..................................................................A notícia como nunca foi.
segunda-feira, 10 de junho de 2013
terça-feira, 4 de junho de 2013
Questão da escravidão: Exemplos a não seguir
Brasil e Cuba adiaram a
libertação de seus escravos com leis que evitavam colocar em risco as
hierarquias raciais
Iacy Maia Mata – da Revista de
História
Ângelo Agostini, na Revista Illustrada, critica as
medidas abolicionistas brasileiras: a Lei dos
Sexagenários vista como uma forma de adiar a solução
definitiva. (Fundação Biblioteca Nacional)
|
O século XIX estava perto do fim,
mas Cuba e Brasil mantinham-se como as únicas regiões das Américas onde
persistia a escravidão. A posição nada honrosa foi resultado de uma política de
postergação do problema, com leis de emancipação gradual, até que a situação ficasse
insustentável. Enfim, ficou.
No Império do Brasil, a Lei do
Ventre Livre, de 1871, libertava todas as crianças nascidas de mães escravas. A
mesma lei instituiu medidas como a “alforria forçada”, obrigando o senhor a
libertar o escravo que possuísse a quantia correspondente ao seu valor. Na Cuba
ainda sob o domínio espanhol, a Lei Moret, de 1870, se assemelhava às
iniciativas brasileiras: liberdade para todas as crianças nascidas de escravos
a partir de 1868 e para todos os escravos com mais de 60 anos. A lei permitia
ao escravo vítima de “crueldade excessiva”, submetido a uma grande quantidade
de açoites, por exemplo, reivindicar a liberdade.
Mas a legislação cubana foi
aprovada por força de uma guerra anticolonial que agitou os escravos – muitos
fugiram das fazendas, outros se incorporaram ao Exército Libertador, que lutava
pela independência da ilha. Conhecida como Guerra dos Dez Anos (1868-1878), a
campanha eclodiu em função de uma motivação nacionalista contra a Espanha,
liderada por setores médios criollos (nascidos em Cuba), pequenos proprietários
de escravos e negros livres urbanos. Durante a contenda, foi incorporada também
a luta contra a escravidão. A independência mesmo só iria ocorrer em 1898, após
outra guerra que durou três anos, e que teve a participação dos Estados Unidos,
dando início à intervenção direta dos norte-americanos na ilha.
Mesmo antes das leis
emancipacionistas, escravos em Cuba e no Brasil já recorriam à Justiça para
obter alforria. Os brasileiros usavam como argumentos a punição excessiva e
situações como a de já ter sido libertado ou de ter entrado no país após a
abolição do tráfico. Os cubanos iam aos tribunais por conflitos com seus amos
sobre o preço da alforria. Com a aprovação da Lei Moret e da Lei do Ventre
Livre, o Judiciário tornou-se um espaço ainda mais importante de disputa pela
liberdade.
A abolição do cativeiro em quase
toda a América pressionava os últimos redutos escravocratas. Em 1879, uma
comissão de parlamentares reuniu-se em Madri para discutir, entre outros temas,
a escravidão em Cuba. As imagens da Guerra de Secessão (1861-1865) nos Estados
Unidos, terminada 14 anos antes, ainda impressionavam as elites cubanas e as
autoridades espanholas. Temia-se, para a ilha caribenha, um desfecho semelhante
ao do vizinho Haiti – onde uma revolução dos negros em 1791 pôs fim à
escravidão e, de quebra, ao domínio colonial francês. Alguns escravos e negros
livres de Cuba tomavam a experiência haitiana como inspiração. No início do
século XIX, circulavam por Havana gravuras com a imagem de Toussaint Louverture
(1743-1803), escravo que se tornou o maior líder da revolução haitiana. Nas
décadas seguintes, cativos envolvidos em conspirações antiescravistas, quando
interrogados, demonstravam saber que os escravos haviam tomado o poder no Haiti
– e alguns contavam com uma suposta ajuda dos haitianos para promover sua
emancipação.
Parlamentares e homens de governo
que compunham a comissão de 1879 queriam evitar guerras sangrentas como as do
Haiti e a dos Estados Unidos. Nos acirrados debates em Madri, a situação do
Brasil foi bastante citada. A legislação emancipacionista brasileira era vista
como exemplo de sucesso, pois, segundo os parlamentares, teria evitado o
confronto armado, o declínio da produção e os conflitos raciais. Parecia ser
uma lição para Cuba: a solução gradual extinguiria paulatinamente a escravidão
sem colocar em risco as hierarquias raciais. Mas a marcha da liberdade no
Brasil estava lenta demais. Em discurso dissonante na comissão, um dos
parlamentares criticou: “E a opinião pública do Brasil, o que tem feito?
Resolver a questão no sentido da abolição gradual. E como? (...) Pois bem: a
lei gradual do Brasil é muito inferior à da abolição gradual de 1870 [Lei
Moret]; cem anos pode viver o escravo naquele império sem que lhe alcance o
benefício da redenção”.
Negro livre da província de Santiago de
Cuba, Antonio Maceo se tornou um general
do Exército Libertador, defendendo
a abolição completa e incondicional.
(Fundação Biblioteca Nacional)
|
Cuba não podia se dar ao luxo de
esperar mais. Havia notícias de “desordens e perturbações” nas plantações.
Escravos da parte oriental da ilha começavam a desertar em massa das fazendas.
Muitos dos que permaneciam promoviam uma “resistência” passiva ao trabalho. Em
1878, após dez anos de guerra, havia sido assinado um tratado de paz (Pacto de
Zanjón). Os revoltosos capitularam e saíram da guerra sem a independência e sem
a abolição. Mas alguns líderes do Exército Libertador, descontentes, iniciaram
uma nova insurreição cerca de um mês antes da primeira reunião da comissão. É o
caso de Antonio Maceo (1845-1896). Negro livre da província de Santiago de
Cuba, Maceo havia se ligado à Guerra de Dez Anos em 1868 como soldado,
destacara-se nas batalhas e chegara a ocupar o posto de general do Exército
Libertador. Leitor de biografias de Toussaint Loverture, ele defendia a
abolição completa e incondicional. Exortava os escravos a que deixassem as
plantações e lutassem com as armas pela liberdade. O governo colonial, para
enfraquecer o movimento, caracterizou a mobilização negra pela independência e
pela abolição como “guerra racial”.
Diante de tais pressões, a
comissão reunida em Madri elaborou e enviou aos parlamentares cinco projetos de
abolição. Um deles previa um período de “patronato”, em que os ex-escravos
permaneceriam sob a tutela dos ex-senhores. Com algumas modificações, este
projeto se transformou na Lei do Patronato, que foi aprovada pelas cortes
espanholas em 13 de fevereiro de 1880. Embora falasse de “abolição imediata” em
Cuba, o texto instituiu o patronatodos antigos senhores, concedendo aos
ex-escravos o direito de receberem um pagamento, módico e simbólico, de três
pesos mensais. A partir de 1884, os patronos estariam obrigados a liberar um
quarto dos patrocinados em seu poder, começando pelos mais velhos. Quando a Lei
do Patronato foi aprovada, havia em Cuba cerca de 194 mil escravos. No término
do prazo estabelecido, em 7 de outubro de 1886, restavam apenas 25.381
patrocinadosa serem libertos.
No final de 1886, o Brasil era o
último país das Américas a manter a escravidão. Calcula-se que naquele momento
ainda existiam mais de meio milhão de escravos. Minas Gerais (191.952), Rio de
Janeiro (162.421), São Paulo (107.329) e Bahia (76.838) eram as províncias com o
maior número de cativos no país. Nenhum projeto de abolição havia sido
apresentado no Parlamento, e vigorava ainda a Lei dos Sexagenários, que em 1885
libertou todos os escravos com mais de 60 anos e que previa cerca de 13 anos
para a extinção total da escravidão. Para muitos contemporâneos, isso
significava que a escravidão já estava abolida no Brasil. Mas a opinião pública
exigia a resolução imediata do problema servil. O movimento abolicionista
estava a todo vapor. Comícios, saraus, peças teatrais e eventos para arrecadar
fundos para a compra de alforrias movimentavam as cidades. Redes envolvendo
intelectuais, advogados, negros livres e escravos aliavam a luta pela liberdade
nos tribunais e na imprensa com ações como fuga e acoitamento (ocultação) de escravos.
Escravos fugiam em massa das fazendas (sobretudo em São Paulo, mas também em
outras regiões do Brasil) e recusavam-se a continuar trabalhando nas
plantações.
Nesse clima de “desordem” foi
assinada a Lei da Abolição. Diferentemente das leis do Ventre Livre (1871) e
dos Sexagenários (1885), a lei de 13 de maio foi aprovada às pressas, não tendo
sido objeto de muitas discussões. A temperatura do debate público exigia
urgência na solução da questão. O projeto foi apresentado à Câmara dos
Deputados no dia 8 de maio, aprovado em segunda discussão no dia 9 e convertido
em lei no dia 13. Escravistas de plantão exigiram indenização para os
ex-senhores e leis que obrigassem os libertos a trabalhar. Mas não havia clima
político para a tomada de medidas que sugerissem um novo tipo de escravidão.
Foi aprovada a liberdade imediata e incondicional. Neste dia, encerrava-se a
longa história de escravidão negra nas Américas.
Iacy Maia Mata é professora da
Universidade do Estado da Bahia, autora da tese “Conspirações da ‘Raça de Cor’:
escravidão, liberdade e tensões raciais em Santiago de Cuba (1864-1881)”
(Unicamp, 2012).
Assinar:
Postagens (Atom)