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sábado, 26 de janeiro de 2013

O meio do mundo de Antônio Carlos Viana

Antônio Carlos Viana

O escritor sergipano Antônio Carlos Viana, autor de livros, entre os quais se destaca O meio do mundo e outros contos, lançado em 1999, teve um de seus contos adaptado para o cinema pelo cineasta Marcus Vilar. Recentemente lançou Cine Privé, outro livro de contos. A adaptação do conto para o cinema foi vencedora do prêmio de melhor fotografia no Festival de Cinema de Brasília em novembro de 2005. Além disso, O meio do mundo recebeu o prêmio de melhor direção e também o prêmio do Banco do Nordeste no Festival de Cinema de Sergipe, realizado em abril de 2006. O curta também coleciona o prêmio de melhor direção, no Festival de Cinema de Cuiabá, realizado em abril de 2006. Nessa entrevista, dada ao portal Escrita Livre, de João Pessoa-PB, Viana fala de seu trabalho e da adaptação do seu conto para o cinema.  

Escrita Livre - Comente um pouco sobre seu conto O Meio do Mundo
Antônio Carlos Viana - Um de meus temas preferidos é o da perda da inocência. Talvez “O Meio do Mundo” seja o mais emblemático, porque o menino é levado para um determinado lugar sem que saiba muito bem o que vai lhe acontecer. O título remete a um lugar perdido no ermo do mundo, e também à linha divisória entre dois momentos da vida: o da inocência e o desconhecido. Gosto de trabalhar com a infância e a adolescência, porque são momentos cruciais em qualquer existência. Tudo o que coloquei no conto foi muito pensado: o ambiente árido do sertão, a mulher carvoeira, suja e sem voz, a pobreza da casa, tudo para se contrapor à riqueza da experiência que será vivida por Tonho.

EL - Qual foi sua reação ao saber que seu conto seria transformado em um filme de curta-metragem?

A.C.V - Eu não conhecia Marcus Vilar. Quando ele me ligou falando que pretendia filmar o conto, me deixou exultante porque vi que o livro começava a circular, o que é o desejo de qualquer autor. Fiquei à espera de algum filme dele. Foi no Festival de Curtas de Sergipe que o conheci e vi seu magnífico “A Canga”. Não tive dúvidas de que o conto estava em boas mãos e nunca duvidei do seu resultado.

O cineasta Marcus Vilar
EL - O Marcus me contou que o senhor fez um conto baseado numa experiência dele...

A.C.V - Dificilmente escrevo sobre coisas que me contam ou me acontecem. Às vezes um fato qualquer pode desencadear um conto, mas não a história em si. Quanto à história do Marcus, achei-a tão impressionante que, ao chegar em casa, sentei diante do computador e a escrevi de um jato só. Depois foi só reinventar. burilar, trabalhar a linguagem para não ficar chula. Claro que nem tudo o que está lá aconteceu com o Marcus, sobretudo o desfecho. Ele deu o mote e eu criei em torno uma situação nada confortável para o adolescente que lá está. O conto terminou sendo um dos que mais fazem sucesso entre os leitores. Não vou dizer qual é porque não pedi permissão a ele. Está no meu último livro, “Aberto está o inferno”. Agora todo mundo vai querer saber. Isso é com ele.

EL - Qual sua expectativa com relação a esse filme?

A.C.V - Sempre alimentei grandes expectativas e acho que não vou me decepcionar. Antevejo algumas cenas a partir do que vi em “A Canga”. Marcus sempre falou comigo sobre o roteiro, alterações que fez, o cuidado para que o filme não ferisse suscetibilidades. Marcus deve ter captado isso com a sensibilidade que tem.

EL - Como é seu processo de criação?

A.C.V - Criar é algo bem complicado. Há dias em que não somos capazes de escrever uma linha. Outros, basta pôr a primeira palavra que o resto vem de roldão. Sou muito disciplinado e quem não for não faz nada na vida. Todo dia me acho na obrigação de escrever alguma coisa, mesmo que não dê em nada. Seria bom que sempre desse em alguma coisa, mas isso é impossível. O importante é estar disponível, não ter medo de perder tempo com algo que pode resultar em fracasso. Às vezes penso que determinada história não vai dar em nada e, de repente, com mais uma volta do parafuso, eis que ela rende o impensável. Escrever tem dessas surpresas. Como sou muito meticuloso, demoro muito a terminar um conto. E, mesmo quando o dou por concluído, sempre acho que poderia ficar melhor. É aquela eterna insatisfação de quem pretende fazer arte.

Capa de O meio do mundo e outros contos
EL - A literatura sempre foi a grande fornecedora de idéias para o cinema mundial, desde o século passado, haja vista produções como E o Vento Levou, Cidade de Deus, O Pagador de Promessas entre tantos exemplos que poderia citar. Na sua opinião a literatura e o cinema, essas duas formas de arte, se completam e se entendem perfeitamente?

A.C.V - O que nenhum autor pode querer é que o filme seja uma ilustração do romance, do conto ou do poema. Assim não seria cinema. O cinema tem sua linguagem, e muitas vezes o que funciona no papel não funciona na tela. Não gosto quando as pessoas falam assim: “O filme é melhor do que o livro”, ou vice-versa. Cada um deve ser visto dentro da forma que lhe é peculiar: literatura é palavra; cinema é imagem. Cinema, televisão, literatura sempre vão se entender. O que se precisa fazer é dar educação para que o leitor-espectador veja cada um dentro de seus limites. Pior quando dizem “não li o livro mas vi o filme (ou a minissérie)”, como se uma coisa substituísse a outra. Assim não dá.

EL - Fala um pouco do início de sua carreira, de quando o senhor descobriu que era um autor e quando teve a certeza que queria seguir essa carreira.

A.C.V - Escrever todo mundo quer um dia na vida. Eu comecei por acaso, quando comprei minha primeira máquina de escrever. Assim que cheguei em casa com aquela conquista, pus um folha de papel e deixei que viesse da minha cabeça qualquer coisa, sem censura prévia, mas sem pretensão nenhuma de ser escritor. Veio uma história interessante que eu nunca imaginei ser possível eu criar. É o conto “Brincar de manja”, que está em O meio do mundo e outros contos. Gostei da experiência e continuei escrevendo. Quando tinha um bom número de contos, apresentei a algumas pessoas que entendiam do riscado e elas me incentivaram a continuar. Aí veio Brincar de Manja (1974). Depois, Em Pleno Castigo (1981), O Meio do Mundo (1993), O Meio do Mundo e outros Contos, este uma seleção dos melhores contos dos três anteriores, publicado em 1999, pela Companhia das Letras. E agora, Aberto está oIinferno (2004), também pela Companhia. Como vê, trabalho devagar, com muito cuidado. Ter chegado à Companhia das Letras para mim foi o ponto mais importante da minha carreira, que começou praticamente de uma brincadeirinha.

EL - Lembra de algum momento ligado ao seu trabalho que o deixou triste, magoado?

A.C.V - O Meio do Mundo e outros Contos tinha sido indicado como leitura obrigatória para o vestibular da UFS (Universidade Federal de Sergipe) e depois a própria universidade o retirou porque disse que era pornográfico. Uma universidade! Algo inaceitável. Eu não trabalho com pornografia, mas com o erotismo, que refino até onde posso.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Morto há cem anos, autor de "O Cortiço" ainda instiga


MARCO RODRIGO ALMEIDA – do caderno ILUSTRADA, da Folha de São Paulo
Aluísio Azevedo
Quando você leu Aluísio Azevedo pela última vez? Se já saiu da escola há alguns anos, é bem provável que nunca mais tenha passado os olhos por qualquer texto do autor de "O Cortiço" - ou mesmo que o confunda com outros Azevedos ilustres da literatura brasileira do século 19: Artur (de quem era irmão) e Álvares. Não se trata de um azar específico de Aluísio (1857-1913), cuja morte completa cem anos nesta segunda, dia 21. Quase todos os autores brasileiros do século 19 - Machado de Assis é a maior exceção - são mais próximos do universo escolar e acadêmico, lidos mais por pesquisadores e estudantes. São o que se costuma chamar de "autores de vestibular". "Machado é o maior, mas um galo sozinho não tece uma manhã. Não há motivo para um brasileiro não ler Aluísio Azevedo", diz Luiz Dagobert de Aguirra Roncari, professor de literatura brasileira da USP. Houve um tempo, contudo, em que Aluísio ofuscou até mesmo Machado (1839-1908). Em 1881, ambos publicaram obras fundamentais. Machado lançou "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e Azevedo, "O Mulato". Enquanto as inovações do primeiro tiveram repercussão discreta na época, o segundo, de linguagem crua, mais explícito em seu retrato do preconceito, da corrupção do clero e do desejo sexual, gerou escândalo e sucesso. Nos anos seguintes, produziu outros livros importantes, como "Casa de Pensão" (1884) e "O Cortiço" (1890), este último sua obra-prima, conhecido, mesmo que de orelhada, por quase todo mudo que já passou pela escola. Com esses três livros, Aluísio firmou-se como o principal expoente nacional do naturalismo, escola literária fortemente influenciada por teorias científicas, como o evolucionismo, que procura retratar fielmente a realidade. Por suas qualidades, e também pelas controvérsias que desperta, sua obra, longe de engessada, segue bastante viva. "'O Cortiço' é excepcional. Tem grande consistência estética e inaugurou um novo tipo de romance urbano no Brasil", afirma Paulo Franchetti, professor da Unicamp.
ALEGORIAS
Um cortiço no início do século XX
O principal romance de Aluísio retrata a vida de trabalhadores miseráveis que coabitam um cortiço no Rio do fim do século 19. No centro da trama está o comerciante português João Romão, que não mede esforços para enriquecer. Em "De Cortiço a Cortiço", famoso ensaio que dedicou ao livro, Antonio Candido argumenta que Aluísio, mesmo tendo se inspirado na obra do francês Émile Zola, deu cor local à trama, criando uma alegoria do Brasil, do conflito entre as classes e do nosso capitalismo primitivo do final do século 19. O ensaio destaca o pioneirismo do romance ao retratar a menstruação e o lesbianismo. Mas Candido também aponta alguns problemas e chavões, de certa forma característicos do naturalismo. O clima e a mestiçagem são encarados como causa da miséria e desgraça dos personagens. "Aluísio teve o mérito de colocar a miséria em cena, mas alguns aspectos ficaram datados. Com essa visão sobre o clima e a raça, as contradições sociais ficaram diluídas", avalia Cilaine Alves Cunha, professora de literatura da USP. "É um livro complexo. Tem aspectos conservadores, mas, por outro lado, tanta densidade", afirma Franchetti. "A epígrafe, por exemplo, cita uma fábula sobre são Francisco. Mas como isso se articula ao resto do livro? Ainda hoje é difícil de entender."

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Caetano Veloso fala sobre seu "Abraçaço"


PAULO WERNECK – Editor da "ILUSTRÍSSIMA" – da Folha de São Paulo.
Nesta entrevista, concedida em novembro de 2012, num hotel em São Paulo, durante uma rodada de divulgação promovida por sua gravadora, Caetano Veloso comentou algumas das canções de "Abraçaço", seu mais novo álbum, que encerra a trilogia iniciada com "Cê", em 2006, e depois com "Zii & Zie" (2009). Ele fala mais demoradamente de "Um Comunista", canção de sabor épico dedicada ao guerrilheiro baiano Carlos Marighella, que foi assassinado em 1969, numa emboscada planejada pela ditadura militar. A canção presta uma homenagem ao guerrilheiro, mas também toma distância em relação à luta armada e sobretudo ao stalinismo. "Aquilo, naquele ambiente romântico do tropicalismo, da contracultura, era muito atraente, era o que eu mais admirava em política", diz Caetano. "Eu gostava de Marighella, e gosto até hoje."
Folha - "Abraçaço" encerra a trilogia com a banda Cê, depois de "Cê" (2006) e "Zii & Zie" (2009). Algum dos álbuns fica como o seu preferido, está no seu coração de maneira mais funda?
Caetano Veloso - Um deles eu acho criticamente mais coeso, que é o Cê. Não sei se ele está no meu coração de modo mais fundo, porque ainda nem me acostumei direito com esse novo, mas sei que o "Cê" é mais coeso. Mas é pra ser assim mesmo, porque compus aquelas canções e planejei aquele disco antes mesmo de formar a banda. Depois [em "Zii & Zie" e "Abraçaço"] é muito diferente, já tenho a banda, estamos acostumados a tocar, e aí eu fiz canções. Então é uma coisa mais solta do que aquele primeiro disco, que foi todo composto antes.
Antes da banda?
Antes da banda ser formada.
No entanto, parece um disco feito ali, com a banda.
É incrível a resposta da banda, porque no "Cê" eu fiz tudo no violão, mostrei a Pedro Sá e disse pra ele me sugerir um baixista e um baterista, e ele sugeriu Marcelo e Ricardo. E eu dizia até o que eu queria que a bateria fizesse, as linhas de baixo. Foi muito assim, ali eu parti para um negócio que era mais ou menos como fiz agora no disco da Gal []. Mas o "Abraçaço" é mais como "Zii & Zie". Deixei fluir o que fosse, as canções, porque a banda já existe. Agora, é muito rápido como eles pegam. Eu apresento um negócio, eles fazem, dá tudo certo.
Mas o "Zii & Zie" foi concebido junto com o público, em shows e num blog. Isso mudou a forma de conceber o disco?
É, foi um negócio de botar na internet. Foi ideia do [antropólogo] Hermano Viana, de botar também na internet. Eu quis fazer um show semanal, e fiz, no Rio, apresentando canções antigas, canções do "Cê" e, pouco a pouco, canções novas. Quando eu disse que ia fazer isso, o Hermano disse: "Então a gente precisa acompanhar na internet". Então nasceu aquele blog que acompanhou a feitura do "Zii & Zie".
E o "Abraçaço", você compôs no violão?
A canção "Um Abraçaço" eu compus quando a gente já estava gravando, já tinha mais da metade gravada. Eu compus e ainda terminei dentro do estúdio, botando letra em cima da base já pronta.
Você disse que "abraçaço" é a forma que você usa para se despedir dos amigos por e-mail. Outra canção do disco, "Parabéns", também parece texto de e-mail, uma canção recortada de um e-mail.
Aquele foi corta e cola, um e-mail inteiro, desde o título, o "subject" dos e-mails. E o texto era o texto do e-mail, até o "hehe" tem, foi o email do [diretor] Mauro Lima para o meu aniversário de dois anos atrás.
A trilogia é marcada por canções melancólicas, como "Desolação de Los Angeles", no primeiro disco, e "Por quem?", no segundo. "Estou triste", do terceiro, parece a mais triste de todas. Está difícil se livrar da tristeza?
É mais um negócio desse período da minha vida, mas eu conheço tristeza desde sempre.
Desde que o samba é samba?
Desde que o samba é samba.
A primeira faixa do disco, "A Bossa Nova é Foda", começa com João Gilberto, "o bruxo de Juazeiro"...
Como se diz "o bruxo de Cosme Velho", Machado de Assis.
Evoca um Rio mítico, do Vinicius...
Tem o Vinicius...
e termina com Anderson Silva, Vitor Belfort...
Começa com João Gilberto, tem o Carlos Lyra, tem o Tom, tem o Vinicius e desemboca nos lutadores de MMA.
Mas como você conseguiu juntar Anderson e João na mesma canção?
Cara, foi muito rápido, veio na minha cabeça porque o João Gilberto gosta de luta.
Ah, é? Ele assiste?
Assiste. Ele era louco por boxe. Caracterizou o estilo dele de ataque dos acordes e de escolha das divisões como um golpe de caratê, quando voltou dos EUA, numa entrevista ao Tárik de Souza. E gostava de ver boxe, era fã de Mike Tyson e seguramente assiste MMA. Mas isso é o fato. Disso eu já gosto. O que eu acho também é que o MMA foi uma criação muito brasileira, porque é uma mistura de lutas, de tipos de luta que nasceu com os Gracie, em Belém do Pará.
É coisa nossa?
É mistura criada a partir do Brasil, entendeu? Então nesse ponto tem um paralelo com a bossa nova. E tem um desejo em toda a canção de fazer um retrato da bossa nova como gesto histórico e estético agressivo. Não o clichê da coisa doce, e suave. Mas não é nenhuma novidade, é apenas uma maneira de dizer. Essa canção é outra maneira de dizer algo que vem sendo dito por mim, pelo Tom Zé, pelo Gil, por diversas pessoas há muito tempo. Tom Zé tem um disco todo sobre isso, e tem muitas falas dele em que ele apresenta a bossa nova como um gesto histórico de grande violência. E eu gosto de dizer assim. Acho que também porque eu leio muito uns jornalistas americanos, ingleses, que falam como se a bossa nova fosse um negócio mole, doce. Eles estão errados.
Por outro lado, você adocicou o funk, que é uma manifestação violenta, e misturou com Noel Rosa...
É, mas o Noel Rosa do tijolo na testa.
A canção é um tijolaço na testa da mulher.
É, eu gosto de brigar com mulher.
E "Um Comunista", sobre o guerrilheiro Marighella, tem um refrão forte, que lembra o da música sobre a base de Guantánamo...
É a música mais longa do disco. Eu gosto desse refrão porque ele parece um três sobre uma base de quatro tempos. Parece canção francesa sobre política, tem muito da tradicional canção de protesto, essa longura, esse tom narrativo e explicativo, embora seja mais complexa do que isso. E eu gosto que ela coincida com a chegada do livro, da biografia [escrita pelo jornalista Mário Magalhães], com o filme da Isa [Grinspum] e com a canção dos Racionais, que foi feita para o filme da Isa. Eu não fiz por causa de nada disso, eu fiz também. E ela contrasta muito com a música dos Racionais. E é interessante, porque ela é bem a canção de protesto feita por artistas da classe média, tal como Chico Buarque comparou [em entrevista a Fernando de Barros e Silva, na Folha, em 2006] quando disse que a canção está desaparecendo e que o rap é uma manifestação... Aliás, o Chico e o José Ramos Tinhorão coincidiram em dizer que o rap era a verdadeira canção de protesto, porque era dita por eles mesmos [as classes baixas], como dizia o Cacá Diegues a respeito dos filmes feitos pelos favelados sobre a favela. Diferentemente de uma referência aos desfavorecidos por parte de um artista da classe média, como era o caso na nossa geração, minha e de Chico. Então, nesse caso, eu volto àquela força da canção de protesto de classe média, mas é uma canção um pouco mais analítica, e também apresenta umas imagens que balançam a cabeça do ouvinte.
O Mário Magalhães...
Eu estive com ele no Rio, nunca tinha estado com ele, encontrei numa livraria.
Ele me mandou uma pergunta: por que o Marighella, 43 anos depois da morte dele, parece provocar mais amor e ódio do que nunca? Por que mexe tanto com as pessoas?
É curioso, parece que esse tempo foi o tempo natural, histórico, de respiração para que essas coisas aparecessem, o filme da Isa, o livro do Mário Magalhães, a música dos Racionais e a minha canção. O Jorge Amado sonhou sempre que se fizesse um monumento a Marighella em Salvador. Ele morreu com esse sonho. E é curioso, porque ele apoiava o Antonio Carlos Magalhães no fim da vida, e no entanto ele queria um monumento a Marighella em Salvador. Ele tinha muito orgulho do Marighella, que naturalmente conheceu pessoalmente, porque eram do mesmo partido (Partido Comunista Brasileiro). Só que o Marighella, no final, deixou a linha central do partido, como todo mundo sabe, e deixou de obedecer às ordens de Moscou. Aquilo, naquele ambiente romântico do tropicalismo, da contracultura, era muito atraente, era o que eu mais admirava em política. Eu gostava de Marighella, e gosto até hoje.
Vocês chegaram a ter relações pessoais?
Nunca vi Marighella. Eu tinha uma colega, Maria de Lourdes Mello Vellame, que foi guerrilheira junto com ele, que era do Partido Comunista, saiu com ele, pra luta armada, foi presa, muito torturada, causou uma impressão forte no Fleury, que era o torturador. Que ele, numa entrevista que eu tenho guardada, tenho uma fotografia das páginas na internet, ele se refere a ela como caso mais impressionante de resistência à tortura. Ela era minha amiga, era minha colega na Faculdade de Filosofia. Ela me pediu na época pra prestar apoio logístico à guerrilha de Marighella, e eu fiquei mais ou menos inclinado a talvez fazer isso, se me fosse possível, se soubesse como, porque eu o admirava, mas eu temia, possivelmente não chegaria a fazer. Mas não sei, porque eu fui preso poucos meses depois, não por isso, porque eles me prenderam sem saber disso. Só se sabe disso hoje, que na altura só sabíamos disso a Lourdinha e eu. Só sabíamos os dois, a Dedé, minha mulher, teve uma altura em que ficou sabendo.
Na canção, você conta um episódio pessoal, do recado que enviou do exílio para o Brasil quando soube da morte de Marighella, recado que ninguém entendeu...
Foi um texto que eu mandei para o Pasquim. Porque nós estávamos em Londres, não fazia muito tempo que tínhamos chegado, ainda no primeiro ano, e chegou uma revista Manchete, ou Fatos e Fotos, uma revista da editora Bloch, foi um fotografo para nos fotografar no exílio. Ele no fotografou, eu e Gil, em Londres, fez uma entrevista. A imprensa brasileira era muito limitada pela censura, não podia-se dizer que gente estava exilado, apenas Caetano e Gil estão em Londres, etc. E tal. E a capa dessa revista era uma fotografia, eu e Gil, sorrindo, na frente do Big Ben, né, na ponte de Waterloo. E num boxe, assim, no alto da página, a foto de Marighella morto, que era a notícia de Marighella morto. Então mandei um texto para o Pasquim, dizendo "A revista chegou e nós estamos na capa. E eu falava de minha tristeza e de Gil, dizendo assim: nós estamos mortos. Ele está mais vivo do que nós. Nem uma só pessoa das que viviam no Brasil e eram minha amigas e que se correspondiam comigo, nem aquelas que conheciam essas, nem depois quando voltei e mencionei, na cabeça de nenhuma pessoa passou. Eles morando aqui e tal não sentiram o impacto que era ter eu e Gil e eu aparecendo na capa da revista depois de exilados, sorrindo, e o Marighella morto. O texto todo era sobre isso, sobre a capa da revista: "na capa duma revista....". Você vê que quando a gente está fora, a gente não pode imaginar como é a cabeça das pessoas que estão dentro, porque ninguém sacou. Eu recebi várias cartas de gente dizendo: você está deprimido porque está aí, não sei quê, e de fato estava, mas não tinha escrito isso porque eu tinha visto uma capa em que eu e Gil estávamos sorrindo no exílio e o Marighella morto a tiros nas ruas de São Paulo, e eu gostava de Marighella, então achei aquilo um negócio meio terrível, assim. Escrevi e ninguém entendeu. É uma parte totalmente pessoal que aparece na letra da canção, que se refere a esse fato.
E na canção você escreve: Não há vida sem utopia/Assim fala um comunista. Você concorda nesse ponto com os comunistas?
Mais ou menos. Eu já fiz uma canção que falava disso: (canta) "Na maré da utopia, banhar todo dia..." Eu digo que a pessoa deve se banhar todo dia, ou pelo menos uma vez, na "maré da utopia". Foi o que eu disse nos anos 80. Eu não posso dizer que eu seja comunista, nem mesmo um socialista. Eu fui mais no meu pensamento socialista do que vim a ser depois. Muita gente fica especulando por que que eu me interesso tanto pelo Mangabeira Unger, e eu falo nele e tal. É que ele representa um negócio de esquerda muito exigente intelectualmente, mas que leva em consideração o essencial do liberalismo.
Que vem a ser o quê, exatamente?
Uma ideia de liberdade e de direitos. De uma certa forma é você poder colocar a ideia de liberdade no mínimo à altura da ideia de igualdade, senão acima, no meu entender.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Medo à Brasileira


Premiado no exterior, O Som ao Redor, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, dá uma cor local e sofisticada à paranoia urbana
por Ricardo Calil – da revista BRAVO
Os brasileiros habitam, há não poucos anos, um filme de terror psicológico. Pessoas amedrontadas escondem-se atrás de muros e guaritas, de cercas elétricas e câmeras de vigilância, de carros blindados e seguranças particulares – na tensão permanente da espera por um sequestro-relâmpago, um veículo desgovernado, uma bala perdida ou um ataque de zumbis do crack. Para a maioria, o momento nunca vem. Mas quando chega para alguns – e ganha a amplificação massiva do noticiário –um novo ciclo de medo está garantido.
O Som ao Redor, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, é o filme sobre esse estado de espírito. Nenhuma obra havia ido tão longe e tão fundo para captá-lo. Nos últimos anos, o cinema nacional foi pródigo em histórias sobre a violência urbana, recheadas de cenas de horror explícito – com destaque para Cidade de Deus (2002) e os dois Tropa de Elite (2007 e 2010) –, mas quase sempre ignorou seu subproduto mais abrangente e menos palpável: a paranoia de segurança.
Nas entrevistas sobre o filme, o cineasta gosta de ressaltar seu caráter local, específico:“É um trabalho muito pessoal, rodado na rua onde moro [em Setubal, bairro de classe média da zona sul do Recife]”. Assim, ele reafirma a máxima de Tolstói transformada em clichê jornalístico: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. O Som ao Redor tornou-se a mais aclamada produção brasileira desde Cidade de Deus. A trajetória se inicia com o prêmio da Federação Internacional de Críticos de Cinema (Fipresci) no Festival de Roterdã (Holanda), passa pela Mostra de São Paulo (melhor filme) e pelos festivais do Rio (filme e roteiro),de Gramado (som, crítica, público e diretor), de Copenhague, na Dinamarca (filme), e de NoviSad, na Sérvia (filme), até chegar à lista dos dez melhores do ano do New York Times (ao lado de nomes célebres, como Quentin Tarantino, Steven Spielberg e Michael Haneke).
Ciranda vigiada
As honrarias seriam suficientes para deixar o diretor deslumbrado se ele fosse do tipo deslumbrável (e se não tivesse construído uma carreira sólida antes de sua estreia em longas de ficção). Kleber Mendonça tem 44 anos, nasceu no Recife e passou cinco anos de sua adolescência na Inglaterra, o que lhe deixou como legado certa ironia britânica, presente também em sua obra. Estudou jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco, tornou-se crítico de cinema e realizador de curtas premiados, como Vinil Verde (2004), Eletrodoméstica (2005) e Recife Frio (2009), além do documentário Crítico (2008).
Muitos dos temas e um tanto do estilo apresentados em seus curtas voltam a O Som ao Redor maturados, reelaborados e redistribuí-dos numa estrutura de mosaico. A câmera se alterna entre um punhado de personagens centrais: um ex-senhor de engenho que é dono de quase todo um bairro na capital pernambucana (W. J. Solha); seu neto, que cuida de negócios imobiliários (Gustavo Jahn); uma dona de casa que, atormentada pelos latidos do cachorro do vizinho, só se relaciona plenamente com eletrodomésticos (Maeve Jinkings); e um segurança particular (Irandhir Santos), líder de um grupo que oferece serviços de proteção aos moradores da rua – trazendo paz para alguns e mais tensão para outros.
Em torno deles, há uma ciranda de personagens que parece uma versão da Quadrilha de Carlos Drummond (“João amava Teresa que amava Raimundo...”), na qual o amor foi substituído pelo medo: crianças que brincam nos prédios, vigiadas por babás, vigiadas por moradores, vigiados por porteiros em uma rua agora vigiada por uma espécie de milícia.
O Som ao Redor não apenas desconstrói a arquitetura do medo à brasileira, como ainda desenterra suas raízes históricas – mostrando que a divisão entre casa-grande e senzala resiste nos apartamentos da classe média, com seus minúsculos quartos de empregada, e que a violência das disputas de terra migrou para a especulação imobiliária nas grandes cidades. O filme consegue dar conta dessa tarefa complexa sem recorrer à pirotecnia de Cidade de Deus nem ao didatismo da narração em off de Tropa de Elite. Kleber Mendonça não oferece um tratado sociológico, mas uma experiência cinematográfica em que ruídos dizem mais que palavras, personagens são definidos pelo que escondem, não pelo que mostram, e ferramentas do meio são aproveitadas ao máximo: a tela panorâmica do formato Cinemascope,a gama de possibilidades da edição de som.
Os festivais e críticos, no Brasil e no exterior, reconheceram essas duas virtudes centrais do filme: utilizar com sutileza e sofisticação os recursos visuais e sonoros que só o cinema oferece e dar a um tema universal – o medo da violência – um olhar original e específico, com distinto foco brasileiro, pernambucano.

¨¨¨Landisvalth Blog: ISTOÉ revela os nossos talentos desperdiçados

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