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domingo, 29 de janeiro de 2012

Gilberto Gil chega aos 70


A morte, a vida, a arte...Gilberto Gil passou sete décadas fazendo perguntas a si e aos outros. Não chegou às respostas, mas aprendeu algo importante: fazer mais perguntas
Julio Maria – de O Estado de S.Paulo
O garoto que vinha naquele trem direto de Bonsucesso pra depois do ano 2000 chega introspectivo, cheio de perguntas, mais ‘da terra’ e menos tropicalista que seu outro passageiro, Caetano Veloso. Gilberto Gil, 70 anos em 26 de junho próximo, não sente falta da sauna a vapor que fazia suas ideias ferverem em outras eras. Arrisca-se a dizer que prefere o Gil de hoje. Ao contrário de Caetano e Chico Buarque, que considera artistas em pleno processo evolutivo de linguagem, ele quer a calma dos recantos, a serenidade. Seu próximo disco, diz ao C2+Música, será enfim o álbum só de sambas anunciado há mais de dez anos. Um parceiro sambista, ainda sob sigilo, será chamado para dividir o projeto com ele. E a produção deverá ficar nas mãos de Moreno Veloso, filho de Caetano, e de seu próprio filho, Bem Gil. Com sua obra toda na internet recém-reunida no site gilbertogil.com.br, o baiano de Tororó diz que não se preocupa em ter respostas para tudo. Mas tem.
"Meu filho disse: 'É gozado alguém ter orgulho do pai ter sido preso, mas eu tenho orgulho de você'"
Existe essa história de que o tempo dá sabedoria, serenidade, equilíbrio..
Caetano diz que quem não morre fica velho. E quem fica velho amadurece, passa a ter mais escopo, mais visão, mais clareza, quietude.
Mas isso é bom para o criador? A voracidade não lhe faz falta?
Isso cria uma rarefação da atmosfera criativa. Na juventude, a atmosfera é densa, saturada de paixão, interesse, tensão, desejo permanente de apropriação da poesia, da música. Não sei se o jovem cria melhor, mas cria mais. O tempo tira a sauna a vapor, não há mais aquele desafio.
A sauna não lhe faz falta?
Olha, para lhe ser sincero eu até gosto mais hoje, eu me preparei para a velhice. Eu venho ficando velho há muito tempo, me preparo para a velhice, me preparo para a morte, coisas que não interessam a muita gente.
Se prepara para a morte?
Entro com tranquilidade em cada novo portal da vida, sendo que a morte é o último deles. Você entra em um, em dois, três, quatro, cinco... A morte é o último e faz parte da vida.
Vejamos na hora...
(Risos) Ah, na hora é outra coisa. Digo lá na última estrofe daquela música (Não Tenho Medo da Morte), como é? (Repórter cantarola "Se Eu Quiser Falar com Deus"). Não, não é essa. Essa é sobre Deus, Não Tenho Medo da Morte é sobre mim. Não tem Deus nenhum na história (risos). "Naquele instante então, sentirei quem sabe um choque, um piripaque, um baque, um calafrio ou um toque. Coisas naturais da vida, como comer, caminhar. Morrer de morte matada, morrer de morte morrida, quem sabe eu sinta saudade, como em qualquer despedida..." Isso é lindo. Só na hora que vou ver. Quem sabe eu sinta saudade, como em qualquer despedida...
E você continua não dando a mínima para o que está lá do outro lado...
Sim, porque o que está lá do outro lado não nos diz respeito. Por isso é que digo que não tenho medo da morte, mas sim medo de morrer, porque morrer é ato, me dirá respeito, estarei envolvido naquilo. "Terei que morrer vivendo, sabendo que já me vou."
A felicidade produz menos?
Sei não, os momentos de júbilo são muito generosos, eles mexem com a fantasia. Me deram muita música de festa, muita celebração.
Mas não foram nos anos de ditadura, de sofrimento coletivo e social, que formou-se uma escola de grandes metáforas? Devemos à ditadura a qualidade poética de nossas letras?
Sim, pelo menos em uma boa parte. Eu, Caetano, Chico, Edu Lobo, Vandré, Gal, Rita Lee... Vá botando nome nisso aí. A gente tinha de criar os simulacros disso e daquilo, as metáforas, a gente tinha que ficar ali fazendo o trabalho que o publicitário faz. Como é que doura essa pílula, como é que fala da revolta sem dizer o nome dela, como falar da indignação sem levantar suspeitas?
E aí você vai para o exílio, e isso é um prato cheio para um criador, não?
Quando me exilei, aquilo tudo foi-se embora também, foi comigo para o exílio. Exilou-se comigo. Eu não era como os meninos da militância política, para quem o exílio era classicamente exílio. Eu era um artista e minha militância era um episódio de minha vida de artista, não era a essência, não era meu ofício militar.
Mas ali você também ganha um carimbo a seu favor, o de 'exilado'.
Sem dúvida. Ontem mesmo meu filho disse para mim: "É gozado alguém ter orgulho de o pai ter sido preso, mas eu tenho um orgulho danado de você ter sido preso, pai". (Em 1976, Gil foi preso por porte de maconha). Ser contra a ditadura era um ato heroico, era grandioso. O exílio carimbou um passaporte para mim (risos).
Agora dá até parar rir.
Quando fomos para Londres, o fantasma da prisão era muito recente, a gente tinha medo, ninguém sabia como seria o futuro do Brasil. Eu pensava em quando poderia voltar, como voltar... Fiquei 1969, 1970, 1971. E se tudo permanecesse, sei lá por quanto tempo, e se esse tempo tomasse minha vida toda? Poder sorrir do exílio não era tão possível no exílio.
Colocar Beatles com Banda de Pífanos de Caruaru, você diz, foi a semente da Tropicália. A teoria era fantástica, mas a turma não deixou muita gente boa de fora? Excluir não foi um erro?
Nós pagamos por sermos radicais. Quem pagou o preço por fazer o que fizemos fomos nós, e um dos preços foi o exílio. Não flutuamos na superfície da facilidade, da unanimidade, da grande recepção popular. A Tropicália tinha um preço, mas também tinha um resultado, um produto. Quem não veio participar não deixou seu peso na história.
Foi de gaiato que você entrou naquela Passeata Contra a Guitarra Elétrica (liderada por Elis Regina em 1967, com Edu Lobo e Jair Rodrigues)?
Era um prazer, eu era atraído por Elis, sonhei em ser namorado dela, me apaixonei, mas nunca disse nada. Eu participava com ela daquela coisa cívica, em defesa da brasilidade, tinha aquela mítica da guitarra como invasora, e eu não tinha isso com a guitarra, mas tinha com outras questões, da militância, era o momento em que nós todos queríamos atuar. E aquela passeata era um pouco a manifestação desse afã na Elis.
E foi a maior prova de amor que você já deu a alguém.
(Risos) Sem dúvida a maior que já dei em minha vida (risos). Caetano não quis participar porque aquilo tinha um resultado negativo, negava uma série de coisas que a ele interessava afirmar naquele momento. No meu caso, eu saí desse jogo. Não quis fazer esse jogo, se eu fosse colocar como termo da equação essas questões e tirar a Elis da equação eu não teria ido. Mas eu fiz o contrário, eliminei todos os outros termos da equação e deixei ali só a Elis. Determinei meu ato, pautei meu ato por aquela questão. A questão era ela. Eu não tinha nada contra a guitarra elétrica.
Ouviu o disco novo da Gal, produzido pelo Caetano? Não estranhou nada?
Não me estranhou nada, primeiro porque é uma iniciativa do Caetano, faz parte da linha evolutiva dele, que acontece desde o Estrangeiro, ou se quisermos, desde o Cê.
E como fica Gal?
A Gal está ali, ela sempre foi uma coadjuvante importante para Caetano, desde Domingo. Na turma baiana, esse par se fez logo, Gal e Caetano são uma parelha. Caetano não tem inibição nenhuma em colocar a Gal nesses trabalhos de coadjuvância.
Eles arriscam bem, não parecem estar na desaceleração que você diz estar aos 70 anos.
Ah sim. E na mesma direção vai o disco novo do Chico Buarque, que é de progressão de uma proposta. Chico e Caetano estão em progressão. Eu sou outra pessoa. Ao menos como proposta, não estou em evolução. Estou no caminho contrário, revisitando recantos da infância, da festa nordestina.
Seu próximo disco assim?
Vou fazer o disco de sambas finalmente, mas já falei demais sobre isso, parece que quando falamos não acontece. Bom, posso te dizer que vou chamar o Moreno Veloso e meu filho, Bem, para produzir. E que terá um sambista importante. Vamos ver.

sábado, 28 de janeiro de 2012

ARTE: Um olhar sobre seu significado


A historicidade do homem sempre esteve relacionada com a arte, a ponto de seu ensino-aprendizagem participar das normas e valores estabelecidos nos ambientes culturais da produção artística de todos os tempos.
A arte não tem equivalente exato nas antigas línguas européias, que são muito complexas em sua terminologia. Então, nada melhor do que recorrer ao seu significado etimológico. A palavra "arte" deriva do latim ars − talento, saber fazer.
Alguns filósofos isolam determinadas características encontradas em todas as artes e a percebem, sob o olhar da ciência da arte, na estética e na metafísica. Platão, por exemplo, percebeu uma distinção entre Arte e Ciência.
Arte, para Platão, é o raciocínio, como a própria filosofia no seu grau mais alto, isto é, a dialética. Arte é tudo, é todo e qualquer conhecimento. É a poesia, embora a esta seja indispensável uma inspiração delirante. É política, guerra, medicina. Arte é respeito e justiça, sem os quais os homens não podem viver juntos nas cidades. Desse modo, para Platão, a arte compreende todas as atividades ordenadas.
Aristóteles restringiu notavelmente o conceito de arte. Ele afirmava que "a natureza é princípio da coisa mesma; a arte é o principio em outra coisa". (apud JUPIASSU, 1990, p. 26). Tal ótica baseia-se na arte pré-artística, isto é, a natureza existe e, por conseguinte, a arte foi criada a partir da natureza.
Na verdade, a arte não esgota os poderes da imaginação, mesmo que se satisfaça a necessidade normal da expressão estética. "A arte não tem importância para o homem somente como instrumento para desenvolver sua criatividade, sua percepção etc., mas tem importância em si mesma, como assunto, como objeto de estudo." (BARBOSA, 1975, p. 90)
Arte é qualidade e exercita a habilidade de julgar e de formular significados que excedem a capacidade de dizer em palavras. É o limite que nossa consciência excede é a superação, pela nossa consciência, dos limites impostos pelas palavras.
A afirmação "a arte começa onde apenas começa", (VIGOTSKY, 1998, p. 249) significa que a verdadeira arte se revela nos elementos ínfimos pincelados num quadro, acrescidos a um texto, marcados numa escultura. Vygotsky diz também que a arte é uma catarse. Transmutando os sentimentos no seu contrário, na direção inversa à habitual, ela se converte em poderosíssimo instrumento de descargas nervosas, e esse caráter contraditório é a sua alma.
Fisher (1997, p. 11) concebe a arte como o "substituto da vida". A arte concebida como o meio de colocar o homem em estado de equilíbrio com o meio circundante refere-se a uma idéia que contém o reconhecimento parcial da natureza da arte e da sua necessidade.
Mas será mesmo a arte um substituto da vida? Ou será que ela expressa a relação profunda que há entre o homem e o mundo? O homem deseja absorver o mundo a seu redor, integrá-lo a si. Além disso, anseia por entender a ciência e a tecnologia. Enfim, o homem quer entender o seu "eu" curioso, bem como tornar social a sua individualidade.
Para que haja equilíbrio entre o homem e o mundo que o circunda, a arte será indispensável. Ela facilitará essa união do indivíduo com o todo, apontando, assim, o caminho para a sua plenitude. Logo, esta relação dialética é inerente à arte, uma vez que ela não só é necessária para determinada função, mas continuará sendo sempre necessária.
A arte manifesta-se nas chamadas artes plásticas ou visuais, da palavra e da música. Qualquer que seja seu enfoque, sempre estão presentes os pressupostos da estética, da filosofia da arte, da psicologia da arte e da ciência da arte, fundamentados, de um modo ou de outro, na harmonia.
Toma-se como exemplo a música e compara-se o músico com o arquiteto. Ambos trabalham com a harmonia. O músico, com a harmonia dos sons e o arquiteto, com a harmonia do espaço.
O simples fato de ser a música uma combinação de sons sucessivos ou simultâneos, certos ritmos, seqüências de tons e imagens sonoras provocam associações automáticas que despertam a participação direta de quem os ouve. Com isso, vê-se que a música, a mais surpreendente das artes, suscita um sentimento indefinido, capaz de permitir diversas associações.
[...] Embora a arte possa ser aparentemente apreciada por qualquer pessoa do povo, sobretudo a música, ela vive, na realidade, numa atmosfera diferente de que se supõe. É como a certeza que nem todo mundo de mediana cultura, da existência do oxigênio do ar atmosférico, mas ninguém o vê. (VILA LOBOS, 1991, p. 8)
Todo povo tem o direito de ter, sentir, cantar e apreciar a sua música. Não é possível considerar a música como algo à parte na vida dos indivíduos. Por concebê-la como um fenômeno vivo da criação de um povo. Também não pode ser considerada um enfeite, uma diversão das elites. A música é superior a tudo isso, ela é a própria voz da nação.
Schopenhauer (apud. READ, 1978, p. 19) "foi o primeiro a dizer que todas as artes aspiram à condição da música". Tal observação provocou divergências, apesar de ser considerada verdade. Aquele filósofo encarava as qualidades abstratas da música por ser possível, ao artista, dirigir seu apelo diretamente ao público, dispensando a intervenção de um meio de comunicação de uso comum para outros fins.
[...] O papel da arte na educação é grandemente afetado pelo modo como o professor e o aluno vêem o papel da arte fora da escola.[...]. Uma educação pela arte não é, necessariamente, anticientífica, pois a própria ciência depende da clara manifestação de fenômenos sensoriais e é, forçosamente, retardada pelo "jogo da linguagem". Mas uma educação pela arte não prepara os seres humanos para os atos irracionais e mecânicos da indústria moderna, não os concilia com um lazer destituído do propósito construtivo, não os deixa satisfeitos com o entretenimento passivo. (READ, 1968, p. 33)
Deve-se ter uma visão ampla, pois a arte está em toda parte, na vida que passa. Até onde a mão e a presença humana alcançam, o ato criador está presente. A arte contemporânea não é mais comportada, ela é efêmera. Convive-se com a arte, que ultrapassou as portas dos museus.
Os trabalhos com obras de arte devem estar relacionados com a apreciação, a contextualização, no seu tempo e espaço, porque a arte não está separada da economia, política e dos padrões sociais que operam na sociedade. Estes trabalhos poderão ser um fator determinante para a transformação da educação, formando indivíduos capazes de perpetuar e transformar a arte como artistas ou apreciadores. (BARBOSA, 1999, p.57).
Necessário nesse caminho será a criação de novos valores, já que esta transformação se constitui em ameaça aos atuais sistemas. O processo de criação efetiva-se em duas vertentes. Como educadores, percebe-se pelo lado de fora; como artistas, ele é visto por dentro; e ambos os processos integrados, constituem o ser humano completo. Educa-se para promover a inteligência, para promover a atividade, para assegurar o progresso. Arte-educação é epistemologia da arte e, portanto, é a investigação dos modos como se aprende arte na escola, quer seja no ensino fundamental, médio ou superior, ou mesmo na intimidade dos ateliers.
Hoje em dia, dentro de uma visão fenomenológica, considera-se o belo como uma qualidade de certos objetos singulares que são dados à percepção. O objeto é belo porque realiza seu destino e carrega um significado que só pode ser percebido na experiência estética. Cada objeto singular estabelece seu próprio tipo de beleza. O belo e a expressão artística são atingíveis somente pela interpretação mental e, por conseguinte, se constituem objetos apenas de sentimento estético superior.
Diferencia-se o sentimento estético diante dos demais sentimentos comuns, em vista de serem estes últimos produzidos pelos objetos comuns e não pelos artísticos e belos. Por outro lado, afirma-se que a atitude que propicia a experiência estética, em arte, ocorre gratuitamente, isto é, não visa a um interesse prático e imediato. No entanto, não se pode-entender a gratuidade dessa experiência como inutilidade, uma vez que ela responde a uma necessidade humana e social. Tal enfoque é feito por Dewey, (1952, p. 54): "O princípio de que o desenvolvimento da experiência se faz por interação do indivíduo com pessoas e cousas significa que a educação, essencialmente, um processo social".
A experiência estética não visa ao conhecimento lógico medido em termos de verdade e ação imediata nem pode ser julgada por sua utilidade para determinado fim. Ela se dá pela presença tanto do objeto estético como do sujeito que o percebe, manifestando acordo entre a natureza e o sujeito numa espécie de comunhão, cuja via de acesso é o sentimento. Esse sentimento, portanto, não é emoção, é conhecimento.
Criar e conhecer são indissociáveis, e a flexibilidade é condição fundamental para aprender. Não conhecer arte é ter uma aprendizagem limitada. A arte produz conhecimentos e envolve a experiência de refletir como objeto do conhecimento.
Ao contrário do que se pensa, o conhecimento, muitas vezes, é obtido pelas observações efetivadas pelos sentidos:
Daquilo que eu sei
Nem tudo me deu clareza
Nem tudo foi permitido
Nem tudo foi concebido
Daquilo que eu sei.[...] (LINS, 1980).
Por outro lado, as propriedades psicológicas da arte importam, sobretudo, pelos efeitos que exercem sobre o comportamento do indivíduo.
Considera-se a esteticidade como uma das propriedades psicológicas da arte. Trata-se de um sentimento de satisfação provocado pelo conhecimento. Portanto, a esteticidade da arte pode ocorrer em dois níveis.
A esteticidade do significante é pré-artística e decorre do portador material da obra de arte. As formas da escultura, antes mesmo de serem portadoras de expressão, podem manifestar-se como belas. O mesmo pode acontecer com as cores da pintura e os sons da música, apreciáveis esteticamente no momento pré-artístico.
Já a esteticidade como significado é artística, resulta da informação contida na expressão. Essa informação proveniente da arte é sempre intelectual, porque somente a inteligência consegue interpretar o que a arte diz.
Ambas as esteticidades são apreciáveis propriedades da Arte, mas é preciso distingui-las com clareza. Conseqüentemente, a esteticidade propriamente artística é sempre de ordem superior, situada no plano do sentimento racional. A esteticidade pré-artística situa-se a nível racional quando se trata do belo.
Nessa perspectiva, observe-se como é focalizada a beleza sob a ótica do compositor Caetano Veloso: Não me amarra dinheiro não
Mas formosura
Dinheiro não
A pele escura [...]
Moça preta do Curuzu
Beleza pura [...] (VELOSO, 1987)
Percebe-se, assim, como a estética, freqüentemente, aparece ligada à noção de beleza. É exatamente por causa dessa ligação que a arte vai ocupar um lugar privilegiado na reflexão estética, já que, durante muito tempo foi considerado como sua função primordial exprimir a beleza de modo sensível.
Assim sendo, a função estética da obra de arte é aquela que instaura um jogo de linguagem em torno de um objeto significante: de um lado está o artista, o criador do objeto; de outro, está o contemplador, o intérprete dos conceitos estéticos que o artista tem a intenção de juntar ao objeto significante.
A esteticidade é um sentimento de satisfação provocado pelo conhecimento quando considerado como um bem. Resolver um simples problema da matemática resulta em prazer, que é de natureza estética, por ter provocado um conhecimento. Neste mesmo plano do conhecimento também a arte gera esteticidade.
Se conhecimentos sensíveis são um bem para faculdades sensíveis, seu agrado estético é, também, sensível. Da mesma forma, se os conhecimentos intelectuais são um bem para a faculdade da inteligência, seu agrado estético é, por sua vez, racional.
Sempre que as ciências produzem conhecimentos, por mais diversos que estes sejam, resultam em esteticidade. Varia o grau de esteticidade da arte conforme o objeto que se apresenta. Assim, percebe-se por que a música é considerada como a mais estética entre todas as artes. Sumamente prazerosa, a música é a mais agradável das expressões artísticas. "Mais agradável que a música, só mesmo o silêncio". (DANTE VEOLECI, [s.n.t])
Os objetos abstratos, que a arte formal oferece, apesar de seu intelectualismo, também são capazes de provocar sentimento estético. Assemelha-se a esteticidade da arte abstrata a esteticidade dos objetos científicos, tais como os da matemática ou da filosofia. É notório que a súbita solução de problemas matemáticos, filosóficos, sobretudo transcendentais despertam grande satisfação.
Das relações entre a arte e os homens resultam três diferentes concepções da arte: a arte como ciência; a arte como experiência estética e a arte como conhecimento. Assim sendo, questiona-se: Que relações existem entre a reação estética e as demais reações do homem? Como se relacionam arte e vida? Numa complexidade de inter-relações, diz Vygotsky, (1998, p. 259): A reação estética lembra o fato de tocar piano: é como se cada componente da obra de arte tocasse a respectiva tecla sensorial do nosso organismo, recebendo como resposta um som ou um tom sensorial, e toda reação estética fosse constituída de impressões emocionais que surgem como resposta aos toques nas classes.
Isso significa que a arte pode criar uma imensa necessidade de atuar. Dependendo daquilo que libere ou reprima, ela pode nos impulsionar a aspirar além da vida. Surgindo da vida e para ela se dirigindo, o papel da arte é fundamental como atitude dialética de edificação da vida, tanto que era exercida por curandeiros ou sacerdotes que compreendiam o mundo de forma mítica.
Reproduzido de http://esteticaehistoriadarte.blogspot.com.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Carlinhos Brown no Oscar 2012


"A Invenção de Hugo Cabret" lidera indicações ao Oscar
Da ILUSTRADA - Folha de São Paulo 
"A Invenção de Hugo Cabret", de Martin Scorsese, recebeu o maior número de indicações ao Oscar 2012, concorrendo em 11 categorias. O francês "O Artista" vem na sequência com 10 indicações.
Carlinhos Brown
Apesar de ter ficado fora do Oscar de filme estrangeiro, o Brasil aparece na categoria melhor canção original com a indicação de Sergio Mendes e Carlinhos Brown pela música "Real in Rio", da animação "Rio". Eles concorrem com "Man or Muppet", de "Os Muppets". Os indicados foram anunciados nesta terça-feira. O anúncio foi feito no Samuel Goldwyn Theater pelo presidente da Academia, Tom Sherak, e pela atriz Jennifer Lawrence, indicada ao Oscar do ano passado por "Inverno da Alma". Os vencedores serão revelados no dia 26 de fevereiro no Kodak Theatre com apresentação de Billy Crystal, que volta ao comando da cerimônia após oito anos. Confira abaixo os indicados ao Oscar 2012 e saiba se eles já estão em cartaz no Brasil:
Filme
"A Árvore da Vida" (já lançado em DVD)
""Os Descendentes" (estreia nesta sexta-feira)
"Histórias Cruzadas" (estreia em 3 de fevereiro)
Cena de "A Invenção de Hugo Cabret", líder de indicações ao Oscar 2012
"A Invenção de Hugo Cabret" (estreia em 17 de fevereiro)
"O Homem Que Mudou o Jogo" (estreia em 17 de fevereiro)
"Cavalo de Guerra" (em cartaz)
"O Artista" (estreia em 10 de fevereiro)
"Meia-Noite em Paris" (já lançado em DVD e Blu-ray)
"Tão Forte e Tão Perto" (estreia em 2 de março)
Direção
Woody Allen - "Meia-Noite em Paris"
Michel Hazanavicius - "O Artista"
Alexander Payne - "Os Descendentes"
Martin Scorsese - "A Invenção de Hugo Cabret"
Terrende Malick - "A Árvore da Vida"
Ator
Demián Bichir - "A Better Life" (sem data de estreia)
George Clooney - "Os Descendentes"
Jean Dujardin - "O Artista"
Gary Oldman - "O Espião Que Sabia Demais" (em cartaz)
Brad Pitt - "O Homem Que Mudou o Jogo"
Atriz
Glenn Close - "Albert Nobbs" (estreia em 2 de março)
Viola Davis - "Histórias Cruzadas"
Rooney Mara - "Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres" (estreia nesta sexta)
Meryl Streep - "A Dama de Ferro" (estreia em 10 de fevereiro)
Michelle Williams - "Sete Dias com Marilyn" (estreia em 10 de fevereiro)
Ator Coadjuvante
Christopher Plummer - "Toda Forma de Amor" (já lançado em DVD)
Jonah Hill - "O Homem Que Mudou o Jogo"
Kenneth Branagh - "Sete Dias com Marilyn"
Nick Nolte - "Guerreiro"
Max von Sydow - "Tão Forte e Tão Perto"
Atriz Coadjuvante
Berenice Bejo - "O Artista"
Jessica Chastain - "Histórias Cruzadas"
Melissa McCarthy - "Missão Madrinha de Casamento" (já lançado em DVD)
Janet McTeer - "Albert Nobbs"
Octavia Spencer - "Histórias Cruzadas"
Roteiro original
"O Artista" - Michel Hazanavicius
"Missão Madrinha de Casamento" - Kristen Wiig, Annie Mumolo
"Margin Call - O Dia Antes do Fim" - J.C. Chandor (já lançado em DVD)
"Meia-Noite em Paris" - Woody Allen
"A Separação" - Ashgar Farhadi
Roteiro adaptado
"Os Descendentes" - Alexander Payne, Nat Faxon, Jim Rash
"A Invenção de Hugo Cabret" - John Logan
"Tudo pelo Poder" - George Clooney, Grant Heslov, Beau Willimon (em cartaz)
"O Homem que Mudou o Jogo" - Steven Zaillian, Aaron Sorkin, Stan Chervin
"O Espião que Sabia Demais" - Bridget O'Connor, Peter Straughan
Animação
"Um Gato em Paris"
"Chico & Rita" (sem data de estreia)
"Kung Fu Panda 2" (já lançado em DVD e Blu-ray)
"Gato de Botas" (em cartaz)
"Rango" (já lançado em DVD e Blu-ray)
Canção Original
"Man or Muppet" - "The Muppets" - Música e Letra de Bret McKenzie (em cartaz)
"Real in Rio" - "Rio" - Música de Sergio Mendes e Carlinhos Brown e letra de Siedah Garrett (já lançado em DVD e Blu-ray)
Trilha sonora
"As Aventuras de Tintim" - John Williams (em cartaz)
"O Artista" - Ludovic Bource
"A Invenção de Hugo Cabret" - Howard Shore
"O Espião que Sabia Demais" - Alberto Iglesias
"Cavalo de Guerra" John Williams
Filme estrangeiro
Bélgica - "Bullhead" - Michael R. Roskam (sem data de estreia)
Canadá - "Monsieur Lazhar" - Philippe Falardeau (sem data de estreia)
Irã - "A Separação" - Asghar Farhadi (em cartaz)
Israel - "Footnote" - Joseph Cedar (sem data de estreia)
Polônia - "In Darkness" - Agnieszka Holland (sem data de estreia)
Efeitos visuais
"Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 " (já lançado em DVD e Blu-ray)
"A Invenção de Hugo Cabret"
"Gigantes de Aço"
"Planeta dos Macacos: A Origem" (já lançado em DVD e Blu-ray)
"Transformers: O Lado Oculto da Lua" (já lançado em DVD e Blu-ray)
Edição de som
"Drive" (estreia em 24 de fevereiro)
"Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"Transformers: O Lado Oculto da Lua"
"Cavalo de Guerra"
Mixagem de som
"Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"O Homem Que Mudou o Jogo"
"Transformers: O Lado Oculto da Lua"
"Cavalo de Guerra"
Direção de arte
"O Artista" - Laurence Bennett, Robert Gould
"Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2" - Stuart Craig, Stephenie McMillan
"A Invenção de Hugo Cabret" - Dante Ferretti, Francesca Lo Schiavo
"Meia-Noite em Paris" - Anne Seibel, Hélène Dubreuil
"Cavalo de Guerra" - Rick Carter, Lee Sandales
Fotografia
"O Artista"
"Millenium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"A Árvore da Vida"
"Cavalo de Guerra"
Figurino
"Anônimo" - (estreia em 17 de fevereiro)
"O Artista"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"Jane Eyre" (sem data de estreia)
"W.E." (estreia em 30 de março)
Curta metragem de animação
"Dimanche/Sunday" - Patrick Doyon
"The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore" - William Joyce and Brandon Oldenburg
"La Luna" - Enrico Casarosa
"A Morning Stroll" - Grant Orchard and Sue Goffe
"Wild Life" - Amanda Forbis and Wendy Tilby
Curta metragem
"Pentecost" - Peter McDonald and Eimear O'Kane
"Raju" - Max Zähle and Stefan Gieren
"The Shore" - Terry George and Oorlagh George
"Time Freak" - Andrew Bowler and Gigi Causey
"Tuba Atlantic" - Hallvar Witz
Maquiagem
"Albert Nobbs"
"Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2"
"A Dama de Ferro"
Edição
"O Artista"
"Os Descendentes"
"Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres"
"A Invenção de Hugo Cabret"
"O Homem Que Mudou o Jogo"
Documentário longa metragem
"Hell and Back Again" (sem data de estreia)
"If a Tree Falls: A Story of the Earth Liberation Front"
"Paradise Lost 3: Purgatory"
"Pina" (estreia em 16 de março)
"Undefeated" (sem data de estreia)
Documentário curta metragem
"The Barber of Birmingham: Foot Soldier of the Civil Rights Movement"
"God Is the Bigger Elvis"
"Incident in New Baghdad"
"Saving Face"
"The Tsunami and the Cherry Blossom"

domingo, 22 de janeiro de 2012

Eco de volta ao romance


Do mosteiro ao picadeiro
FRANCESCA ANGIOLILLO – de Milão para o ILUSTRÍSSIMA, da FOLHA DE SÃO PAULO.
Humberto Eco
"Todas as perguntas possíveis já me foram feitas", diz Umberto Eco, após terminar o café, afundado numa poltrona da sala de visitas de sua casa, em Milão. A cigarrilha apagada, hábito de ex-fumante, pende de um lado da boca. "Só não me perguntam, sei lá, quais são os sete anões. Eu responderia que, quando tento me lembrar, sempre são seis." Ao fundo, atrás de sua calva, vê-se, de um lado, uma coleção de conchas do mar, escrupulosamente organizadas; de outro, em atris, livros ilustrados do fim do século 19. São alguns dos originais de onde saíram as ilustrações de seu mais recente romance, "O Cemitério de Praga" [Record, trad. Joana Angélica D'Avila Melo, 480 págs, R$ 49,90]. O "Cemitério" foi recebido como a volta de um mestre ao gênero que o consagrou (após um romance nostálgico e de fundo autobiográfico, "A Misteriosa Chama da Rainha Loana"): uma trama de mistério, com crimes sangrentos e um protagonista que chega a ser comovente em sua pusilanimidade. A entrevista tem por mote o lançamento do livro no Brasil mas também os 80 anos do escritor, nascido em 5 de janeiro de 1932, na piemontesa Alessandria, cuja fama vem dele e dos chapéus Borsalino. Em várias fotos para a imprensa, ele ostenta, com elegância algo zombeteira, um modelo negro da marca.
ROMANCE
Eco, o romancista, nasceu em 1980, após sobrevir-lhe o desejo de envenenar um monge: assim o escritor define o motor inicial de seu "O Nome da Rosa", best-seller de cifras milionárias, levado ao cinema em 1986 por Jean-Jacques Annaud, com Sean Connery e Christian Slater. Àquela altura, o nome do professor italiano era já conhecido: foram muitos ensaios e títulos de teoria, da poética do escritor irlandês James Joyce ("Sou joyciano, não proustiano", diz, e exibe uma estante forrada de primeiras edições de "Ulysses" em diferentes idiomas) a análises da comunicação de massa (seu primeiro emprego pós-doutoramento em filosofia, em 1954, foi como editor de cultura num dos canais da rede televisiva RAI). O manual "Como se Faz uma Tese" (Perspectiva), de 1977, ainda hoje é referência em cursos de ciências humanas. Mas o currículo de Eco faz com que ele frequente as bibliografias de muitas disciplinas que não só as de metodologia. Umberto Eco navegou nas principais ondas que atravessaram os estudos da linguagem na segunda metade do século 20, do estruturalismo à teoria da recepção e à narratologia, parando às margens do pós-estruturalismo; cobriu da filosofia às tirinhas do Snoopy. Cunhou expressões que se tornaram muletas do discurso universitário: atire a primeira pedra quem nunca disse que toda obra é "uma obra aberta" ou aquele que não juntou numa frase, dita à mesa do bar, "apocalípticos" e "integrados". Foi a ficção, porém, que levou seu nome aos píncaros da cultura de massa. No Brasil, "O Nome da Rosa" saiu em 1984 pela Nova Fronteira. A diretora editorial da casa, Leila Name, qualifica o livro como "uma bomba de sucesso" cujo efeito se multiplicou com o filme. Pelos registros da Nova Fronteira, a primeira investida de Eco na ficção teve no Brasil mais de 45 reimpressões e vendas acima de 600 mil exemplares. Hoje, sua obra ficcional está toda na Record, que também lança alguns de seus livros de ensaios, como "A História da Beleza" e "A História da Feiura", almanaques eruditos de popularização da história cultural. Somados, seus títulos na casa venderam cerca de 550 mil exemplares ""91 mil deles de "O Cemitério de Praga". Sergio Machado, presidente do Grupo Editorial Record, lembra a aquisição de "O Pêndulo de Foucault", segundo romance de Eco, em um leilão "via fax, telex" comandado por seu pai, Alfredo Machado nos idos de 1988. A quantia acertada pelos direitos do segundo romance de Eco era uma cifra "inédita", US$ 130 mil (cerca de US$ 237 mil, em números corrigidos, o equivalente a R$ 420 mil). "Na época, US$ 20 mil eram um absurdo", situa Machado. O editor se esquiva de fornecer valores atuais, mas diz que a soma paga por um livro de Eco "não anda para trás" e "vem subindo de forma consistente". Dali em diante, tudo o que Eco escreveu atingiu números superlativos --inclusive o que menos vendeu na Record, "A Misteriosa Chama da Rainha Loana", com "apenas" 48 mil exemplares. "Este foi um pelo qual a gente pagou mais do que devia", diz o editor. "As pessoas querem mais do mesmo." Eco não discorda. "Todos falam que escrevo romances eruditos, difíceis", diz o escritor. "Quando escrevi um fácil, que todo mundo entende, 'A Misteriosa Chama da Rainha Loana', foi o que menos vendeu. Dá para ver que sou um autor para masoquistas."
DAN BROWN
O Nome da Rosa no cinema
Muitos intelectuais, porém, não engolem a combinação de sucesso comercial e erudição de Eco, tachando-o de uma espécie de Dan Brown mais cultivado. O raciocínio é um velho conhecido no Brasil, onde serve para desqualificar, por exemplo, os romances de Chico Buarque: se o autor vende bem e é pop, mau sinal --só pode ser um picareta. "Ter Umberto Eco nas estantes da sala é, para muitos, inclusive os que jamais leram uma linha desses livros, uma questão de 'status cult'", diz a professora Lucia Santaella, da PUC-SP, colega em semiótica de Eco, a quem tece "críticas até mesmo bastante severas". Para ela, o italiano é uma espécie de grife, que "compõe bem a pose dos pseudointelectuais que brilham nas grandes praças dos lançamentos do 'big show business'". Um de seus detratores contumazes na Itália, o romano Alfonso Berardinelli, estrela da crítica italiana atual, diz --citando Kafka-- que Eco está no centro do mundo, onde se acumula toda a sua imundície, "a prodigiosa escória". "Escrevi pelo menos quatro ou cinco artigos e ensaios contra Eco", rememora à Folha. "Não posso dizer nada de novo; Eco me aborrece faz tempo, e o que eu tinha a dizer já disse há 20 ou 30 anos. Fico maravilhado em ver como agrada", afirma o autor de "Da Poesia à Prosa" (Cosac Naify). "Parece engraçado e brilhante, mas na realidade é um professor que não cessa de mesclar erudição e piadas com veia estudantil. E sem fazer rir. É quase uma ofensa à literatura italiana que ele seja seu autor mais notável." Berardinelli diz ainda não conhecer nenhum escritor --"nem na Itália, nem fora"-- que goste mesmo de Eco. "Sua fama é puramente comercial. É um fenômeno de circo, um autor que impressiona professores de escola."
PICADEIRO
No meio do picadeiro pós-lançamento, Eco segue imperturbável: profere pausadamente um discurso que soa familiar, pois volta e meia as palavras se repetem em manifestações públicas e entrevistas. Pudera: a vida literária muitas vezes rivaliza com a de um roqueiro, com cansativas turnês de lançamentos ("Voltei dos EUA com o ombro arruinado, depois de autografar 3.000 livros", conta) e solicitações para opinar publicamente sobre todo e qualquer fato relevante (menos sobre os sete anões). Seu apartamento é uma grande biblioteca --são 30 mil volumes; outros 20 mil, estima, estão em sua casa de campo--, mas nada de labirintos compartimentados, apesar de o edifício ser um antigo hotel. À entrada, mapas antigos recebem o visitante; a sala é luminosa e ordenada, com móveis discretos e claros; nas paredes, arte contemporânea; pela janela vê-se a torre do castelo Sforzesco, famoso marco turístico milanês. A antiga residência dos duques de Milão remonta à Idade Média, período dileto de Eco, que se doutorou pela Universidade de Turim em 1954 com uma tese sobre a questão estética em São Tomás de Aquino. Mas da fortaleza que foi, após múltiplos ataques e sucessivas reconstruções, praticamente nada de original resta. "Os turistas vêm aqui ver o castelo, onde é tudo falso, e não vão a Brera, onde tem Rafaello, o Cristo de Mantegna, Piero Della Francesca", lamenta o escritor.
FALSÁRIO
O falso e o verdadeiro são um tópico da obra de Eco. Simone Simonini, o protagonista de "O Cemitério de Praga", é um falsário. Ou melhor, "o" falsário: Eco atribuiu a ele os grandes crimes contra a verdade que marcariam a virada para o século 20 e, mais que todos, os apócrifos "Protocolos dos Sábios de Sião", conjunto de escritos antissemitas que teriam servido a Hitler para a fundamentação do nazismo. "Havendo-me ocupado de problemas de linguagem e comunicação desde 1975, escrevi que o que caracteriza toda forma de signo e de linguagem humana é a possibilidade de mentir. Um cão não mente jamais. Quando late, é porque tem alguém lá fora: nunca aconteceu de um cão latir para que se pense que há alguém lá fora, sem que haja --o homem sim." "O problema da mentira implica o problema da falsificação. Entre as falsificações mais trágicas, eis os 'Protocolos dos Sábios de Sião', aos quais dediquei vários escritos. Acho que fiz também algumas descobertas ""como a de que trata o romance, que uma das fontes era 'Joseph Balsamo', o livro de Dumas." O romance de Alexandre Dumas, pai, de 1849, se inicia com uma cena em que maçons entronizam o protagonista em sua seita secreta. A descrição teria inspirado a conspiração de rabinos dos "Protocolos", forjada no cemitério judaico da capital tcheca, que se teriam congregado para tramar a dominação do mundo. O "documento" (que difama os semitas "num patchwork contraditório que não se poderia levar a sério, mas que foi muito levado a sério") justificaria o ódio aos judeus e seu extermínio preventivo. "Ninguém sabe como surgem os 'Protocolos': como nasceram, quem os fez, em quantas fases. Por isso fiquei livre para atribuir tudo a Simonini", diz. E explica que Simonini é o único personagem fictício no romance, um "feuilleton" oitocentista. Ele frisa, porém que, Simonini, apesar de inventado, "é mais verdadeiro que os demais". "Eu estava sempre pensando em pessoas que conhecemos, falsários, jornalistas vendidos, que sabemos quem são, até o nome e o sobrenome. Minha ambição seria que os leitores usassem o livro como um guia para visitar o mundo dizendo 'lá vai um Simonini'." Eco arrisca uma leitura psicológica das motivações para a obsessão central de Simonini, que é o ódio aos judeus fomentado nele pelo avô desde a infância. "Descobri que algumas pessoas acabam odiando alguém porque lhe fizeram mal ""veja bem, não odeio alguém porque alguém me fez mal, mas porque eu lhe fiz mal e depois o odeio. Mas por quê? Porque tento esquecer que eu sou o culpado e tento me convencer de que ele merecia meu ódio." E garante: "Aconteceu comigo também: gente que aprontou comigo depois escreveu artigos contra mim. Mas entendi que tinham sido desrespeitosos comigo e depois precisavam se justificar". Como reza o título da mais recente coletânea de ensaios de Eco --o ainda inédito em português "Costruire il Nemico" (2011), no qual se reconhecem temas e aspectos de "O Cemitério de Praga": é preciso construir o inimigo.
CRÍTICA
Eco diz "desconfiar muito da chamada crítica militante, a que se faz nos jornais, em comparação com a crítica acadêmica". "Antes, quando saía um livro, o diretor do jornal dava seis meses ao crítico para ler; não havia necessidade de falar dele no dia seguinte. Hoje o crítico lê sempre numa situação de pressa e fica sujeito à estação, à dor de cabeça, ao que comeu na noite anterior. Se tivesse tido seis meses, comendo cada dia algo diferente, a sua leitura seria mais equilibrada." E, como que a precaver-se de um ataque, emenda: "Note-se que eu acho desequilibradas não só as críticas que falam mal de meus livros mas também as que falam bem; elas às vezes me irritam porque falam bem pelos motivos errados." Ele se irrita, também, quando inquirido se existem de fato "motivos errados". Parece condenado a relembrar que a obra é aberta, sim, mas que a interpretação tem limites: "A minha posição é muito clara: não sou um desconstrutivista que acha que um texto pode ter qualquer significado e que cada um pode ler como quiser. A liberdade da leitura é sempre determinada pelo objeto que está lá."
SEMIÓTICA
Se a semiótica foi devorada por outros estudos e devolvida sob outros avatares acadêmicos, a culpa é em parte de Eco. Com rara clareza numa ciência em que a obscuridade volta e meia era confundida com argúcia, o italiano aplicou conceitos da ciência dos signos em estudos amplamente difundidos e citados (mesmo que muitas vezes de orelhada) fora do âmbito dos semioticistas, alastrando-os para campos mais diversos e talvez menos cerebrais. Sempre evocada quando se pensa em semiótica, sua produção, porém, não empolga seus pares. Para Lucia Santaella, o pensamento que ele produziu é "miscigenado": "Ele mistura indiscriminadamente correntes, autores, teorias, criando uma salada complexa e difícil de entender." A professora não nega a Eco o papel de "intelectual engajado", que, "alerta, marca sua posição acerca dos eventos", "como um jornalista bem dotado". "Ele é escritor prolífico. Nos inúmeros congressos de que participei em que ele estava presente, comentava-se que ele escrevia até nos táxis. De fato, ele tem a veia dos gênios. Sua genialidade é a do discurso", concede Santaella.
PARÓDIA
Alfonso Berardinelli
O discurso de Eco tem um aspecto brincalhão que parece atiçar parte da crítica contra ele e marca, por exemplo, seus dois "Diários Mínimos", divertidas coletâneas de paródias e pastiches intelectuais, que em maio ganham nova edição [Record, trad. Joana Angélica D'Avila Melo e Sergio Duarte, 560 págs., R$ 62,90; leia trecho de "Nonita" à pág. 10]. A despeito do lado gracioso, Eco tem para sua literatura pretensões nada triviais. Seus diversos ensaios sobre a leitura, como "O Papel do Leitor", e livros sobre o tema, como "A Obra Aberta" e "Lector in Fabula", talvez sejam o retrato do que o Eco ensaísta esperava do Eco romancista: a forja, no mundo real, de um leitor modelo. "Que leitor modelo eu queria quando estava escrevendo?", inquire retoricamente Eco em seu "Pós-escrito a 'O Nome da Rosa'" (Nova Fronteira, 1985). "Um cúmplice, claro, que entrasse no meu jogo. Eu queria tornar-me completamente medieval e viver na Idade Média como se esta fosse minha época (e vice-versa)", escreve. "Mas, ao mesmo tempo, eu queria, com todas as minhas forças, que se desenhasse uma figura de leitor que, superada a iniciação, se tornasse meu prisioneiro, ou melhor, prisioneiro do texto e pensasse não querer nada mais do que aquilo que o texto lhe oferecia." Questionado se o teórico transparece no romancista, ele nega. Diz que, se é que se encontram reflexos de sua teoria na sua ficção, é "porque evidentemente eu não sou esquizofrênico": "Até os ginecologistas se apaixonam. Sustento que você pode ter a teoria que for, mas, quando lê, se aquilo o cativa, ao menos numa primeira fase da leitura esquece a teoria." Berardinelli, seu crítico mais feroz, faz uma descrição tão ácida quanto acertada do que é tentar definir a produção de Eco. Assim diz, no texto "Umberto Eco e Seu Pêndulo", publicado aqui em edição da revista "Remate de Males" organizada pela professora Maria Betânia Amoroso no primeiro semestre de 2005: "Toda vez que se cai na armadilha de seguir enumerativamente a vertiginosa pluralidade da mente de Eco, se acaba por ter que desistir derrotado: estamos frente ao inesgotável [...]. Se eu também me pusesse a enumerar tudo aquilo que ele enumera não faria nada mais do que lhe fazer eco."