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sábado, 5 de maio de 2012

Revivendo a Guerra do Contestado V


A GUERRA
PARTE II
Do portal: HID0141 HISTORIA LICENCIATURA(http://hid0141.blogspot.com) – de EDSON DAY.
TERRAS EM DISPUTA
A bandeira do Contestado
Nos primeiros tempos de sua história, o Planalto de Santa Catarina foi habitado pelos índios Gê, tradicionais inimigos dos Guarani, que viviam no outro lado do Rio do Peixe. Ao longo do século XVIII, o tropeiro, um homem branco, percorre a região no sentido sul-norte, conduzindo bois e cavalos entre o Rio Grande do Sul e São Paulo. Com o passar dos anos, surge o homem típico do Planalto, conhecido como caboclo. Ele trabalha na condução das tropas, nas fazendas de criação de gado ou na colheita da erva-mate. Esse novo habitante não consegue receber um título de propriedade, pois mesmo as terras devolutas estão reservadas para os “coronéis” do Planalto ou para os políticos do Litoral. Além disso, Santa Catarina e Paraná disputam a administração do território, numa velha rixa começada em meados do século XVIII. Assim começa a história do caboclo sem terra e sem governo, personagem central da Guerra do Contestado.
ALEMÃES SOBEM A SERRA
Em 1868 esgotam-se os lotes rurais na Colônia Dona Francisca para instalar os novos imigrantes alemães, que continuavam a chegar da Europa. A falta de terras para cultivar e o número considerável de alemães-sem-terra obrigam a direção da Colônia a abrir um novo núcleo Serra acima, onde existem 247 quilômetros quadrados de terras no campo de São Miguel, em direção ao rio de São Bento, também pertencentes à Dona Francisca. Nos primeiros dias de setembro de 1873, as autoridades de Joinville escolhem 70 imigrantes robustos e desejosos de arriscar a odisséia de subir a serra para abrir picadas e preparar os ranchos necessários à instalação das respectivas famílias. Em 26 de novembro chegam as primeiras famílias para fundar o núcleo, que recebe o nome de São Bento. As mulheres e as crianças seguiram em carroças até o limite do trecho carroçável da estrada Dona Francisca, no quilômetro 33, do Alto da Serra. O restante da viagem foi efetuado em lombo de burros e a pé. As crianças foram carregadas em cestos grandes, colocados um em cada lado da mula, os mesmos cestos utilizados no transporte da erva-mate. Este primeiro transporte foi efetuado com 30 mulas. Sete dentre elas levavam cargueiros e mantimentos formados por seis sacos de farinha, três de feijão, seis arrobas de carne, três de toucinho, 30 quilos de açúcar e 15 de café. Outras três mulas levavam, além de sacos com sal, panelas e apetrechos de cozinha, pregos, ferramentas e dobradiças para portas e janelas. O novo povoamento, localizado em terrenos que o Paraná afirma estarem sob a sua jurisdição, vai desaguar em uma sucessão de enfrentamentos entre os novos colonos e as velhas autoridades de Curitiba.
DIREITOS ADQUIRIDOS PELO ESFORÇO
A região na época do conflito
No segundo semestre de 1876, a presidência da Província de Santa Catarina é ocupada por Alfredo d’Escragnolle Taunay, o famoso autor do romance Inocência e do livro de memórias sobre a Guerra do Paraguai, A Retirada da Laguna. Nascido no Rio de Janeiro, engenheiro militar e com pouca ligação anterior com o Estado, o novo presidente sente de perto os problemas resultantes da questão de limites com o Paraná. Em dezembro, poucas semanas antes de deixar o governo, Taunay visita o núcleo de imigrantes alemães, há pouco instalado no alto da Serra do Mar. Em relatório, diz o governador: “O sentimento das populações vivendo ao sul da linha do Rio Negro, ou melhor, à margem esquerda desse rio, excelente limite natural, é contrário, e de modo veemente, a qualquer possibilidade de desanexação desta província. O núcleo de São Bento encerra muitas esperanças e apresenta um rápido incremento. Tudo isso é efeito único da iniciativa particular e da emigração espontânea. Todos os colonos aí estabelecidos abraçaram com ardor a causa de Santa Catarina e mostram-se receosos de qualquer decisão que vá perturbar o bom encaminhamento que tem a prosperidade e o engrandecimento. Como se vê, a questão tornou-se hoje mais complexa, indo afetar direitos adquiridos pelo esforço de uma grande sociedade particular que busca, por meio da atração de boa e moralizada colonização, desenvolver seus meios de ação, concorrendo simultaneamente para a grandeza do Brasil.”
CONFLITOS AUMENTAM EM SÃO BENTO
Os rebeldes
O progresso do núcleo de São Bento, fundado em 1873, exige a constante ajuda de novos imigrantes. Dois anos depois chega um outro grupo de alemães. Mas seis famílias não conseguem entrar no respectivo lote porque ele já está ocupado com posseiros oriundos do Paraná. Para evitar um previsível conflito, as autoridades de Curitiba aplicam uma série de medidas que garantem a jurisdição paranaense sobre os imigrantes recém-instalados.

Três dessas medidas aumentam o conflito.

1. Os seis posseiros permanecem em seus lotes e as famílias alemãs precisam buscar o novo pouso mais para dentro da floresta.
2. O inspetor de quarteirão, nomeado por Santa Catarina, é multado ao recusar-se a entregar a lista com os nomes dos imigrantes jovens em idade de prestar o serviço militar.
3. Quatorze policiais invadem a localidade, aprisionam um morador e o levam para a cadeia, no outro lado do Rio Negro, território paranaense.

A intranquilidade entre os alemães aumenta à proporção que o Paraná intensifica decisões autoritárias para comprovar a sua jurisdição. Assim, por exemplo, na região da Encruzilhada, um posto fiscal instalado por Curitiba, há dezenas de guardas, alguns fardados. E todos eles deixam bem à mostra as facas de ponta e as clavinas engatilhadas para entrar em ação contra o barriga-verde que levantar a crista. O mais grave de tudo é que o Paraná arma conflitos em uma região que nunca havia sido contestada nos tempos da Província de São Paulo.
O VÍRUS DA REBELIÃO
(DIÁRIO DE CAMPANHA DE UM OFICIAL DO EXÉRCITO QUE FEZ PARTE DA EXPEDIÇÃO PARA EVITAR UM ENFRENTAMENTO ENTRE DEMÉTRIO RAMOS E AS FORÇAS DO PARANÁ)
“Indignou-se Demétrio contras as violências que lhe infringiram as autoridades do Paraná e recorreu ao auxílio dos seus correligionários da Vila de Santa Cruz de Canoinhas. Com a alegação de que o Paraná desrespeitava direitos de Santa Catarina, Demétrio Ramos conseguiu facilmente reunir cerca de 600 sertanejos dessa gente inculta e supersticiosa, jeitosamente preparada por Antero Alves, comissário de polícia da vila. Consta mesmo que esse povo foi armado a comblain pelo governo do Estado de Santa Catarina e por ele próprio mantido, com o auxílio de algumas casas comerciais. Uma série de conflitos mais ou menos criminosos foi desenvolvida por partidários apaixonados desses dois estados, vindo daí por diante alimentada a luta pelos maiores interessados na questão da zona contestada”. O movimento organizado por Demétrio Ramos deixou nas terras contestadas o vírus da rebelião. Os habitantes do território em litígio continuaram não se sujeitando ao regime de qualquer autoridade dos dois estados, até porque não sabiam a quem respeitar ou obedecer. E sempre aprendiam estratégias que poucos anos mais tarde saberiam aproveitar muito bem no decorrer da Guerra do Contestado.
VOZES DA GUERRILHA
A argumentação do Paraná, perante o Supremo Tribunal Federal, ao reivindicar a posse das terras também contestadas por Santa Catarina, apresenta como suporte básico a história do povoamento da região. Para os juristas de Curitiba, Santa Catarina não tem direito às terras em litígio, pois apresenta em seu favor uma documentação histórica mais ou menos discutível e omite a “situação de fato” em que se encontra o referido território. Enquanto os catarinenses se baseiam em obscuras provisões régias do século XVIII e algumas leis obscuras do tempo do Império, Curitiba comprova que bandeirantes paulistas e povoadores paranaenses desbravaram a região, abriram estradas, fundaram núcleos coloniais, vilas e cidades. Em uma palavra, levaram para o sertão de ninguém todos os elementos da vida de uma civilização. Na linguagem de Curitiba, a decisão do Supremo, ao dar ganho de causa a Santa Catarina, não foi uma vitória do Direito. Ela constitui uma derrota política do Paraná devido à falta de prestígio de sua representação na capital da República, em confronto com a força dos catarinenses, que contam com a presença de Lauro Müller no Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. O Paraná garante, por isso, que a questão do Contestado jamais se resolverá dentro do terreno jurídico. O senador Alencar Guimarães repete a opinião do ex-secretário de obras do Paraná, Niepce da Silva, em declaração à imprensa do Rio de Janeiro (Jornal A Noite, 24, abril, 1914): “Os paranaenses estão dispostos a defender o seu território até pela força das armas. Para isso, o Estado dispõe de um regimento de segurança, com um efetivo de mil homens armados com carabinas mauser. E existem armas e munições para mobilizar, de um momento para outro, um pequeno exército de 5 mil combatentes. São eles audaciosos bandos de volantes, que no sistema de guerrilhas mais adequadas em certos pontos do território litigioso, são suceptíveis de causar maiores males ao adversário.”
PRELIMINARES DO CONFLITO
Em setembro de 1909, o catarinense Aleixo Gonçalves de Lima, capitão da Guarda Nacional, à frente de 500 homens, invade o território sob a Estrada Dona Francisca, que o Paraná alega pertencer-lhe, mesmo que esteja situado no lado de cá do Rio Negro. O capitão expulsa os funcionários do fisco e os guardas do pequeno destacamento policial. Mas de imediato, um forte destacamento “inimigo” restabelece as barreiras, rastros da presença da jurisdição paranaense. Aleixo Gonçalves de Lima e seu batalhão vingador são recebidos com festas e foguetes na cidade de Joinville. Carros vão esperá-los na entrada da cidade. Passeata pelas ruas, espoucar de fogos, sons da banda de música, tudo anuncia e aplaude o regresso dos heróis. “À frente de um grupo de revoltosos contra as odiadas barreiras paranaenses, o capitão afugentou a força policial daquele Estado que as protegia.” Este é o comentário generalizado entre os respeitáveis senhores e veneráveis senhoras que saíram de suas casas para abraçar os bravos guerreiros da Serra-Acima. Governo e sociedade de Florianópolis e de Curitiba não se dão conta de que os enfrentamentos entre grupos de civis armados já duram mais de 20 anos. Cada desencontro joga lenha na fogueira de uma situação em alta periculosidade. Há um “inimigo” em marcha porque muitos sertanejos e caboclos se familiarizam com o manejo das armas e com as técnicas militares de ataque e defesa. Todos vão aprendendo hábitos e comportamentos que serão postos à prova na hora de se defenderem das forças do governo federal e das polícias militares dos dois estados encaminhadas para impor a ordem pela força da boca do canhão, a partir de 1912. O mais grave: nas terras contestadas, terras de ninguém, todos se acostumam a viver e a impor suas ordens, “sem fé, sem lei e sem rei”, como dizia o colonizador português do século XVI a respeito dos indígenas que habitavam o litoral do Brasil.
ABUSO POLÍTICO E ECONÔMICO
A instalação de barreiras fiscais no alto da Serra de Joinville, pelo Paraná, em uma zona que Santa Catarina sempre considerou como terras que integram o seu território, desencadeia um sério problema econômico e um explosivo problema político. A presença dos fiscais paranaenses impede a circulação da erva-mate produzida em São Bento e industrializada em Joinville, já que os ervateiros não estão de acordo com as duas cobranças: uma, ao fisco do Paraná, antes de descer a serra, e outra, ao Estado de Santa Catarina, na hora do embarque no porto de São Francisco. Mas o problema é também político, pois ele intensifica a animosidade entre os dois estados que, além da Serra de São Bento, enfrentam-se no Planalto, no Vale do Rio do Peixe e no Extremo-Oeste. Para Santa Catarina, a invasão do Paraná constitui um criminoso abuso, tanto mais grave quando a União atravessa um momento de turbulência política. O sistema republicano, implantado em 15 de novembro de 1889, exige uma série de ajustes entre os monarquistas, que não aceitam a perda do poder, e entre os republicanos, divididos em facções ideológicas. Vinte anos depois, quando o governo federal ouve dizer que, na zona do Contestado um grupo de fanáticos, comandados por um monge, estava pretendendo trazer de volta a Monarquia, o mundo vem abaixo. E os canhões vão falar todos os berros de uma boca enlouquecida.
A GUERRA ENTRE SC E PARANÁ QUE NÃO HOUVE
A guerra que não aconteceu fora da manchete de um jornal de Curitiba, em 8 de agosto de 1896. A guerra explodiu desse jeito. Duas semanas antes, 21 de julho, as autoridades paranaenses da vila do Rio Negro derrubam as pontes de madeira da estrada de rodagem que liga as vilas de São Bento e São Lourenço, todas elas construídas pelo Estado de Santa Catarina no território que lhe pertence. Hercílio Luz, o nosso governador, se irrita e faz desabar um telegrama sobre a mesa do colega, Santos Andrade, repudiando o “ato vandálico” das autoridades de Curitiba. Ao mesmo tempo, ele manda reconstruir as pontes. Uma enxurrada de telegramas entre Florianópolis e Curitiba resulta na presença de tropas militares, cara a cara, fuzil contra fuzil, tudo despachado às pressas para o local da confusão pelos dois estados. A guerra quase se acende em 13 de novembro, quando duas centenas de homens armados assaltam um destacamento de Santa Catarina, instalado a seis quilômetros da margem esquerda do Rio Negro, em plenas e catarínicas terras. Vinte e sete soldados barrigas-verdes são metidos na cadeia, evidente que situada no outro lado do rio, onde Santa Catarina jamais reivindicou um palmo de terra. “Vandalismo paranaense”, protestam vozes nos quatro cantos do Estado. O governo do Paraná pede desculpas pela agressão e devolve os 27 prisioneiros sãos e salvos. Embora um tanto assustados. Para esfriar a guerra que não houve, a segurança pública da região é entregue às forças federais, deslocadas de Curitiba.
SEIS POR MEIA DÚZIA
A oposição a Lauro Müller, governador provisório de Santa Catarina, nomeado pelo marechal Deodoro da Fonseca, logo nos primeiros dias da República, cresce rápida diante da inércia com que o jovem tenente enfrenta as contínuas investidas do Paraná contra a jurisdição de Santa Catarina, na região de São Bento. Segundo os adversários do governador, ele se mostra vacilante e frouxo porque está absorvido apenas com a mesquinha questão política da indicação dos nomes às três vagas do Senado, às quatro cadeiras para a Câmara dos Deputados e, principalmente, interessado em esmagar os políticos monarquistas e até os republicanos que não se integraram à nova ordem. Lauro Müller dá um golpe de mestre quando, para vencer o inimigo, aplica uma nítida estratégia militar que se mostra mais do que eficiente para calar o inimigo. O governador faz de conta que se desloca até Joinville para reforçar a lista dos candidatos do governo às próximas eleições de 15 de setembro de 1890. Mas, muito em segredo, ele vai a Curitiba e retorna com uma solução prática para o problema dos limites do Alto da Serra, baseada em quatro princípios, devidamente sacramentados pelos dois governadores:
- abolição do Imposto de Importação e Exportação, excluída a erva-mate;
- cobrança do Imposto da Erva-Mate apenas no porto de São Francisco e sua divisão em partes iguais entre Santa Catarina e Paraná;
- levantamento da planta exata do território contestado com o auxílio da União;
- encaminhamento da questão de limites ao Congresso Nacional.
O Imposto de Exportação da Erva-Mate, que era de 2%, foi elevado para 4%. A mesma taxa que o governo de Curitiba arrecadava no porto de Paranaguá. É sempre assim nas terras do Contestado: Santa Catarina e Paraná vivem trocando seis por meia dúzia!
ENSAIO PARA O CONFLITO
Em 1899, o governador Felipe Schmidt busca uma nova saída para a questão dos limites e contrata os serviços do advogado Manoel da Silva Mafra. Ele deverá voltar ao Supremo Tribunal Federal, desta vez com uma ação de reivindicação de posse, para obrigar o Paraná a recolher-se no outro lado dos rios Negro e Iguaçu. Em 6 de julho de 1904, o Tribunal proclama-se competente para tomar conhecimento da questão, com o argumento que os limites desejados por Santa Catarina foram estabelecidos, através do tempo, pelas autoridades que tinham competência para fazê-lo. E manda respeitar os limites já demarcados desde 1749. O Paraná contesta a ação. Passados cinco anos, 24 de dezembro de 1909, o Supremo reafirma a decisão de 1904. As autoridades de Curitiba não reconhecem a decisão da mais alta corte do país com o argumento de que a Constituição Federal de 1891 estabelecia que os casos de limites entre os estados da Federação deveriam ser resolvidos politicamente e não juridicamente. Logo, a questão só poderia ser definida mediante acordo das respectivas Assembleias Legislativas homologado pelo Congresso Nacional. A maioria das lideranças políticas do território em litígio, principalmente no Contestado Norte - região de Itaiópolis, Papanduva e Canoinhas - não aceita a administração catarinense. São poloneses, inimigos históricos dos alemães! Os poloneses também não gostavam dos alemães que o Paraná havia instalado em Mafra, Rio Negro e Porto União da Vitória. E a recíproca era verdadeira. No decorrer de 1905, a situação torna-se explosiva na região de Canoinhas. O antigo maragato Demétrio Ramos reúne em torno de si alguns sertanejos assalariados, em armas. Ele age protegido pelo governo de Santa Catarina, de cujas autoridades recebe recursos de toda ordem, segundo é voz corrente na região. Assustado, o Paraná também azeita as armas e recorre ao grupo armado do coronel da Guarda Nacional, Fabrício Vieira. Na região disputada pelos dois estados, em Timbó, por questões de ordem policial, na véspera do Natal de 1905, três homens e uma mulher são assassinados por desconhecidos. Antes que as autoridades de Santa Catarina tomem providências para esclarecer o crime, forças policiais e civis do Paraná atacam a residência do coronel Demétrio Ramos, suspeito de ser o mandante dos quatro homicídios. Queimam-lhe a casa e prendem-lhe a esposa e os filhos. Nessa mesma invasão também são presos o inspetor de polícia da cidade e mais três catarinenses. Junto com familiares de Demétrio Ramos, todos são metidos na cadeia em Porto União da Vitória, cidade paranaense. Enquanto isso, o Paraná mantém um vapor nas águas do Rio Iguaçu guarnecido com armas com o pretexto de garantir um território nunca invadido e jamais contestado pelos catarinenses. Tropas federais são enviadas às pressas e se metem entre os dentes afiados dos galos-de-briga. O estopim de um enfrentamento em marcha foi desarmado. Demétrio Ramos concorda em debandar o seu pessoal e se transfere para fora do Estado. Mas o grupo chefiado pelo ex-maragato prefere ficar na região. Combustível fácil para os quadros santos dos seguidores do monge José Maria.
SOLUÇÃO JUDICIAL FALHA
Os últimos 10 anos do século XIX costuram uma difícil convivência entre Santa Catarina e Paraná pela radical impossibilidade de ser resolvida a questão dos 40 mil quilômetros quadrados de terras exigidos, ao mesmo tempo, pelos dois estados. Santa Catarina arma uma tentativa de solução quando a Lei 242, de 1896, autoriza o governador Hercílio Luz a entrar em acordo com o Paraná para que a questão de limites seja resolvida por arbitramento. Os vizinhos também decidem entrar na mesma cartilha e escolhem o nome do vice-presidente da República, Manuel Victorino Pereira, como árbitro, condicionando que a decisão dele deveria ser homologada pelo Supremo Tribunal Federal. Os dois contestadores, com a respectiva documentação, apresentam-se no Supremo Tribunal Federal. “Pelo amor de Deus, ministros, consertem os nossos limites. Já estamos no limite da impaciência”. O Tribunal não aceita pronunciar-se sobre o problema do arbitramento, alegando que só poderia manifestar-se quando fosse acionado por uma ação judicial.
Das memórias do senador paranaense Alencar Guimarães.
“A idéia do arbitramento para definir a questão dos limites entre Paraná e Santa Catarina resultou de estudo feito pelos advogados dos dois estados, Ubaldino do Amaral e conselheiro Mafra, sobre o processo a adotar para a validade e força jurídica do laudo arbitral, em questão dessa natureza, e depois de audiência do conselheiro Aquino e Castro, então presidente do Supremo Tribunal Federal. Era opinião desse eminente jurisconsulto que o processo arbitral em casos desses só poderia produzir efeitos jurídicos se o respectivo compromisso fosse firmado perante o Supremo Tribunal Federal e este homologasse o laudo proferido pelo árbitro escolhido. Foi exclusivamente por tal motivo que os representantes federais dos dois estados, em reunião celebrada a 22 de maio de 1896, na Rua do Ourives, 19, no Rio de Janeiro, firmaram um ajuste, em que incluíram as seguintes cláusulas:
I - Comprometem-se os representantes dos dois estados a promover nas respectivas Assembleias, no corrente ano, a adoção de uma lei autorizando o arbitramento na questão de limites, devendo os governadores nomearem de comum acordo um só árbitro.
II - Dentro de dois meses, depois de publicada a lei nos dois estados, os governadores elegerão o árbitro e nomearão procuradores perante o Supremo Tribunal Federal, e perante o árbitro com os poderes necessários para os fins das leis votadas.
De comum acordo, iniciarão os procuradores a ação perante o Tribunal, requerendo que, distribuído o feito, seja tomado o termo de compromisso e se expeça comunicação ao árbitro nomeado, cuja resposta se juntará aos autos. (...)
V - A decisão proferida será sem novas alegações, nem documentos, submetida à homologação do egrégio Supremo Tribunal Federal.
VI - Desde a homologação, torna-se obrigatória a sentença, mas não terá efeito retroativo e, portanto, serão respeitados os direitos adquiridos pelos particulares.
Essas cláusulas foram aceitas sem divergências pelos representantes dos dois estados, os senadores Raulino Horn, Esteves Júnior, Gustavo Richard, Arthur de Abreu, Alberto Gonçalves e Vicente Machado, bem como os deputados federais Tolentino de Sousa, Paula Ramos, Brazílio Luz, Alencar Guimarães, Lamenha Lins, Almeida Torres, Emílio Blum e Lauro Müller, cabendo a este último, segundo consta da respectiva ata, a exposição dos motivos que justificaram o ajuste feito.
As Assembleias Legislativas dos dois estados, conformando-se em sua unanimidade com tal deliberação de seus representantes federais, votaram sem demora as leis de autorização para o arbitramento combinado. Os dois governadores, em cumprimento e obediência às suas cláusulas, assentaram de comum acordo na escolha para árbitro, o doutor Manoel Victorino Pereira, então vice-presidente da República. Quando, porém, foi necessário requerer ao Supremo Tribunal a assinatura do respectivo compromisso, o eminente Aquino e Castro, com surpresa para os advogados dos dois estados que o haviam ouvido previamente, como já ficou dito, declarou o Tribunal incompetente para intervir no processo arbitral combinado, e isso consta dos dois últimos itens da petição inicial de Santa Catarina na ação ordinária de limites entre os dois estados.” (GUIMARÃES, Alencar. Questão de Limites. Paraná-Santa Catarina. Atos e Fatos. Curitiba, Oficinas de O Estado, 1916, pág. 29-31).
A CRIAÇÃO DE CANOINHAS
Monumento do Contestado em Irani - SC - berço do conflito
Em 1889, Francisco de Paula Pereira, proprietário de um engenho de erva-mate em São Bento, com algumas famílias da região, transfere-se para as margens do Rio Canoinhas, 100 quilômetros na direção oeste do ponto de partida, porque ali estava a erva-mate que em São Bento ele comprava dos caboclos. Estabelecidos a poucos quilômetros da margem esquerda do Rio Negro, era natural que os novos povoadores catarinenses viessem a sofrer os atropelos e as correrias de um território contestado por Santa Catarina e pelo Paraná. Por isso, nos primeiros tempos, o novo núcleo vive uma situação de terra-de-ninguém e de todos. E seus habitantes não contam com o apoio de qualquer autoridade porque nenhum dos dois estados se atreve a exercer a respectiva jurisdição plena. O território em disputa transforma-se num paraíso sem impostos e num refúgio sem castigo para toda a espécie de impostores. Na tentativa de reverter a perigosa situação, em novembro de 1899 o governo do Paraná cria o Distrito Policial de Canoinhas e nomeia Roberto Elke para o cargo de subcomissário. O escolhido recusa o posto argumentando que o território pertence a Santa Catarina e que, portanto, a indicação recebida é nula de pleno direito. Como prova de que exerce a plena jurisdição sobre as terras da região, o coronel Albuquerque, prefeito de Curitibanos, cria o Distrito de Paz e Policial de Canoinhas e nomeia o mesmo Roberto Elke como subcomissário. O indicado aceita a designação. Decorridos nove anos desde a sua fundação, a vila conta apenas com 60 casas e magras centenas de habitantes. Mesmo assim, e antes que o Paraná tome a decisão, com a Lei 907, de 12 de setembro de 1911, Santa Catarina transforma o distrito em município. O major Tomaz Vieira é designado como o primeiro superintendente. A criação do município de Canoinhas desencadeia uma série de protestos do Paraná. Isto porque, por uma lei paranaense, o território do município de Rio Negro incluía toda a área do novo município de Santa Catarina. Ao sul, os limites de Rio Negro iam até Lages. Mais tarde se contentaram em chegar só até Curitibanos, nos campos da Estiva. Anos depois, por sugestão de Oswaldo Rodrigues Cabral, a cidade Santa Cruz de Canoinhas inscreve em seu brasão o lema “Catharinensis semper”. De fato, “sempre catarinense”. Mas ela deverá pagar um alto preço de angústias e mortes durante toda a Guerra do Contestado.
BARREIRAS FISCAIS
O Decreto número 1, de 15 de novembro de 1889, assinado pelo marechal Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório, determina que as províncias sejam transformadas em estados e que elas mesmas organizem o respectivo governo. Nenhuma palavra sobre os eventuais problemas de limites que possam existir entre as antigas unidades do Império. Para Santa Catarina e Paraná, a decisão do governo federal é desconfortável, já que os dois novos estados, nos últimos 15 anos do Império, haviam convivido com graves desencontros no alto da Serra do Mar, região de São Bento, pela impossibilidade de fixar o ponto exato dos respectivos limites. Nos primeiros dias de julho de 1890, mais uma vez o Paraná cruza o Rio Negro e planta quatro barreiras fiscais que impedem a livre descida da erva-mate para a sua industrialização, em Joinville, e o posterior embarque no porto de São Francisco do Sul, rumo ao mercado consumidor do Rio da Prata. As barreiras levantam protestos em São Bento, em Joinville, no Desterro e na colônia catarinense do Rio de Janeiro, comandada por Esteves Júnior, respeitado político do novo regime republicano recém-instalado. O governador do Paraná, Américo Lobo, garante que as barreiras foram levantadas fora da zona contestada e que a medida protegia a erva-mate produzida no outro lado dos rios Negro e Iguaçu: o produto paga imposto para descer até o porto de Paranaguá. Como no lado de cá dos dois rios também era território do Paraná, o governador vizinho chega até a estranhar as pretensões de Santa Catarina, já que suas autoridades desejavam ocupar terras que nunca lhes haviam pertencido.