determina que fiquem nesta última os restos mortais do poeta.
A casa onde Augusto dos Anjos viveu os últimos cinco meses de vida, em Leopoldina, é hoje um pequeno museu onde ficam seus manuscritos –e um único objeto pessoal, uma colher, que segundo a filha pertenceu a ele. 
Sem direito aos restos mortais, a paraibana Cruz do Espírito Santo cuida da parte que lhe cabe. Há pouco, iniciou a poda e revitalização do pé de tamarindo eternizado em versos como "no tempo de meu Pai, sob estes galhos/ como uma vela fúnebre de cera/ chorei bilhões de vezes com a canseira/ de inexorabilíssimos trabalhos".

sábado, 25 de outubro de 2014

Pagu: a última combatente do modernismo

METRALHADORA
As 23 prisões não foram suficientes para cessar a crítica da 
escritora ao sistema capitalista, às mulheres e aos 
colegas do movimento modernista, que representou 
em sua fase mais radical

Ana Weiss - do portal da revista ISTOÉ

Em pesquisa que traz textos inéditos de Pagu, Augusto de Campos defende a musa da antropofagia como a mais combativa artista do movimento modernista brasileiro
Patrícia Redher Galvão traduzia Kafka e Ionesco quando quase ninguém os conhecia no Brasil. Era cartunista, crítica, colaborou e fundou periódicos revolucionários e escreveu uma das mais importantes obras proletárias do modernismo, “Parque Industrial”. Mas o olhar lânguido e a boca sempre retinta de Pagu colocaram-na no panteão diferente de seus pares e ela entrou para a história como musa modernista, ou musa antropofágica, como defendeu Décio Pignatari em uma das primeiras ações de resgate da obra da escritora, nos anos 1970. Dito, portanto, como um elogio.
Pagu, alcunha dada por Raul Bopp, era mais jovem e, pelo que mostra o levantamento de Augusto de Campos, ampliado em edição que sai pela Companhia das Letras, a mais entusiasmada integrante do grupo de modernistas brasileiros de segunda geração, a “segunda dentição da antropofagia”. Seu compromisso com o projeto de revolução estética e social a levou a colocar o dedo na cara de parceiros e mestres, como Mário de Andrade, a quem acusou de abandonar o movimento de 22 em artigo polêmico publicado em 1948 na revista “Clima”, assinado em conjunto com o intempestivo e irrefreável Oswald de Andrade. Mas, além da coragem de se opor aos movimentos que abraçava – o modernismo e o socialismo –, Pagu tinha o hábito de seguir seu coração. Com pouco mais de 20 anos, se envolveu com Oswald, que deixou a pintora Tarsila Amaral para ficar com a muito mais nova ex-normalista.
“A exuberante beleza pessoal talvez tenha contribuído para vitimizá-la, antes que para promovê-la”, escreve Augusto de Campos na edição de “Pagu Vida-Obra”, agora acrescido de textos inéditos da colunista de “A Mulher do Povo”, publicado pelo jornal fundado por ela e por Oswald de Andrade e fechado depois de oito números pela polícia, diante da pressão de estudantes de direito da Universidade de São Paulo. “Ela era autora de artigos (sob diversos pseudônimos) e das ilustrações, charges, vinhetas, títulos e legendas, como comprova a comparação com desenhos de ‘Álbum de Pagu’, da ‘Revista de Antropofagia’ e outras fontes”, escreve o autor. Na coluna anônima que Campos republica agora, Pagu não poupava nem mesmo a ala da sociedade que poderia ter lhe dado, em vida, algum abrigo.
Em “O Retiro Social”, ela alveja, com ironia cortante, as novas feministas brasileiras, que imitavam sem muita verdade um modelo importado dos países anglófonos. “Agora que nós caminhamos para uma época sem recalque e de moral biológica racionalizada, onde não existirão nem desvios sexuais nem retiros físicos, Freud e o Padre Manfredo podem pedir demissão.” Pelo destemor, pela inteligência e, mais que tudo, pela coerência com que vivia os princípios de liberdade na sua vida profissional e particular, o autor considera Patrícia Galvão – que não conheceu em vida – “a primeira mulher nova brasileira”.
“Nenhuma correu os riscos, nenhuma defendeu com tanto ardor a arte de vanguarda, nenhuma se pode comparar, em termos de atuação ética e estética, com ela. De um modo ou de outro, todas acabaram cedendo, menos ela.”

Pagu foi presa 23 vezes na vida. A primeira prisão, pelo governo Vargas durante a greve dos estivadores de Santos, é, de acordo com Geraldo Ferraz, seu segundo companheiro, o primeiro encarceramento político de uma mulher no País. Expatriada da França, onde foi detida como comunista, voltou para trás das grades por cinco anos, mais uma vez pela polícia varguista. Teve dois filhos, o cineasta Rudá de Andrade, com o primeiro marido, e o jornalista Geraldo Galvão Ferraz, com o segundo. Mesmo sequelada pelas torturas sofridas na prisão, a escritora continuou produzindo, tendo sido autora das críticas mais contundentes escritas na ocasião da Primeira Bienal de São Paulo, em 1951. “Quando eu morrer, não quero que chorem a minha morte. Deixarei o meu corpo pra vocês”, diz em uma das charges reproduzidas pelo livro de Augusto de Campos, que traz ainda um belo caderno de retratos cedidos pela irmã da modernista, Sidéria Rehder Galvão. Pagu deixou o corpo em 1962, aos 52 anos, depois da tentativa frustrada de curar um câncer e outra de se suicidar, na casa de sua família paterna em Santos, litoral de São Paulo.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Conto: Além do Flerte

                                     Landisvalth Lima
           
     Não havia nada para fazer naquela tarde. Os filhos estavam com os respectivos padrinhos na Bahia, a mulher cuidava da mãe que fizera uma cirurgia plástica nos seios. Andava pelo calçadão da Rua da Frente e imaginava, irônico, que jeito poderia ser dado em seios de oitenta anos. Mas... bem... todos têm o direito de sonhar com o impossível. O sonho sustenta o ser, alimenta o nosso estômago de futuro. O calçadão da rua era novo. Sentado ao banco recém pintado, percebi que tudo continuava velho. Na ponte do Imperador uma mulher jazia em profundo sono. Ao lado, uma criança feia de fome e de maltratos ressonava no pleno sol das quinze horas. Entretanto, as luminárias, o calçadão, os bancos... tudo feito para que pessoas como eu pudessem caminhar sob rígida orientação médica. Os miseráveis insistiam em manchar as grandes inaugurações. 
     Tomei clara decisão: que dormissem os miseráveis! Eu não poderia resolver os problemas do mundo. Era hora de aproveitar o final da tarde de sexta-feira. Era aniversário de Aracaju. Iria, então, vivê-la um pouco distante do automóvel com ar refrigerado. Viveria a cidade de ônibus. No terminal da Rua da Frente peguei o Lourival Batista e desci no antigo Cine Plaza, no bairro Siqueira Campos. Um pastor grandiloqüente insistia na necessidade de se buscar Deus. Enquanto ele implorava pela oração dos seus irmãos, segui em direção à praça. Adiante uma multidão impedia a passagem dos carros. Um zunzunzum se formava. Aproximei-me. Uma mulher de vestido vermelho, cabelos ligeiramente oxigenados. O batom avermelhava os lábios já vermelhos do sangue no asfalto. O sapato de salto alto já quebrado era vermelho sem sangue e a pele morena das pernas já não mais permitia depilação. Na face já não mais vislumbrava a esperança de encontrar o endereço que a mão segurava: Rua Carlos Correia, n.º 103. Olhei fixo para aquele corpo sem alma. Nem percebi o desespero do atropelador. Só vozes e gritos:
-       Você tem seguro, companheiro!
-       Fuja, seu burro. A mulher tá morta!
Pensava comigo que a morte era algo insano, inaceitável, enquanto um policial chegava para registrar o fato já sem a presença do infeliz motorista sem seguro.
Resolvi continuar minha viagem e peguei o ônibus para o Augusto Franco. Estava lotado. Para onde iria tanta gente?
-       É um comício que vai ter na praça do Augusto Franco. Não viu não anunciar na
TV Sergipe? O Governador vai iniciar o término das obras. Vai ter show com Amorosa e Patrícia Polaine.
A informação me foi passada com requinte pelo cobrador que ostentava uma camisa de propaganda do Governador. Agradeci-lhe e desci no ponto com a multidão.
O locutor bradava frases preparadas pelas agências de publicidade e anunciava o comício para instantes. Começou uma hora depois. Políticos massacravam microfones e acariciavam o ego ferido do povo desatento ao evento. Após duas intermináveis horas, Amorosa sobe ao palco. Depois de um parabéns para a cidade e dois bons forrós, a voz desaparece. O locutor anuncia o fim do show e o lamentável incidente. Mas ainda tem Patrícia Polaine. Meia hora depois, após um insistente Harmonia eletrônico, chega a notícia da impossibilidade de a cantora realizar o evento. Não deram maiores explicações, mas informação extra-oficial circulava comunicando que ela se negava a cantar porque não recebera pagamento dos shows anteriores.
Já era muito tarde para continuar andando por aí. Pensei num lugar em que encontraria mais música. Atalaia! Sim. Caminhei decidido para a avenida Heráclito Rolemberg. Lá já vinha o Bugio/Atalaia. Na orla senti a noite branda e a brisa que forrava o asfalto esburacado da areia da praia.
Andei um pouco pela calçada habitada e percebi que havia música ao vivo num bar. Não verifiquei o nome. Estava quase lotado. Luiza Lu poetava Chico Queiroga e afins. Um garçom fatigado me trazia uma cerveja gelada com cardápio de caldinho de sururu. Quando o forró imperou sob o balançado tímido de Luiza, muitos dançaram. Percebi que uma moça pernoitava solitária por entre doses de vodka. Nossos olhares... bem, foi inevitável. É de se compreender que eu estava momentaneamente solteiro, livre, desimpedido, carente. Minha consciência era compreensiva. Minha mulher não! Mas ela estava tão preocupada com a mãe e nunca fui de cometer tais atos. Mas ali estava uma mulher bonita  dos diabos a encarar apaixonadamente um reles senhor de seus cinqüenta anos. Eu ainda despedaçava corações! Por um momento passou pela minha cabeça que tudo aquilo era canalhice. Minha mulher não merecia aquilo! Claro que não. Mas e eu? Eu não merecia? Talvez não, mas isso não importava naquele momento. Eu estava vivendo um flerte. Um flerte aos cinqüenta anos! O último que eu vivera aconteceu quando o Itabaiana venceu o Internacional em pleno Beira Rio. Foi lá que eu conheci minha mulher.
Enquanto eu pensava nos prós e nos contras, ela já pousava diante de mim com turbinas e tudo o mais. Era belíssima, com ar soberano, corpo atlético e jeito absolutamente insinuante. Não poderia ser verdade. Era bonita demais:
-       Posso sentar?
-       Sinta-se em casa.
A voz era meio grave mas denotava meiguice. Não quero aqui detalhar diálogos e pormenores desses encontros. Normalmente são recheados de conversas banais. Ambos ficam esperando a hora certa de dar o golpe fatal e fazer a proposta indecente. Ambos também fingem que são caçadores e não caçados. Quando se me dei, já estava envolvido nos braços dela. Bebi vodka  em sua boca e os beijos e abraços foram temperados com a areia da praia de Atalaia. Estávamos quase nus. Iniciei o processo antropofágico e minha mão foi além do habitual. Fui buscar os pequenos e grandes lábios de uma boca murmurejante de lamentos lascivos. No encontrei o que queria.
-       Seu desgraçado!
Com um murro certeiro, coloquei-o onde ele se encontrava: na areia. Sai catando minhas roupas e correndo desesperado. Ouvi apenas gritar:
-       Volte aqui. Estava tão bom !
O desgraçado era um eunuco. Eunuco e gay! Pequei o primeiro táxi que encontrei e paguei corrida dobrada. Em casa, já pela madrugada que se ia, liguei para minha mulher.
-       Flora, Eu te amo. Estou morrendo de saudades.
Nunca essas palavras foram ditas de forma tão sinceramente profunda.                                                               (In: Contos levemente amarosinédito)

sábado, 5 de abril de 2014

Morre o ator José Wilker

Ele estava em casa com a namorada quando se sentiu mal; a causa da morte foi uma parada cardíaca
Roberta Pennafort - O Estado de S.Paulo
O ator José Wilker tinha 66 anos
Ator, diretor, crítico de cinema, José Wilker morreu hoje, no Rio, aos 66 anos. Ele estava em casa com a namorada, a jornalista Claudia Montenegro, quando se sentiu mal – não teve tempo de ser hospitalizado. A causa da morte foi uma parada cardíaca. Cearense radicado no Rio desde a juventude, Wilker tem duas filhas, Isabel, com a atriz Mônica Torres, e Mariana, com a atriz Renée de Vielmond.
José Wilker nasceu em Juazeiro do Norte. Ele começou a carreira de ator como membro do Movimento de Cultura Popular no Recife. Já radicado no Rio de Janeiro, seu primeiro papel no cinema foi no filme 'A Falecida' ao lado de Fernanda Montenegro, mas obteve grande destaque ao lado de Sônia Braga em 'Dona Flor e seus dois maridos' de 1976.
Ele deu vida também a personagens memoráveis na televisão, como Rodrigo, que era protagonista de 'Anjo Mau', e Roque Santeiro na novela de mesmo nome de 1985. Sua estreia em novelas foi em 'Bandeira 2' de Dias Gomes em 1971. Ele foi convidado para atuar na novela depois de vencer o Prêmio Molière pelo espetáculo 'O Arquiteto e o Imperador da Assíria'.
Como ator chegou a participar de produções internacionais, atuando até ao lado de Sean Connery no filme 'O curandeiro da Selva'. Frequente comentarista do Oscar na TV, ele também era crítico de cinema. Em 1996 ele lançou um livro chamado 'Como Deixar um Relógio Emocionado', que compilou várias de suas críticas. 
Em 2004 ele interpretou o ex-bicheiro Giovanni Improtta em 'Senhora do Destino'. O personagem que depois seria levado ao cinema no último filme dirigido por Wilker, ficou conhecido pelos bordões: "felomenal" e "o tempo ruge e a Sapucaí é grande". Sua última participação em novelas foi em 2013, em "Amor à Vida", de Walcyr Carrasco.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

¨¨¨Landisvalth Blog: O dia em que Lampião assaltou Cansanção e fez jorr...

¨¨¨Landisvalth Blog: O dia em que Lampião assaltou Cansanção e fez jorr...:                                                               Oleone Coelho Fontes Lampião Antevéspera do Natal 1929. A data estigmat...

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Rodrigo Santoro está em sete filmes internacionais, mas ganha pouco

                       MARCO AURÉLIO CANÔNICO – da Serafina Folha de São Paulo
Rodrigo Santoro
Sempre chega aquele momento na vida em que o sujeito precisa decidir se vai se casar, ter um filho e comprar "um pedaço de terra, com água, umas árvores, uma horta", ou se vai para a Califórnia (para Hollywood, mais precisamente), viver a vida sobre as ondas, ser artista de cinema, ser star.
Não que o ator esteja cogitando uma aposentadoria aos 38 anos. Na verdade, começou 2014 divulgando o último blockbuster de que participou, "300: A Ascensão do Império" (estreia em 7 de março), está filmando "The 33", sobre o caso dos trabalhadores que ficaram presos em uma mina, no Chile, e tem ao menos mais três filmes internacionais já rodados: o desenho "Rio 2", um faroeste com Natalie Portman e uma comédia com Will Smith.
Mas, com duas décadas de carreira nas telas –inicialmente nas de TV e, desde 1998, nas de cinema– e mais da metade desse tempo vivendo na ponte aérea entre os Estados Unidos e o Brasil, Santoro começou a sentir a balança profissional pender para o lado estrangeiro e ficou em dúvida sobre como equilibrar a instável rotina de ator internacional com seus projetos pessoais que exigem mais estabilidade.
"Acho que em toda a minha vida nunca questionei tanto onde estou, o que estou fazendo. Foram muitos anos que passei fora, trabalhando, e agora sinto um movimento um pouco mais aquecido, mais coisas chegando", diz, no estúdio carioca em que foi fotografado para a Serafina.
"Estou num momento delicado, tentando encontrar soluções para me estabilizar mais, dividir as viagens de forma melhor, passar mais tempo num lugar só. A questão é mais abrangente: a família, as vontades de qualquer homem. É hora de entender do que vou precisar abrir mão. Em 12 anos nesse vai e volta, tive muito tempo para pensar sozinho."
O que Santoro pondera é a diferença entre viver em sua terra natal, onde já é um astro -e onde estão sua família, seus amigos e sua namorada, a atriz Mel Fronckowiak-, e seguir batalhando nos Estados Unidos, onde sua carreira progrediu muito desde a tão criticada ponta (sem fala) em "As Panteras Detonando" (2003), mas não o suficiente para garantir que ele será algo mais do que um cometa fugaz.
"Uma coisa que é importante e que eu tenho feito cada vez mais é tentar avaliar as experiências que eu vou ter, as pessoas com quem vou trabalhar, o quanto aquilo vai me amadurecer", diz o ator.
"Minha trajetória tem me ensinado que isso é o que fica. Quando olho para trás, lembro dos exemplos, do que pude aprender enquanto estava filmando. Não exatamente o resultado do filme, não exatamente minha performance."
Essa filosofia explica desde sua participação em projetos de diretores como David Mamet (em "Cinturão Vermelho") e Steven Soderbergh (nos dois "Che", em que viveu Raúl Castro) até sua recente incursão por gêneros novos para ele, como o faroeste -no ano passado, filmou "Jane Got a Gun", que tem Natalie Portman e Ewan McGregor como protagonistas e estreia prevista para agosto.
No longa, o brasileiro interpreta pela primeira vez um personagem americano, outro sinal de progresso da carreira no exterior.
"Ele tem um nome irlandês, inclusive, Fitchum. Não mudaram para Juan ou José. E fiz um sotaque, do sul dos Estados Unidos. É um figuraço, um bandido todo esquisito, parte de uma gangue do Velho Oeste. Vamos ver o que virou."
O filme também foi uma aula sobre a instabilidade que volta e meia acomete produções hollywoodianas.
"A diretora [Lynne Ramsay] foi embora no começo da filmagem [substituída por Gavin O'Connor]. Alguns atores, como o Jude Law, que faria o antagonista, saíram. O roteiro foi modificado. Foi um processo muito complicado, de muita tensão e espera. Nunca tinha passado por isso. Até meu personagem, que era uma coisa, se transformou em outra."
Ainda na seara das novas experiências, o ator também rodou no ano passado a comédia "Focus", onde voltou a trabalhar com os diretores Glenn Ficarra e John Requa, os mesmos de "O Golpista do Ano" (2009), em que fez o namorado de Jim Carrey.
No novo filme, contracenou com mais uma das superestrelas de Hollywood, Will Smith, para quem só tem elogios."Sen-sa-ci-o-nal, em todos os sentidos. Acessível, gente fina, generoso, um grande companheiro de trabalho. Sem a menor dúvida, um dos caras mais legais com quem já trabalhei."
NÃO É PELA GRANA, BICHO
Mas Santoro ainda não consegue fazer tudo o que quer. "Já recebi vários 'nãos' em filmes que eu era a fim de fazer, coisas com que sonhei alto", diz, citando como exemplo "Diário de um Jornalista Bêbado" (2011), com Johnny Depp.
Quando traça os rumos de sua carreira, Santoro diz não atribuir muito peso ao fator grana. "Cara, é claro que o pagamento é importante, mas nunca foi minha prioridade. Até porque o salário que ganho lá fora está muito aquém do imaginário coletivo."
Membro do Screen Actors Guild (SAG), sindicato de atores dos EUA, na maior parte dos filmes, ele recebe o piso pela tabela da entidade -cerca de US$ 3.000 por semana, para filmes com orçamento a partir de US$ 2,5 milhões.
Santoro também considera que, dos 21 projetos internacionais de que participou (dois deles telefilmes), "os únicos mais comerciais foram o '300' [2006] e o 'Rio' [2011]", ambos blockbusters de estúdio, com continuações que estreiam em março.
E nem mesmo em "300 - A Ascensão do Império", sequência na qual seu personagem, o vilão Xerxes, tem mais destaque (e chegou a ser cogitado como protagonista), seu salário ganhou grandes acréscimos.
Sem entrar em detalhes, diz que a produção lhe valeu o maior pagamento nos EUA até agora. "E, mesmo assim, eu recebo mais para trabalhar em coisas aqui no Brasil, até em publicidade, do que nesses trabalhos que faço fora, mesmo em filmes grandes. Não é pela grana, bicho", diz, rindo.
O fato de receber o piso da tabela do sindicato dos atores é um indicativo do tamanho de sua fama no exterior. O relativo anonimato, por outro lado, traz a liberdade de poder circular sem ser reconhecido.
"Enquanto artista, é importante observar sem ser observado, para ver as pessoas se comportando de forma natural. O ator é um estudante de comportamento. Meus personagens são um mosaico das pessoas que eu já vi, já ouvi, e que me deixaram tocado, intrigado."
No Brasil, é claro, esse cenário não é possível há quase 20 anos, logo depois que Santoro saiu de sua Petrópolis (RJ) natal para fazer faculdade no Rio e acabou entrando na Globo e se tornando um dos galãs das novelas do canal. Tampouco ajudou o fato de ele ter colecionado namoradas famosas, como Luana Piovani e Ellen Jabour.
"Com público e fãs nunca tive problemas, sempre entendi isso como parte da equação. A maior questão foi a coisa da exposição da minha vida mesmo, dos paparazzi que te pegam quando você está em um jantar e não quer ser exposto. Às vezes, você ainda está conhecendo alguém e não dá nem tempo, bicho. Já saiu, já é."
Foi também para aprender a lidar com isso que Santoro entrou na terapia aos 20 e poucos anos e segue nela até hoje.
"Faço na medida do possível, mas é importante para mim. É a coisa do espelho, gosto de colocar para fora, de me entender um pouco."
Hoje é mais relaxado, respira mais, se atropela menos. "No começo sentia uma urgência em falar, em fazer, em planejar. Isso mudou. Acho que vem com o amadurecimento. Não sei se sou um melhor ator, mas sou um ator mais calmo. Amadureci."
VEJA O TRAILER DE "300: A ASCENSÃO DO IMPÉRIO"

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A POÉTICA SERTANEJA CASTROALVINA: UM OLHAR “LOCAL” SOBRE A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO

Prof. Marcos José
                                         Marcos José de Souza
Castro Alves também destacou a vida em sua plenitude no semiárido.
RESUMO. O presente artigo expõe a análise o livro de poemas A Cachoeira de Paulo Afonso, do poeta Castro Alves, cujo objetivo é dar captar a mensagem pictórica e romântica protagonizada pelos escravos Lucas e Maria, em meio a uma paisagem agreste e acolhedora. Para tal o autor deste trabalho criou uma sequência didática das partes que compõem o poema, ao tempo que foi delineando momentos catárticos da narrativa.
PALAVRAS-CHAVE: Castro Alves; Lucas; Maria; o rio são Francisco.
INTRODUÇÃO
1. A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO EM ALGUNS DOS NOSSOS INTERLOCUTORES

Como um grande homem do seu tempo, elevada a sua produção à categoria de clássico da literatura nacional, Castro Alves arregimentou um grande número de biógrafos, ensaístas, historiadores, entre outros, interessados em sua obra. Afora um grande detalhe de sua vida, o de ter morrido jovem, o poeta legou à posteridade versos que até a atualidade são considerados avançados, inclusive para os dias atuais, em que pese a carga em defesa dos que vivem à margem da sociedade, dos indivíduos coisificados.
Nosso trabalho não pretende fazer um percurso histórico dos grandes contribuidores pela disseminação da obra do poeta baiano, posto que outros de maior envergadura já foram realizados e aqui, o que pretendemos, é mergulhar na sensibilidade da paisagem do sertão, cujo foco é o amor entre Lucas e Maria, “assentados” sobre as águas do rio São Francisco e “inebriados” pela cachoeira de Paulo Afonso.
Dentre os interlocutores escolhidos estão Xavier Marques, pela intimidade como se apresenta à vida do poeta; Afrânio Peixoto, pela delicadeza com que denominou uma biografia de Castro Alves e, por fim, Pedro Calmon, pelo fôlego de sua obra sobre vate baiano. Façamos saber que nossos destaques, dos três “biógrafos”, são extensivos somente ao nosso objeto de leitura, análise e deleite, o livro A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO (deste momento em diante, usaremos as iniciais ACPA para nos referirmos a este livro).
1.1 VIDA DE CASTRO ALVES, por Xavier Marques: um delicioso passeio no início do século XX.

Ler uma biografia, para os amantes da literatura, tem sido um delicioso contato com a produção, com o cotidiano, com os sabores e os dissabores do biografado. Xavier Marques, não nos decepciona. Com uma linguagem recheada de termos em desuso, mas não menos cativantes para uma boa leitura, nosso interlocutor garante uma visão ampla e, inclusive íntima, sem ser invasivo, do poeta que encantou sua geração e continuou encantando as seguintes.
Já no capítulo II, Nascimento e Infância, como o título sugere, o autor aborda os tempos do menino sertanejo, mas já dá indícios de sua paixão pela paisagem local. “É na peça inicial d’A Cachoeira de Paulo Afonso, onde ele, já na posse da imaginosa língua da força de sentimento e visão grandiosa que lhe caracterizam o gênio, nos pinta a hora da tarde, sob os traços de pálida donzela a banhar-se nas ‘termas do oriente’ (MARQUES, 1997; p. 30)
E cita o poema A Tarde, na íntegra. Essa referência é ao poema que abre o livro ACPA, A tarde, no qual o poeta deixa clara a sua paixão pela paisagem sertaneja.
Neste mesmo capítulo há outra “lembrança” da infância no interior da Bahia, ilustrando o poeta com a paisagem do são Francisco e também ao nativo Lucas, personagem central de ACPA: “E em várias composições, especialmente no poema ‘A Cachoeira’, muitos dos quadros, costumes, cantigas e tonadilhas que transposta para o vale de S. Francisco, onde nunca esteve, são evidentemente reminiscências da fazenda e seus arredores. Ele mesmo confessa, referindo-se à voz de Lucas, o escravo lenhador”(sic)(idem, p. 33 – grifo nosso). Vê-se o destaque que Marques identifica sobre a ausência do poeta no palco de seu idílio sertanejo, demonstrando o quanto não teria se maravilhado, caso viesse a conhecer de perto a cachoeira que a tantos encantou³.
A próxima referência a ACPA dar-se-á somente no capítulo IV, Na Academia, em Pernambuco, quando o poeta está na iminência de ir à Bahia, sem saber que não retornaria ao Recife, pois acompanhava seu grande amor, Eugênia Câmara. “Isto se passava em agosto de 1866. Nas horas de tréguas Castro Alves adiantava a sua obra antiescravista (sic), começando a compor A Cachoeira de Paulo Afonso...” (idem, p.68) Nosso destaque deve-se ao fato de não considerarmos uma obra assim classificada, pois não temos ali uma bandeira contra este ou aquele fenômeno social, mas um instante comum a dois seres de qualquer etnia ou origem social.
Outros destaques são dados a ACPA, mas o mais importante considero aquele em que o autor se refere ao projeto do poeta em conhecer o local, que não conhecera, tão decantado em sues poemas, localizado no capítulo V, Ano de férias na Bahia. “Refugiava-se frequentemente na Boa Vista a trabalhar no prólogo do poema, ao qual ainda tinha que juntar uma descrição da cachoeira de Paulo Afonso. Daí o projeto de uma excursão ao rio S. Francisco. ‘É verdade, dou-te parte que vou nestes oito dias para ver de perto a queda gigantesca do São Francisco...” (idem, p. 81)
Conforme ressaltei, reafirmo, ler Vida de Castro Alves é um ótimo e contagiante contato com a vida do poeta, bem como com o modus vivendi no final do século XIX.

1.2 O poeta, o poema e o ramo de louro: um passeio pelas observações de Afrânio Peixoto

Nosso segundo interlocutor é o pesquisador A. Peixoto, do qual nos serviremos de dois textos publicados em livros diferentes, conforme pode ser constatados nas referências deste trabalho. O requinte, aliado à sutileza, estão presentes no título de cada um dos livros. Do primeiro assenhoreamo-nos de O romantismo e seu significado nacional, quando atribui a uma escola literária, mesmo atual, o caráter passageiro, entretanto, legando alguns dos representantes, pérolas à posteridade. O que ocorre com o nosso poeta, Castro Alves, conforme podemos constatar à página 256, do texto acima indicado, cujo texto fora transcrito na íntegra, isto é, grafia e pontuação originais:
“Castro Alves, desde menino, e nos poucos anos que vão da adolescência á maioridade, consegue comover as multidões para a lei do ventre livre, e prepara as donzelas e os rapazes que, menos de vinte anos depois, serão os libertadores do 13 de maio.(...) Agora, George Le Gentil, um crítico estrangeiro, proclama que a América deu á literatura universal duas obras-primas de emoção humana: a ‘cabana do Pai Thomaz’ de Becher-Stowe, e a ‘Cachoeira de Paulo Afonso’, de Castro Alves.”
O nosso intelectual, no percurso histórico que fez em seu pronunciamento (texto aqui utilizado é uma fala) alerta que o romantismo no Brasil traduziu-se em nossa liberdade intelectual e ninguém melhor que o nosso poeta para ilustrar esse sentimento, ao tratar de dois indivíduos que se amam, em meio hostil às liberdades dos africanos em terras brasilianas.
O segundo texto de Afrânio Peixoto, Castro Alves, o épico da Abolição e da República, dando prosseguimento ao estilo do primeiro, anteriormente citado, busca nos aproximarmos da ideia do poeta “antenado” com as transformações político-sociais de seu tempo histórico. Desde a qualidade dos seus versos, que ultrapassavam as fronteiras da amada Recife, até a crítica internacional, conforme a citação acima. Passando pela enérgica maneira como recitava seus versos, produzidos anteriormente ou improvisados: em praça pública, no púlpito, ou no teatro. Como é de prever para quem assim age social e politicamente, vai arregimentando aliados. “É verdade que ele arrancava aplausos, comovia, entusiasmava, mas eram os seus dons pessoais, a sua poesia sonora e inflamada que colhia, das assembleias literárias ou das plateias predispostas que o admiravam. Sem o querer, e sem o saber, ía, entretanto, essa turba se impregnando da emoção e do espirito abolicionista.”(idem.1942; p. 183)
1.3 O homem, seu percurso e a obra, por Pedro Calmon

O terceiro, e último interlocutor, é o historiador Jorge Calmon, que nos presenteia com uma densa fonte de informações sobre o poeta, entretanto nem um pouco cansativa, com sói acontecer com muitos trabalhos dessa natureza. Tanto que durante sua leitura, em meio às citações e recorrências aos poemas, pegava-nos atribuindo ritmos aos textos, conforme fazemos durante a leitura dos versos, isto é, à medida em que líamos os versos utilizados pelo historiador, por alguns instantes nos surpreendíamos também lendo a narrativa com o mesmo ritmo que o texto poético.
Ao longo das suas 324 páginas, somente na de número 166 é que o historiador faz referência ao nosso objeto de estudo, mesmo assim fazendo um comparativo do “nosso” casal com outro, dessa vez mestiço, Peri e Ceci, quando cita trecho de uma carta do poeta endereçada ao “a Augusto Guimarães, ‘vou nestes oito dias para ver de perto a queda gigantesca do S. Francisco’(...)em que desempenhariam os escravos; como o guarani de Alencar... Não foi.”(CALMON, 1973:p.166). O comparativo continua, dessa vez, com o elemento por do sol, à altura da pagina 171.
O grande destaque dado pelo historiador, ao poeta está na página 242, no capítulo O Sertão, quando, ao comparar o seu sertão, o seu recanto, com a jusante desconhecida de perto, a cachoeira, faz o historiador, as vezes de também poeta. “Na Cachoeira de Paulo Afonso – pintou, a largas pinceladas, alguns desses quadros de natureza amiga, que são detalhes de outro sentimento mais real: o sentimento alvoroçado de sua volta, de sua reintegração, de sua restituição ao planalto de Curralinho, á azulada serra do Aporá, aos matos e grotões de terra áspera. Esta era sua; e respirava poesia na sua placidez da manhã, no esplendor da tardinha.”(idem)
Neste mesmo capítulo Calmon lança mão do poema A TARDE, ao afirmar que era um texto frequente na mão de muitos poetas brasileiros, cujo fenômeno acompanhou até seus últimos instantes de vida, pois “A luz plena dêsse lindo dia – 6 de julho – golfava pelas janelas abertas no salão em que adormecera. Dir-se-ia que palpitava nas côres gloriosas da tarde, subindo pelas alturas nas flechas de ouro do sol, o derradeiro alento do poeta.”(idem:p.281)
E assim, de modo caro ao poeta, encerramos também com a poesia narrativa de Calmon, o nosso diálogo com o historiador.
2.À GUISA DE SÍNTESE DAS LEITURAS SOBRE O POETA
Os comentadores aqui trazidos permitiram-nos observar que o poeta foi um homem, Xavier Marques, foi um literato, Afrânio Peixoto, foi um político, Pedro Calmon. E tudo isso em todos eles.
DESENVOLVIMENTO
Ler, “ouvir”, refletir a poética castroalvina, em particular aquela oriunda de A Cachoeira de Paulo Afonso, estando esse interlocutor, bem próximo dela, a cachoeira, é um instante de êxtase, de sublimação. Nosso lugar, o de leitor e de aspirante a pesquisador de Castro Alves, é o de professor do ensino médio da rede publica baiana, sujeito às vicissitudes do exercício profissional. Entretanto o autor desse trabalho, até aqui, tem investido contra tudo e contra todos os que não querem a educação publica, gratuita e de qualidade.
Afora os discursos da categoria no parágrafo anterior, estamos fazendo uso do livro de poemas do poeta do Curralinho há cerca de 05 (cinco) anos, com a leitura integral da obra e um recital com estudantes notadamente da 2ª série, ensino médio. A obra sempre exerceu fascínio sobre mim, mas nunca me detivera com o olhar do pesquisador apaixonado, daqueles que quando o exercemos, enxergamos imagens distantes do campo visual do leitor apressado. Outro destaque que indico é o de quem se debruça sobre outro “sertanista”, o Euclides da Cunha, do qual um discurso proferido pelo autor de Os Sertões.
Ainda destacamos que nossa linha de trabalho pautou-se pela leitura de algumas obras sobre o poeta, sem entrar no mérito de todos os seus pesquisadores, mas aqui nos detivemos em OLHAR cada poema, na certeza de abstrair sua aura nesse espaço tão quente e, por isso, tão fecundo, que é o semiárido, o sertão do rio São Francisco, nas barrancas da CACHOEIRA DE PAULO AFONSO. Desse modo, pretendemos fazer um passeio, instigado pelos versos maviosos, quentes, sensuais, inebriantes, cheirando a mato seco, da nossa catinga. Portanto, a imagem e a sensação que temos ao ler os versos de A Cachoeira de Paulo Afonso, são os resultados que buscamos revelar, do ponto de vista científico, como nosso intento neste trabalho.
Considerado a continuação de outro livro do poeta, Os Escravos, em A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO, o poeta uniu os três pilares do romantismo brasileiro, a síntese castroalvina: a exuberância da natureza, o amor entre dois jovens e a denúncia social. O Livro possui 33(trinta e três) poemas de diferentes formatos, desde a composição, isto é, a disposição de versos, seus tamanhos e quantidade, bem como a distribuição de estrofes e a presença ou não de rimas nos finais dos versos. A variedade de tamanho vai desde À Beira do abismo (e do infinito), com 06(seis) versos, até O Segredo, com 91(noventa e um)¹.
Outro traço importante da trajetória de Castro Alves na busca da poesia é a sua noção de natureza. A natureza ocorre em sua poesia em seu estado virginal, no tempo em que o homem vivia com ela em harmonia, parte de um todo ideal, perdida para sempre no mundo. (PARANHOS, p. 11)
Entretanto o que predomina todo o conjunto de poemas é a união, o amor, a cumplicidade, as dores, as origens que unem Lucas e Maria.
A LEITURA - OS POEMAS
1. A Brisa, O Sol, A Serra: os Elementos que compõem a Paisagem
Tomamos como parâmetro a ideia na qual os poemas possam ser agrupados em partes, mas eles, não aparecem, necessariamente, na ordem em que as elenco aqui nesta classificação:
I – a exuberância da paisagem – com o sol poente como núcleo; A Tarde, No Monte, Crepúsculo sertanejo.
II – o rio são Francisco, a cachoeira e os vales; Na Margem, O Nadador, Na Fonte, A Canoa phantastica, o são Francisco, A Cachoeira, A beira do abismo.
III – a mata e seus elementos naturais, a fauna e flora do lugar; O Baile na flor, A Queimada, Nos Campos.
IV – os tipos físicos, Maria e Lucas, seus diálogos, seus amores e a memória da escravidão. Maria, Lucas, Tyrana, A Senzala, Diálogo dos ecos, O Nadador, Nos Barcos, Adeus, Mudo e quedo, Sangue de africano, Amante, Anjo, Desespero, História de um crime, Último abraço, Mãe penitente, O Segredo, O Bandolim da desgraça, Um raio de luar, Despertar para morrer, Loucura divina.
Vê-se pelo estudo que alguns podem “pertencer” aos grupos II e IV, pois exibem elementos de ambos as classificações por nós organizadas como, por exemplo, O Nadador, com os versos seguintes:
“Eil-o que ao arroja-se;
As vagas bipartiram-se...”
Constantes no 1º e 2º versos iniciais do poema
Ou
“Vagas, curvae-vos timidas!
Abri fileiras pavidas
A's mâos possantes, avidas
Do nadador audaz,...”
Constantes nos primeiros versos da 4ª estrofe.
As cenas acontecem em uma paisagem agreste, entretanto a suavidade, o romance dominam grande parte da trajetória, conforme podemos constatar que a predominância é pela temática na qual estão Lucas e Maria.
O livro aqui analisado é o romance dos escravizados Lucas e Maria, segundo o poema que leva o nome desta, há um verso que comprova a situação social do casal, “Mimosa flor das escravas!”, 1º verso da 2ª estrofe em, Na margem, “Assim dizia a Escrava” no 1º verso da 4º estrofe. Também vemos em Lucas, nos últimos versos da 1ª estrofe:
“Um bello escravo da terra
Cheio de viço e valor...
Era o filho das florestas!
Era o escravo lenhador!”
No sentido pedagógico, descreverei a seguir a trajetória exibida nos versos.
A paisagem do semiárido é apresentada aos leitores através da descrição do entardecer, o qual pode ser diagnosticado como a ideia que o poeta anuncia a beleza que as cores criam, bem como a noção de morte, fim, em relação ao amor entre Lucas e Maria. Conforme podemos ver nos dois primeiros e nos dois últimos versos:
A Tarde
“Era a hora em que a tarde se debruça
Là da crista das serras mais remotas...
Contemplando o infinito... na floresta,
Rolar ào som da f uneral orchestra ! !”
Em seguida o poeta apresenta Maria, a protagonista, inserida na paisagem, através dos poemas Maria, Baile na flor e Na margem, nos moldes de um narrador. Vê-se que pela beleza natural da mata e o rio São Francisco também são apresentados:
Maria
“Onde vaes â tardesinha,
Mucama tâo bonitinha,
Morena flor do sertâo?
A grama um beijo te furta”
O Baile na flor
“Que bellas as margens do rio possante,
Que ao largo espumante campêa sem par!.
Ali das bromelias nas flores douradas
Há sylphos e fadas, que fazem seu lar...”
Na Margem
”Assim dizia a Escrava.
Iam cahindo
Dos dedos do crepusc'lo os véus de sombra,
Com que a terra se vêla, como noiva,
Para o doce hymeneu das noites limpidas.”
Demos o destaque deste último poema, onde a moça pede que o rio leve sua infância e traga-lhe um amor, pois estando na margem dele, as águas tanto podem levar o que não queremos, ou passamos pela fase – a infância, quanto, trazer aquilo que desejamos, no caso de Maria, tendo deixado de ser criança, aguardava um amor.
Entretanto, nem tudo é paz naquela paisagem bucólica, inebriante, lânguida. Eis que um acontecimento comum se abate sobre o sertão, sobre a floresta, um incêndio. Com o título de A Queimada, o poeta cria esta situação para nos apresentar o seu herói, o forte e destemido Lucas, nome que dá título ao poema seguinte. Destacaremos as qualidades olímpicas do nosso protagonista em busca de salvar alguém ou contornar a situação, ao tempo em que canta uma “toada”, cuja aparição vem como título de poema, Tyrana:
“Cheio de viço e valor...” (9º verso, 1ª estrofe)
“Que bella testa espaçosa,
(...)
Que cabelleira abundante!
(...)
Na larga e robusta mâo..
Aquelle vulto soberbo,
— Vivamente alumiado,
(...)
Como uma estatua de bronze,” (2ª estrofe – exceto o 2º, 4º,5º,10º e 12º versos)
A partir desse instante a narrativa ganha novos elementos, tendo como poema introdutor, A Senzala. Aqui temos a presença clara do narrador, quando, na última estrofe o poeta(?) atribui a Lucas a capacidade de “pintar” a paisagem:
“Eis o painel encantado,
Que eu quiz pintar, mas nâo pude..
Lucas melhor o traçara
Na cançâo suave e rude.”
Entende-se, portanto, que neste último verso o poeta se refere ao poema Tyrana.
Após tentar encontrar sinais para o incêndio, Lucas busca a cabana da amada, não a encontrando em sua morada, recebe um aviso, desses dos quais não sabemos de onde vem. Com o brilhante título de Dialogo dos echos, o poeta anuncia o núcleo dramático de sua narrativa:
“E chegou-se para o leito
Da casta flor do sertâo...
Apertou co'â mâo convulsa
O punhal e o coraçâo ! . ..
Stava inda tepido o ninho
Cheio de aromas suaves...
E — como a penna, que as aves
Deixam no musgo ao voar —.
Um anel de seus cabellos
Jazia cortado â esmo
Como reliquia no altar!.”(3ª estrofe)
Os ecos são retratados como respostas às perguntas que Lucas faz a si mesmo, cujo intuito é o de encorajá-lo a procurar por Maria, tentar salvá-la e saber por que desapareceu. Com cenas belíssimas o poeta vai descrevendo a pujança do escravo, a força e as armadilhas do rio são Francisco, permitindo o que os dois se encontrem em uma canoa, onde a moça já estava para cometer o suicídio. Entendemos ainda que o uso dos ecos deva-se à existência dos paredões rochosos na região da cachoeira, os quais produzem esse tipo de fenômeno, ao tempo que ampliam a beleza da paisagem agreste.
2. As Memórias De Um Escrava – Mater Dolorosa
Dedicando 11(onze) poemas, Castro Alves nos apresenta duas historias, enquanto Maria narra o que a motivou descer o rio em uma canoa, precipício da cachoeira adiante, também narra a história de uma escrava. Antes de narrar o que se passara, os dois travam um diálogo em outros dois poemas, Adeus e Mudo e quedo, nos quais ambos tentam o suicídio, ela no primeiro e ele no segundo. Como ela percebe que Lucas vai se jogar no rio,
“ Era tremenda aquella dôr selvagem,
Que rebentava emfim, partindo os diques
Na f uria desmedida ! . ..
Em meio as ondas
Lucas ia rolar...”²
Maria resolve revelar o episódio que motivou-a a cometer o suicídio. Em uma sequência inebriante, Na Fonte, Nos Campos e No Monte, Maria conta que foi violentada. No primeiro poema ela toma um doce banho de rio quando é surpreendida por um homem,
"Rugitavam os palmarès..
Em torno dos nenuphares
Zumbiam pejando os ares
Mil insectos de rubim..
Eu n'aquelle leito brando
Rolava alegre cantando...
Subito., um ramo estalando
Salta um homem junto a mim!"(última estrofe VII )
No segundo poema, fugindo do algoz, mais uma vez relembramos a belíssima Iracema, presente em outros momentos desse épico, conforme nossos grifos. Essa estrofe inicial traduz o desespero que Maria sentia naquele instante:
"Fugi desvairada!
Na moita intrincada,
Rasgando uma estrada,
Fugaz me embrenhei.
Apenas vestindo
Meus negros cabellos,
E os seios cobrindo
Com os tremulos dedos,
Ligeira voei!”
A tragédia acontece, o que enfurece Lucas, na última estrofe do poema:
"E agora esta concluida
Minha historia desgraçada.
Quando cahi — era virgem,
Quando ergui-me — deshonrada!"
A fúria do macho vem com título Sangue de africano, cujas qualidades hercúleas mais uma vez são recorrentes. Esse momento é encerrado, com os poemas Amante, Anjo e Desespero, quando após pedir a Lucas que a vingança não deve ser aplicada, Maria conta uma história de um crime, após um dramático diálogo entre os amantes, fazendo entender àquele que o facínora é seu irmão, fruto de outro estupro, perpetrado pelo pai deste último criminoso.
Lucas roga:
"O' minha mâe ! ô martyr af ricana,
Que morreste de dor no captiveiro!
Ai ! sem quebrar aquella jura insana,
Que jurei no teu leito derradeiro,
No sangue desta raça impia, tyranna
Teu filho vae vingar um povo inteiro ! . . .
Vamos, Maria! Cumpra-se o destin»..
Dize ! dize-me o nome do assassino ! . . . "
Maria responde
"Pois que seja! Debalde pedi-te,
Ai ! debalde a teus pés me rojei..
Porém antes escuta esta historia..,
Depois della... o seu nome direi!"
Em quatro poemas, Historia de um crime, Ultimo abraço, Mãe penitente e O Segredo, Maria vai narrando um episódio que dramaticamente é encerrado no 4º poema aqui indicado, na última estrofe:
"Ninguem! que a nada humilho-me
Na terra, nem no espaço !..
Pôde ferir meu braço.
— "Lucas ! nâo pôde, nâo !
Misero ! a mâo que abrira
De tua mâe a oova...
O golpe hoje renova!...
Mata-me ! . . . E' teu irmâo !.(grifo nosso)
3. A paisagem do sertão é retomada: o sol ponte, o rio e a cachoeira
A última parte da narrativa é dedicada ao amor que Lucas e Maria não puderam dar continuidade na terra, mas poderão assim fazê-lo na eternidade. Como em delírios os dois dão continuidade á “viagem” para o infinito cuja paisagem é dominada pelo Crepúsculo sertanejo, como o próprio título sugere é um momento em que o dia vai morrendo para que a noite ocupe o seu lugar, nascendo, conforme podemos ainda visualizá-lo nos versos, melancólicos, fúnebres
A tarde morria! Nas aguas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas ;(1º e 2º versos da 1ª estrofe)
(...)
A tarde morria ! Mais funda nas aguas (1º verso da 3ª estrofe)
Entretanto sabemos que enquanto “morre”, o dia “renasce” com esse mesmo sol, no alvorecer. Esse fenômeno nos poemas, veremos adiante. Com os sugestivos títulos de O Bandolim da desgraça e A Canoa phantastica, o poeta vai conduzindo o nosso amante casal rumo à liberdade eterna, quando aqui destacamos as descrições deles, neste segundo poema:
Lucas: Que vulto é este, sombrio,
Gelado, immovel, na prôa?
Dir-se-hia o genio das sombras
Do inf erno sobre a canôa !. \ .(4ª estrofe)
Maria
Cahida, pallida, branca!.
Nâo ha quem d'ella se dôa?!.
Vâo-lhe os cabellos â rastos
Pela esteira da canôa ! . . .(6ª estrofe)
O São Francisco “recupera” seu lugar na narrativa quando o poeta destaca o tamanho e os caminhos que percorre até despencar pelos rochedos do sertão:
Longe, bem longe dos cantôes bravios,
Abrindo em alàs os barrancos fundos ;(1ª e 2ª verso, 1ª estrofe)
Orlava o seio da Mineira linda;(4º verso, 2ª estrofe)
Bâter â porta da Bahiana altiva.(4º verso, 3ª estrofe)
Rio soberbo! tuas aguas turvas(1º verso, 4ª estrofe)
De grinaldas em flor tecendo a arcada
Sâo arcos triumphaes de tua estrada !.(dois últimos versos, 5ª estrofe)
Quanto à Cachoeira, o poeta destaca sua voracidade, sua força, recorrendo aos elementos helênicos, cujos versos reproduzidos atualmente na cidade de Paulo Afonso, Bahia, revelam a também a força que o poeta angariou
“A cachoeira ! Paulo Af fonso ! O abysmo !
A briga collossal dos elementos!
As garras do Centauro em paroxismo
Raspando os flancos dos parceis sangrentos.
Relutantes na dor do cataclysmo
Os braços do gigante suarentos
Aguentando a ranger (espanto! assombro!)
O rio inteiro, que lhe câe no hombro !”
Após o delírio do casal e a inevitável queda d’água, Lucas e Maria “reaparecem”. Segue-se mais um momento romântico no qual os amantes, sozinhos, mesmo diante de uma catástrofe, retomam as carícias cujo momento parece oportuno, em Um raio de luar
Alta noite elle ergueu-se hirto, solemne.
Pegou na mâo da moça. Olhou-a f i t o . . .
Que fundo olhar!
(...)
Tomou-a no regaço... assim no manto
(...)
Pendeu-lhe sobre os labios.
(...)
Um momento de bruços sobre o abysmo
Elle, embalando-a, sobre o rio negro
Mais s'inclinou.
N'esse instante o luar bateu-lhe em cheio,
E um riso â flor dos labios da creança
A' flux boiou!
Mas eis que era tarde, pois o precipício já os aguardava e eles, delirando, em dois poemas também com títulos paradoxais em si mesmo, Despertar para morrer e Loucura divina, vão intercalando uma cerimônia festiva, o casamento, ora uma cerimônia fúnebre, o enterro de ambos.
—"Eu ouço a Liberdade!"
— "E' a morte, infante!
— "Erraste. E' a salvaçâo!"
— "Negro phantasma é quem me embala o esquife!"
—"Loucura ! E' tua Mâe... O esquif e é um berço,
Que boia n'amplidão!...”(2ª estrofe de L. D.)
E ante a hecatombe da cachoeira tem a visão ambígua
"As estrellas palpitam ! — Sâo as tochas !
Os rochedos murmuram!... — Sâo os monges!
Reza um orgâo nos céos!
Que incenso ! — Os rolos que do abysmo voam !
Que thuribulo énorme — Paulo Affonso!
Que sacerdote! —• Deus. "(ibidem, última estrofe)
A tragédia se completa com um beijo que não é concluído, no último poema, À beira do abismo ( e do infinito) Um beijo infindo suspirou nos ares...”(4º verso, 1ª estrofe), encerrando a saga de dois amantes cuja desgraça da escravidão se abatera e não permitira que se consumasse.
CONCLUSÃO
Para sentir a sensação que o poeta Castro Alves atribuiu ao semiárido, ao sertão, somente um poeta como ele, catingueiro, ao mesmo tempo guerreiro, solidário, destemido. Qualidades que emprestara aos seus personagens líricos, aos seus discursos contra a nódoa, a mancha histórica brasileira, a escravidão.
Ler os versos de A Cachoeira de Paulo Afonso exige cuidado, no sentido de que não devemos nos descuidar dos detalhes simples, mas reveladores de uma imensa e inebriante paisagem.
Conhecer Lucas e Maria nos permite entender o que é honra, coragem, romance, paixão, inclusive quando estão distantes um do outro, quando ela está em perigo, como em Dialogo dos echos, momento de extrema sublimação da ligação entre os dois amantes.
Sua leitura nos permite ir, de um só fôlego, do início ao fim da leitura, com a sensação da necessidade do retorno, para que, novamente, nos renovemos de paixão, força e coragem para lutar por amores e por desejos.
UMA TENTATIVA DE COTEJAMENTO ENTRE OS POEMAS A TARDE e CREPÚSCULO SERTANEJO: O INÍCIO O FIINAL DE UMA EPOPÉIA NOS SERTÕES E NAS ´´AGUAS DO VELHO CHICO.
A TARDE
Era a hora em que a tarde se debruça
Là da crista das serras mais remotas...
E d'araponga o canto, que soluça,
Acorda os échos nas sombrias grotas;
Quando sobre a lagoa, que s'embuça,
Passa o bando selvagem das gaivotas..
E a onça sobre as lapas salta urrando
Da cordilheira os visos abalando.
Era a hora em que os cardos rumorejam,
Como um abrir de boccas inspiradas,
E os angicos as comas espanejam
Pelos dedos das auras perfumadas.. '
A hora em que as gardénias, que se beijam,
Sâo timidas, medrosas desposadas ;
E a pedra... a flor... as selvas... os condores
Gaguejam... fallam... cantam seus amores!
Hora meiga da tarde ! Como es bella
Quando surges do azul da zona ardente!
— Tu es do céu a pallida donzella,
Que se banha nas thermas do oriente...,
Quando é gotta do banho cada estrella,
Que te rola da espadua refulgente...
E — prendendo-te a trança a meia lua —
Te enrôlas em neblinas semi-nûa ! . . .
Eu amo-te, mimosa do infinito!
Tu me lembras o tempo em que era infante.
Inda adora-te o peito do precito
No meio do martyrio excruciante;
E se nâo te dâ mais da infancia o grito
Que menino elevava-te arrogante,
E' que agora os martyrios foram tantos,
Que mesmo para o riso sô tem prantos!.
Mas nâo me esqueço nunca dos fraguedos
Onde infante selvagem me guiavas,
E os ninhos do soffrer que entre os sylvedos
Da embaiba nos ramos me apontavas;
Nem mais tarde, dos languidos segredos
De amor do nénuphar que enamoravas...
E as tranças mulheris da granadilha ! . ..
E os abraços f ogosos da baunilha ! ..
E te amei tanto — cheia de harmonias,
A murmurar os cantos da serrana,
A lustrar o broqufcl das serranias, —
A dourar dos rendeiros a cabana...
E te amei tanto — â flor das agoas frias —
Da lagôa agitando a verde canna,
Que sonhava morrer entre os palmarès,
Fitando o céu ao tom dos teus cantares !...
Mas hoje, da procella aos estridores,
Sublime, desgrenhada sobre o monte,
Eu quizera fitar-te entre os condores
Das nuvens arruivadas do horizonte...
— Para entâo —, do relampago aos livores,
Que descobrem do espaço a larga fronte,
Contemplando o infinito... na floresta,
Rolar ào som da f uneral orchestra ! !
CREPUSCULO SERTANEJO
A tarde morria! Nas aguas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas ;
Na esguia atalaia das arvores seccas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.
A tarde morria ! Dos ramos, das lascas,
Das pedras, do lichen, das lieras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Sahiam, quaes negros, crueis leopardos. #
A tarde morria ! Mais funda nas aguas
Lavava-se a galha do escuro engazeiro.
Ao fresco arrepio dos ven'tos cortantes
Em musico estalo rangia o coqueiro.
Sussurro profundo ! Marulho gigante !
Talvez um silencio!.. Talvez uma orchestra.
Da f olha, do calix, das asas, do insecto..
Do atomo â estrella... do verme — â floresta!.
As garças mettiam o bico vermelho
Por baixo das asas — da brisa ao açoite ;
E a terra na vaga de azul do infinito
Cobria a cabeça co'as pennas da noite !
Sômente por vezes, dos jungles das bordas
Dos golfos énormes d'aquella paragem,
Erguia a cabeça surpreso, inquieto,
Coberto de HmO'S — um touro selvagem.
Entâo as marrecas, em torno boiando,
O vôo encurvavam medrosas, â tôa. .
E o timido bando pedindo outras praias
Passava gritando por sobre a canôa !.
PRIMEIRAS
A TARDE
Era a hora em que a tarde se debruça
Là da crista das serras mais remotas...
E d'araponga o canto, que soluça,
Acorda os échos nas sombrias grotas;
Quando sobre a lagoa, que s'embuça,
Passa o bando selvagem das gaivotas..
E a onça sobre as lapas salta urrando
Da cordilheira os visos abalando.
CREPÚSCULO SERTANEJO
A tarde morria! Nas aguas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas ;
Na esguia atalaia das arvores seccas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.
Em ambas asestrofes a ideia de melancolia está presente, os personagens são os mesmos, inclusive a presença das aves arapongas. Poderemos fazer, a título de comparação, o alinhamento de cada par de versos para o primeiro poema (usaremos as iniciais AT, com um do segundo, quando usaremos CP. De imediato veremos que o cair da tarde tem noção de morte “se debruça”, AT e “morria”, CP. Em AT, “sombria”, em CP, “sombras”; o terceiro par de versos quem chama a atenção produzindo som são as “gaivotas”, enquanto no verso de CP, são as “arvores secas”. O fechamento deste primeiro bloco dá-se com a visão turva, “os visos abalando” para com o “triste chorar de arapongas.”
SEGUNDAS
A TARDE
Era a hora em que os cardos rumorejam,
Como um abrir de boccas inspiradas,
E os angicos as comas espanejam
Pelos dedos das auras perfumadas.. '
A hora em que as gardénias, que se beijam,
Sâo timidas, medrosas desposadas ;
E a pedra... a flor... as selvas... os condores
Gaguejam... fallam... cantam seus amores!
CREPÚSCULO SERTANEJO
A tarde morria ! Dos ramos, das lascas,
Das pedras, do lichen, das lieras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Sahiam, quaes negros, crueis leopardos. #
Neste momento a personificação ganha espaço nos dois poemas, sendo que em AT são os representantes da fauna e da flora que assumem o papel de protagonistas, enquanto que em CS, são os elementos da natureza.
TERCEIRAS
A TARDE
Hora meiga da tarde ! Como es bella
Quando surges do azul da zona ardente!
— Tu es do céu a pallida donzella,
Que se banha nas thermas do oriente...,
Quando é gotta do banho cada estrella,
Que te rola da espadua refulgente...
E — prendendo-te a trança a meia lua —
Te enrôlas em neblinas semi-nûa ! . . .
CREPÚSCULO SERTANEJO
A tarde morria ! Mais funda nas aguas
Lavava-se a galha do escuro engazeiro.
Ao fresco arrepio dos ven'tos cortantes
Em musico estalo rangia o coqueiro.
Esta parelha faz referência direta á água que banha a tarde: aos banhos, parte da paisagem, que tanto se dirigem a alguém como o próprio banhar-se da tarde que morria, a pálida donzela.
QUARTAS
A TARDE
Eu amo-te, mimosa do infinito!
Tu me lembras o tempo em que era infante.
Inda adora-te o peito do precito
No meio do martyrio excruciante;
E se nâo te dâ mais da infancia o grito
Que menino elevava-te arrogante,
E' que agora os martyrios foram tantos,
Que mesmo para o riso sô tem prantos!.
CREPÚSCULO SERTANEJO
Sussurro profundo ! Marulho gigante !
Talvez um silencio!.. Talvez uma orchestra.
Da folha, do calix, das asas, do insecto..
Do atomo â estrella... do verme — â floresta!.
A tristeza agora se abate sobre o eu-lírico, mesmo com a boa lembrança da infância, mas o momento não o deixo esquecer a dor que se instala naquele quadro que se apresentava: o peito do precito, AT, Sussurro profundo ! Marulho gigante !CS.
QUINTAS
A TARDE
Mas nâo me esqueço nunca dos fraguedos
Onde infante selvagem me guiavas,
E os ninhos do soffrer que entre os sylvedos
Da embaiba nos ramos me apontavas;
Nem mais tarde, dos languidos segredos
De amor do nénuphar que enamoravas...
E as tranças mulheris da granadilha ! . ..
E os abraços fogosos da baunilha ! ..
CREPÚSCULO SERTANEJO
As garças mettiam o bico vermelho
Por baixo das asas — da brisa ao açoite ;
E a terra na vaga de azul do infinito
Cobria a cabeça co'as pennas da noite !
Mesmo tratando de animal em CS, a sensação que existe é aquela que sugere o carinho em AT, quando o menino (infante, no poema) sentia ao passear pelos campos.
SEXTAS
A TARDE
E te amei tanto — cheia de harmonias,
A murmurar os cantos da serrana,
A lustrar o broquel das serranias, —
A dourar dos rendeiros a cabana...
E te amei tanto — â flor das agoas frias —
Da lagôa agitando a verde canna,
Que sonhava morrer entre os palmarès,
Fitando o céu ao tom dos teus cantares !...
CREPÚSCULO SERTANEJO
Sômente por vezes, dos jungles das bordas
Dos golfos énormes d'aquella paragem,
Erguia a cabeça surpreso, inquieto,
Coberto de limos — um touro selvagem.
SÉTIMAS
A TARDE
Mas hoje, da procella aos estridores,
Sublime, desgrenhada sobre o monte,
Eu quizera fitar-te entre os condores
Das nuvens arruivadas do horizonte...
— Para entâo —, do relampago aos livores,
Que descobrem do espaço a larga fronte,
Contemplando o infinito... na floresta,
Rolar ào som da funeral orchestra ! !
CREPÚSCULO SERTANEJO
Entâo as marrecas, em torno boiando,
O vôo encurvavam medrosas, â tôa. .
E o timido bando pedindo outras praias
Passava gritando por sobre a canôa !.
Coincidentemente ambos os poemas possuem 07(sete) estrofes, cada um. O encerramento deles lembram imediatamente a situação de Lucas e Maria, os quais estão se aproximando do precipício da cachoeira. Em AT, “Rolar ào som da funeral orchestra ! ! !” e em CS, temos, “E o timido bando pedindo outras praias/Passava gritando por sobre a canôa !.”, como se aves estivessem sentindo a desgraça por vir, confirmando, mais uma vez, a relação direta do casal com a paisagem, isto é, eles dois também eram parte da natureza daquele lugar, daí a reação exposta pelas aves.
NOTAS
1. Nossa fonte de uso para este trabalho foi uma cópia em pdf, com grafia da época da publicação disponível no sitio eletrônico da Academia de Letras da Bahia, Acessado em 19 de junho de 2013, às 15:30h.
2. Os versos estão assim dispostos, como as ondas que vão e vem.
1. Com a criação da Usina hidrelétrica do São Francisco, a CHESF, esse espetáculo agora somente pode ser visto com a abertura das comportas da usina, o que acontece quando há chuva em abundância na cabeceira do rio.

REFERÊNCIAS
ALVES, Castro. A Cachoeira de Paulo Afonso, in Obras completas de Castro Alves, versão em pdf, disponível no sítio eletrônico da academia de Letras da Bahia, acessado em 19.06.2013, às 15:30h.
AMADO, J. ABC de Castro Alves.S ão Paulo:Companhia das letras. 2010.
AMORA, A. S.A Literatura brasileira. O Romantismo, vol. II. Ed. Cultrix : São Paulo.1967
BARBOSA, R. Elogio de Castro Alves. versão em pdf, palestra disponívelhttp://www.casaruibarbosa.gov.br, acessado em 21.06.2013, às 12:33h.
BOAVENTURA, E. Estudos sobre Castro Alves.Salvador:EDUFBA/EGBA. 1996.
CALMON, P. Castro Alves : o homem e a obra. Rio de Janeiro:José Olympio;Brasília:INL. 1973.
COUTINHO, A. A Literatura no Brasil.Era romântica. 6 ed. Ver. e atual. São Paulo:global.2002
CUNHA, E. Castro Alves e seu tempo, palestra disponível em http://www.euclidesdacunha.org.br, acessado em 21.06.2013, às 12:43h.Rio de Janeiro:Topbooks.1996
MARQUES, Xavier. Vida de Castro Alves. 3 ed. Rio de Janeiro:Topbooks; Salvador:UCSAL/ALB. 1997
MERQUIOR, J. G. De Anchieta a Euclides, breve história da literatura brasileira.3ed.ver demais detalhes da referência

PARANHOS, M. DA C. Castro Alves e a busca da poesia. Discurso proferido na Academia de Letras da Bahia. 08.07.1977.