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sábado, 16 de junho de 2012

TROVADORISMO


LITERATURA MEDIEVAL PORTUGUÊS 
 ( Séculos XII a XIV)

       Trovadorismo ou LITERATURA PROVENÇAL

Prof. Landisvalth Lima

I -  INTRODUÇÃO

  1. As invasões bárbaras na Europa

Retrato presumível de D. Isabel de Portugal chamado “Sibyla Persica”.
   
A Queda do Império Romano tem pelo menos uma conseqüência negativa : a Europa torna-se um continente militarmente desprotegido, ou seja, propício às invasões bárbaras por ele sofridas  a partir de então ( a arquitetura da época confirma isso).
A difusão da filosofia cristã foi tão intensa na Europa após a morte de Jesus Cristo que, já no início da Idade Média, o Cristianismo é a religião oficial do continente europeu; ao contrário do que aconteceu na Antigüidade, aquele que não é cristão é BÁRBARO e é inimigo religioso e político dos europeus.
Assim, desde o início da Idade Média (476-1453), os europeus ocupam-se com a GUERRAS DE  RECONQUISTA, expulsão dos povos bárbaros - principalmente dos MOUROS  (muçulmanos, adoradores de Maomé) que instalam-se em grande número na PENÍNSULA IBÉRICA (Portugal e Espanha).
      Nessa época, a Europa é um conjunto de REINOS.Por exemplo: no século XI, o território que atualmente faz parte de Portugal, do Rio Mondego para o Sul, ainda estava ocupado pelos sarracenos, e desse rio para o Norte havia o reino de Leão. Ainda não existia a nação portuguesa.
    2. A feudal, teocêntrica, convencional e patriarcal Idade Média
           2.1. O Feudalismo
       O sistema sócio-econômico-político predominante na Idade Média chama-se FEUDALISMO.
       Com a Queda do Império Romano, como já citado anteriormente, o continente europeu fica militar e politicamente propenso às invasões . Para evitar o caos e para facilitar a expulsão dos invasores bárbaros, a Europa é dividida em reinos e cada reino em  grandes lotes de terras ou FEUDOS.
       Cada feudo possui um administrador com plenos poderes: o SENHOR FEUDAL. Assim, no sistema feudal, o poder do rei é descentralizado para os feudos, para os senhores feudais.
       A atividade econômica principal na Europa medieval é a AGRICULTURA: o senhor feudal ARRENDA as terras do feudo aos agricultores - seus SERVOS ou VASSALOS - que pagam o arrendamento  com produtos nela cultivados e colhidos; quase toda a produção agrícola, assim, é de propriedade do senhor feudal, ficando apenas uma pequena parte dessa produção ao servo ( o suficiente para sua subsistência  e da sua família ). O senhor feudal, por sua vez, "presta contas" ao rei de "tudo" que diz respeito ao feudo que administra, além de ser seu  cavaleiro, seu companheiro e defensor nas guerras: ele é vassalo do rei.
       Além dos servos, os feudos contam ainda com os cavaleiros do senhor feudal e com os artesãos, aqueles que elaboram manualmente  as roupas, os calçados, os utensílios e todos os objetos consumidos pela sociedade.
       No sistema feudal, as mercadorias são TROCADAS entre si, conforme o valor de uso (a necessidade dos envolvidos na troca), ou seja, o valor material das mercadorias praticamente fica em segundo plano ou, às vezes, nem é levado em conta.    
       Além das classes sociais já citadas ( servos/ artesãos/ cavaleiros/ senhores feudais e outros nobres/ reis) a sociedade feudal tem uma outra - a mais poderosa das classes - que é o CLERO. No próximo item veremos de onde vem todo o poder do clero medieval.
     2.2. O TEOCENTRISMO
       O Cristianismo, como vimos, é a religião oficial da Europa na Idade Média, tanto que aquele que não é cristão é inimigo político e religioso. A religião, assim, é algo de extrema importância para o homem medieval: agradar e obedecer a Deus é seu objetivo de vida, ou seja, Deus é o centro da vida humana nessa época. O TEOCENTRISMO, portanto , é um dos traços essenciais da cultura medieval.
A instituição social  que se diz "porta-voz de Deus na Terra"  é a IGREJA CATÓLICA; assim, aquele que deseja servir plenamente a Deus (não importa a que classe social pertença), deve ficar atento ao que prega a Igreja e seguir fielmente os seus preceitos: o que é pecado, o que é virtude, como se caracteriza o verdadeiro cristão, etc... Com tal ideologia, plenamente aceita por todas as classes sociais, o poder "divino" da Igreja determina o modo de vida, os valores mais importantes, a maneira de ser de toda a sociedade: o CLERO é, por isso, a classe dominante  - a mais  poderosa economica-política-socialmente falando, dentro da sociedade medieval.
      Não é à toa que quando nos reportamos à Idade Média, as imagens que imediatamente ocupam nossa mente são, além dos castelos: os mosteiros, os religiosos, a Inquisição...
     2.3. O CONVENCIONALISMO
       A sociedade medieval é convencional, ou seja, nela as pessoas se tratam com extremo respeito e formalidade, mesmo as mais íntimas ou as mais zangadas. É por isso que nessa época é muito comum, no dia a dia de todas as classes sociais, o uso de palavras e expressões de tratamento como : vós, vos, vosso(a)(s), senhor, senhora, dom/dona (para reis/rainhas/nobres em geral), amigo (namorado), etc, e os verbos na 2a. pessoa do plural.       O tratamento cortês (convencionalismo social) é outro traço da cultura medieval.
     2.4. O PATRIARCALISMO
       A sociedade medieval é patriarcal: a mulher leva uma vida segregada, não tem qualquer participação social e depende totalmente do homem. Trancada e vigiada em casa - primeiro pelo pai, depois pelo marido - a mulher é educada para ser mãe e esposa, ocupando-se dos afazeres domésticos, de trabalhos manuais como tecer, bordar, costurar, etc. Raramente a mulher tem alguma instrução.
         Todos esses traços da cultura medieval aparecem marcados (presentes) na obra literária européia, da qual a Literatura  Portuguesa é nosso exemplo e objeto de estudo. A  Literatura Portuguesa surge no século XII, simultaneamente ao surgimento de Portugal como nação.
II - COMO SE FORMOU A NAÇÃO PORTUGUESA
       O século XII é o de luta mais intensa entre cristãos e mouros, que vão cedendo terreno pouco a pouco ante a vigorosa ofensiva dos leoneses. Afonso VI é o rei de Leão e chega para reforçar a luta contra os mouros o nobre francês Henrique de Borgonha. Tal foi sua contribuição que o rei lhe deu a mão da filha - Dona Teresa - em casamento e o governo de um dos seus melhores condados: o de Porto-Cale; pouco tempo depois, o Conde Henrique anexa ao seu domínio o condado de Coimbra e tem um herdeiro: o futuro rei Dom Afonso Henriques.
      Em 1114, Henrique de Borgonha morre e sua viúva assume o governo como regente, pois Afonso Henriques tem apenas 3 anos. Ao completar 18 anos, D. Afonso Henriques assume o governo e entra em guerra contra os mouros e contra o então rei de Leão - Afonso VII - sagrando-se sempre vencedor; aos Condados de Porto Cale e Coimbra é anexado todo o reino de Leão:  todo esse território forma a nação portuguesa, cujo fundador, D. Afonso Henriques, é reconhecido como seu rei inclusive pelo derrotado e ex-rei de Leão - Afonso VII.
      Como resultado de suas vitórias sobre os mouros que ocupavam muitas cidades portuguesas, D. Afonso Henriques recebe a alcunha de "o Conquistador". A expulsão dos mouros também torna-se preocupação dos reis portugueses que sucedem D. Afonso Henriques, como: D. Sancho I, D. Afonso II, D. Sancho II, D. Afonso  III , D. Dinis ( o REI-TROVADOR), etc.
 III- A LITERATURA MEDIEVAL PORTUGUESA :
As CANTIGAS
     1. Denominações e origem da Literatura Medieval Portuguesa
       A Literatura Portuguesa surge no século XII: na Idade Média, portanto. Tudo que vimos até aqui a respeito da Idade Média vale para Portugal: o que ocorre na sociedade, na Arte e na Literatura portuguesas é exemplo do que ocorre em toda a Europa.
      As primeiras obras literárias portuguesas são elaboradas em versos: são poemas. Como ainda não há imprensa nessa época, os poemas medievais são orais e com acompanhamento musical, recebendo, por isso, o nome de CANTIGAS  ou  TROVAS.  As cantigas são divulgadas nas ruas, nas praças, nas festas, nos palácios; para facilitar sua memorização e divulgação, as cantigas são elaboradas com versos curtos que não seguem necessariamente as normas da Versificação e que se repetem pelo poema; além disso, a linguagem das cantiga é extremamente fácil, pois, a língua falada em Portugal é o GALEGO-PORTUGUÊS, uma língua simples e ingênua. 
A primeira obra literária portuguesa de que se tem notícia data de 1189: a cantiga "A RIBEIRINHA", de autoria de Paio Soares de Taveirós, uma cantiga de amor em homenagem a Maria Paes Ribeiro; como os poetas não podiam revelar o nome das suas amadas nas cantigas de amor e como a homenageada era casada, o autor dessa cantiga se inspirou no sobrenome da amada para nomear sua obra.
     Cantiga da Ribeirinha
No mundo non me sei parelha,
mentre me for' como me vai,
ca ja moiro por vós - e ai!
mia senhor branca e vermelha,
Queredes que vos retraia
quando vos eu vi em saia!
Mao dia me levantei,
que vos enton non vi fea!

E, mia senhor, des aquel di', ai!
me foi a mi muin mal,
e vós, filha de don Paai
Moniz, e ben vos semelha
d'haver eu por vós guarvaia,
pois eu, mia senhor, d'alfaia
Nunca de vós ouve nem ei
valía d'ũa correa.  (Paio Soares de Taveirós)

Tradução:

No mundo ninguém se assemelha a mim
enquanto a vida continuar como vai,
porque morro por vós, e ai!
minha senhora alva de pele rosadas,
quereis que vos retrate
quando eu vos vi sem manto.
Maldito dia que me levantei
E não vos vi feia

E minha senhora, desde aquele dia, ai!
tudo me foi muito mal
e vós, filha de Don Paio
Moniz, e bem vos parece
de ter eu por vós guarvaia
pois eu, minha senhora, como presente
Nunca de vós recebera algo
Mesmo que de ínfimo valor.

É das palavras TROVA e TROVADOR ( poeta nobre que faz trovas) que deriva o nome mais comum que se dá a toda Literatura Portuguesa elaborada na Idade Média: TROVADORISMO.
     As primeiras cantigas ou trovas medievais portuguesas são inspiradas nas cantigas que há muito tempo já eram feitas em Provença, no sul da França; por isso, a Literatura Medieval Portuguesa também é chamada de LITERATURA PROVENÇAL.
Apesar de oito séculos terem se passado, as cantigas continuam existindo: basta ligarmos o rádio e ouviremos POEMAS ORAIS (cantados) ACOMPANHADOS DE MÚSICA...
     2. Tipos de cantigas
       2.1. CANTIGA DE AMOR: o eu-lírico é masculino; o conteúdo dessas cantigas  consiste numa declaração de amor a uma mulher. Nessa declaração:
- o homem revela seu amor platônico, pois tal amor não pode ser correspondido pela amada, já que ela é casada, ou mais rica que ele, etc, ou seja, existe pelo menos um obstáculo impossível de ser superado para que o amor entre ambos se concretize;
- diante da impossibilidade de que seu amor seja correspondido pela amada, o eu-lírico diz se contentar pelo menos em ver a amada e, caso nem isso seja possível, ele prefere morrer;
- a amada é sempre idealizada, divinizada e cultuada;
- a amada é tratada pelo pronome SENHORA. Para compensar a mulher das desvantagens por ela sofridas na sociedade patriarcal, no relacionamento amoroso o homem finge-se inferior a ela e, numa atitude de VASSALAGEM, passa a tratá-la com a mesma cortesia, respeito  e submissão com que trata seu senhor feudal  nas relações sociais ( no seu dia a dia): em suma, no relacionamento amoroso, a mulher aparece como SUPERIOR ao homem. Há alguns estudiosos que levantam a possibilidade de que o homem trata a mulher por SENHORA, no relacionamento amoroso,  visto que ela adquire um caráter divino e é cultuada por ele como se cultua uma deusa, uma santa ( como se ela fosse Nossa SENHORA, mãe de Jesus); de qualquer forma, essas duas possibilidades mostram que o homem transfere para o relacionamento amoroso as práticas mais importantes de seu dia a dia: a de vassalagem e a de religiosidade extrema;
- o nome da amada não  é revelado;
      As cantigas de amor, portanto, apresentam  um conteúdo que expressa tristeza, solidão, amor platônico, desejos não realizados, etc, ou seja, possui  "tom"  triste: pertencem ao GÊNERO LÍRICO   e , pelo conteúdo melancólico, são ELEGIAS.
Exemplo de cantiga de amor (de Bernal de Bonaval):
"A dona que eu am'e tenho por Senhor
amostrade-me-a Deus, se vos en prazer for,
se non dade-me-a morte.

A que tenh'eu por lume d'estes olhos meus
e porque choran sempr(e) amostrade-me-a Deus,
se non dade-me-a morte.

Essa que Vós fezestes melhor parecer
de quantas sei, a Deus, fazede-me-a veer,
se non dade-me-a morte.

A Deus, que me-a fizestes mais amar,
mostrade-me-a algo possa con ela falar,
se non dade-me-a morte."
       2.2.  CANTIGA DE AMIGO : o eu-lírico é feminino. Consiste num desabafo da mulher acerca da vida (terrível) que leva numa sociedade patriarcal e/ou na declaração de amor  pelo seu amigo  (seu namorado) e da saudade e do ciúme que sente dele, já que lhes falta liberdade para seus  encontros. Tal desabafo normalmente é dirigido a outra mulher ( sua mãe, irmã, amiga, etc, que a entende, pois passa pelos mesmos dissabores), a Deus ou a algum elemento da natureza ( mar, árvores, céu, etc).
      Assim como  as cantigas de amor, as cantigas de amigo também possuem conteúdo melancólico: são do Gênero Lírico - elegias.
      A informação mais curiosa que se tem a respeito das cantigas de amigo, porém, é a de que elas são elaboradas por homens . Ao que parece, eles penetram e entendem a alma feminina tanto quanto ou, às vezes, até mais  que certas mulheres.
Exemplo de cantiga de amigo (de D. Dinis – o Rei Trovador)
"Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo!
ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi há jurado!
ai Deus, e u é?"

    Obs.     e u é? (onde ele está?)

       2.3. CANTIGA DE ESCÁRNIO: é uma sátira que critica indiretamente o sistema ou alguém ; a crítica irônica é tão bem elaborada que, por parecer um elogio, tal tipo de cantiga  é a preferida dos senhores feudais. 
Exemplo de cantiga de escárnio (de Joan Garcia de Guilhade)

"Ai dona fea! Foste-vos queixar
Que vos nunca louv'en meu trobar
Mais ora quero fazer un cantar
En que vos loarei toda via;
E vedes como vos quero loar:
Dona fea, velha e sandia!

Ai dona fea! Se Deus mi pardon!
E pois havedes tan gran coraçon
Que vos eu loe en esta razon,
Vos quero já loar toda via;
E vedes qual será a loaçon:
Dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loei
En meu trobar, pero muito trobei;
Mais ora já en bom cantar farei
En que vos loarei toda via;
E direi-vos como vos loarei:
Dona fea, velha e sandia!"

      2.4. CANTIGA DE MALDIZER: é uma sátira que critica direta e violentamente o sistema  ou alguém: as corrupções, os roubos, os adultérios, as explorações , etc , e seus envolvidos são citados nominalmente.
 Os: alguns autores consideram a sátira como uma modalidade do Gênero Lírico; outros, como um Gênero à parte (Gênero Satírico). 
Exemplo de cantiga de maldizer (de Afonso Eanes de Coton)

Marinha, o teu folgar
tenho eu por desacertado,
e ando maravilhado
de te não ver rebentar;
pois tapo com esta minha
boca, a tua boca, Marinha;
e com este nariz meu,
tapo eu, Marinha, o teu;
com as mãos tapo as orelhas,
os olhos e as sobrancelhas,
tapo-te ao primeiro sono;
com a minha piça o teu cono;
e como o não faz nenhum,
com os colhões te tapo o .
E não rebentas, Marinha?

São trovadores desta época:

Afonso Sanches
Aires Corpancho
Aires Nunes
Bernardo Bonaval
Dom Dinis I de Portugal
D. Pedro, Conde de Barcelos
João Garcia de Guilhade
João Soares de Paiva ou João Soares de Pávia
João Zorro
Paio Gomes Charinho
Paio Soares de Taveirós (Cantiga da Garvaia)
Meendinho
Martim Codax
Nuno Fernandes Torneol
Guilherme IX, Duque da Aquitânia
Pedro III de Aragão

    3. Os "Cancioneiros"
       CANCIONEIROS são "arquivos" onde são encontradas algumas das cantigas medievais portuguesas (as que foram compiladas e guardadas). Conhecem-se 3 Cancioneiros de poemas em galego-português:
      3.1."CANCIONEIRO DA AJUDA", encontrado no Convento da Ajuda, é o mais antigo dos Cancioneiros; provavelmente copiado em fins do séc. XIII, possui 310 cantigas, sendo que 304 delas são cantigas de amor.  É considerado o mais incompleto dos 3 Cancioneiros, pois não contém os poemas do rei-trovador D. Dinis, mas é um documento valioso, pela grafia e  partituras originais.
     3.2. "CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA"  ou              "CANCIONEIRO COLOCCI- BRANCUTI" , é o mais completo dos Cancioneiros galego-portugueses: possui 1647 cantigas de todos os tipos; encontrado primeiramente na biblioteca do Conde italiano Brancuti, no século XVI o Cancioneiro passou a pertencer ao humanista italiano  Angelo Colocci ; em 1880, o Cancioneiro foi vendido à Biblioteca Nacional de Lisboa, onde se encontra até hoje.
       3.3. "CANCIONEIRO DA VATICANA". Pesquisando a biblioteca papal, Fernando Wolf descobriu esse Cancioneiro de 1205 cantigas, dentre elas as de D. Dinis , que aparecem também no "Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa".
      Graças à existência desses Cancioneiros que temos hoje exemplos de cantigas medievais portuguesas, mesmo que a maioria delas sejam de autoria de poetas nobres e que as mais populares (e, por isso, bem interessantes) perderam-se no tempo.    
    4. Pessoas envolvidas na elaboração/apresentação das cantigas portuguesas
     Há denominações diferentes para o poeta nobre e para o poeta plebeu:
    . Poeta nobre: é o TROVADOR  /  . Poeta plebeu: é o JOGRAL
       Caso o poeta não tenha conhecimentos musicais  para o acompanhamento do poema, ele pede a colaboração de alguém que é apenas COMPOSITOR: o MENESTREL. O poeta também deve ter boa voz para apresentação da cantiga, já que ela é um poema ORAL; mas caso o poeta não possui tais dotes fônicos, ele pede a colaboração de um CANTOR: o SEGREL.
    5. Características gerais da Literatura Medieval Portuguesa:
     5.1. SUBJETIVIDADE: a poesia medieval portuguesa é lírica, predominando a função emotiva da linguagem, ou seja, seu conteúdo expressa as emoções, os sentimentos, a visão de mundo do emissor (do eu-lírico), marcadas no texto através de palavras na 1a. pessoa (verbos, pronomes), das interjeições, das exclamações;
  5.2. TEOCENTRISMO: o eu-lírico expressa sua religiosidade extrema através da palavra Deus - sempre presente nas cantigas- dos nomes de santos, de elementos do Cristianismo, festas e lugares santos, etc.
     5.3. CONVENCIONALISMO: todo o convencionalismo social está marcado nas cantigas medievais através da presença de pronomes e verbos na 2a. pessoa do plural e dos pronomes de tratamento : senhora, dom, dona, amigo, etc.
     5.4. SUPERIORIDADE FEMININA NO AMOR: como já foi visto, nas cantigas de amor (às vezes até em outras), ao declarar-se à amada, o homem finge-se inferior, submisso a ela (VASSALAGEM): ela é cultuada como um ser superior, divino, ao contrário do que acontece na realidade;
     5.5. PATRIARCALISMO: marcado nas cantigas medievais através do desabafo que o eu-lírico feminino faz nas cantigas de amigo a outra mulher, à natureza ou a Deus.
   Como se pode notar, as cantigas medievais portuguesas contém marcas do tipo de cultura, do momento em que elas foram elaboradas: elas são, portanto, verdadeiros documentos de época (documentos históricos).
IV- A PROSA MEDIEVAL PORTUGUESA
A obra medieval em prosa  é composta por NARRATIVAS de 4 tipos:
 1. CRONICÕES (Crônicas Historiográficas): narrativas de fatos históricos importantes colocados em ordem cronológica, entremeados de fatos fictícios;
 2. HAGIOGRAFIAS: narrativas que contam a vida de santos (biografias) ;
 3. NOBILIÁRIOS: ou livros de linhagens, são relatórios a respeito da vida de um nobre: sua árvore genealógica (antepassados), relação das riquezas e dos títulos de nobreza que possui, etc;
4. NOVELAS DE CAVALARIA: narrativas literárias em capítulos que contam os grandes feitos de um herói (acompanhado de seus cavaleiros), entremeados de célebres histórias de amor. Tais histórias de amor não são melancólicas e platônicas como o que aparece nas cantigas: o herói cultua a amada, mas não se contenta apenas em vê-la; ele quer e é correspondido pela amada, que por ser casada (ou religiosa: "casada com Cristo"), torna-se adúltera para concretizar o seu amor; os obstáculos incentivam o herói na fase de conquista (o que é proibido é mais gostoso), ao invés de torná-lo impotente como acontece nas cantigas; a esse amor físico, adúltero, presente nas novelas e xácaras medievais, dá-se o nome de AMOR CORTÊS, em que o casal central não tem final feliz e é severamente punido pelo pecado cometido. Nesses episódios eróticos são revelados até relacionamentos homossexuais (rei Artur e Lancelot, rei Ricardo Coração de Leão...)
Amadis de Gaula é uma obra marcante do ciclo de novelas de cavalaria da Península Ibérica do século XVI. Apesar de se saber que a obra existe desde, pelo menos, o século XIV, a versão definitiva mais antiga, actualmente conhecida, é a de Garci Rodríguez de Montalvo, impressa em língua castelhana em 1508 e denominada Los quatro libros de Amadís de Gaula. Tudo indica, contudo que a versão original era portuguesa, e muito anterior. O próprio Montalvo reconhece ter emendado os três primeiros livros e ser apenas autor do quarto.
A versão original de Amadis de Gaula tem sido atribuída a vários autores portugueses. A crónica de Gomes Eanes de Azurara, escrita em 1454 menciona como seu autor um tal de Vasco de Lobeira, que tinha sido armado cavaleiro na batalha de Aljubarrota. No entanto, outras fontes indicam que o autor foi sim João de Lobeira e não o anterior.
Seja como for, a única versão completa é a de Montalvo, que constituiu um enorme êxito em toda a Europa, sendo traduzida para as principais línguas da Europa ocidental, além dos originais castelhano e português. Vários autores, de vários países, escreveram sequelas de Amadis, inclusive o próprio Montalvo, com o quinto livro do ciclo, Las sergas de Esplandián. Em Portugal foram escritos vários romances do tipo de Amadis, sendo o mais famoso Palmeirim de Inglaterra de Francisco de Morais.
5. HISTÓRIAS DE TRANCOSO – Ainda sem um estudo mais detalhado, não se sabe o tempo certo do surgimento. Sabe-se que eram histórias exageradamente fantasiosas.
 Os heróis medievais não têm a força física exagerada dos heróis da Antiguidade, mas são sempre jovens, belos e elegantes. Suas amadas são sempre "as mais belas do reino". A maioria das novelas de cavalaria portuguesas são traduções ou adaptações de novelas francesas ou inglesas. Dependendo de quem é o herói principal da novela, ela faz parte de um dos  seguintes CICLOS:
a) CICLO GRECO-ROMANO OU CLÁSSICO: conjunto de novelas de cavalaria que narram as façanhas de heróis da antiguidade;
b) CICLO CAROLÍNGEO OU FRANCÊS: novelas cujo herói é Carlos Magno;
c) CICLO ARTURIANO OU BRETÃO: as novelas deste ciclo são as mais famosas, adaptadas e traduzidas; o herói dessas novelas é o Rei Artur, sempre acompanhado de seus célebres cavaleiros da távola redonda.
Essa "MATÉRIA DA BRETANHA" é uma das fontes que dão origem às novelas de cavalaria portuguesas: tanto que as novelas portuguesas mais importantes pertencem ao Ciclo Arturiano ou Bretão, como "José de Arimatéia", "História de Merlin", etc.  As novelas mais marcantes porém são:
a)"A DEMANDA DO SANTO GRAAL" : narra a busca do cálice sagrado pelo rei Artur e os cavaleiros da távola redonda;
b)"AMADIS DE GAULA", de autoria de Vasco ou João da Lobeira.
As novelas de cavalaria portuguesas também são inspiradas nas CANÇÕES DE GESTA  francesas (cantigas que homenageavam os heróis e seus feitos). A prosa medieval portuguesa, como se pode concluir, é predominantemente do GÊNERO ÉPICO.
 A Literatura Medieval Portuguesa expressa a simplicidade, a ingenuidade e a passividade do homem medieval  e contém marcas do contexto em que foi produzida. Completamente dominado pelo medo do pecado e com o objetivo de agradar sempre a Deus, o homem  medieval ainda consegue fazer uma literatura que em determinados  momentos rompe com esse domínio: é o caso das novelas de cavalaria, dos romances ou xácaras.  O segundo período medieval vai mostrar que esse "rompimento" vai aumentando  com o passar do tempo, até que o homem consegue sair das TREVAS MEDIEVAIS definitivamente. 
(Informações básicas do portal http://rosabe.sites.uol.com.br) 

sábado, 2 de junho de 2012

Timor-Leste: o país mais jovem de Língua Portuguesa


Dili - Capital do Timor-Leste
Timor-Leste (oficialmente chamado de República Democrática de Timor - Leste) é um dos países mais jovens do mundo, e ocupa a parte oriental da ilha de Timor no Sudeste Asiático, além do exclave de Oecusse, na costa norte da parte ocidental de Timor, da ilha de Ataúro, a norte, e do ilhéu de Jaco ao largo da ponta leste da ilha. As únicas fronteiras terrestres que o país tem ligam-no à Indonésia, a oeste da porção principal do território, e a leste, sul e oeste de Oecusse, mas tem também fronteira marítima com a Austrália, no Mar de Timor, a sul. Com 14 874 quilómetros quadrados de extensão territorial, Timor-Leste tem superfície equivalente às áreas dos distritos de Beja e Faro somadas ou ainda é consideravalmente menor que o menor dos estados brasileiros, Sergipe. Sua capital é Díli, situada na costa norte.
Conhecido no passado como Timor Português, foi uma colónia portuguesa até 1975, altura em que se tornou independente, tendo sido invadido pela Indonésia três dias depois. Permaneceu considerado oficialmente pelas Nações Unidas como território português por descolonizar até 1999. Foi, porém, considerado pela Indonésia como a sua 27.ª província com o nome de "Timor Timur". Em 30 de agosto de 1999, cerca de 80% do povo timorense optou pela independência em referendo organizado pela Organização das Nações Unidas.
Bandeira do Timor-Leste
A língua mais falada em Timor-Leste era o indonésio no tempo da ocupação indonésia, sendo hoje o tétum (mais falado na capital). O tétum e o português formam as duas línguas oficias do país, enquanto o indonésio e a língua inglesa são consideradas línguas de trabalho pela atual constituição de Timor-Leste. Devido à recente ocupação indonésia, grande parte da população compreende a língua indonésia, mas só uma minoria o português. Geograficamente, o país enquadra-se no chamado sudeste asiático, enquanto do ponto de vista biológico aproxima-se mais das ilhas vizinhas da Melanésia, o que o colocaria na Oceania e, por conseguinte, faria dele uma nação transcontinental. (Wikipédia)
Timor completa dez anos de independência com novo presidente
               Leonardo Sakamoto
Vales de Maubessi, interior de
Timor Leste (Blog do Sakamoto)
 
Timor Leste completa dez anos neste domingo (20). Nesta data, assume a Presidência do país José Maria Vasconcelos, ou Taur Matan-Ruak, ex-comandante geral da guerrilha timorense que lutou contra a ocupação indonésia. Passa a ocupar um cargo que já foi de Xanana Gusmão, herói da resistência e hoje primeiro-ministro, e de José Ramos-Horta, prêmio Nobel da Paz, que deixa o poder.
Vejo sempre Timor com um misto de saudade, preocupação e de esperança. Nem me esforço para ter uma análise isenta quanto aquela porcão de terra entre os oceanos Índico e Pacífico (até porque análises isentas não existem). Seria perda de tempo. Estive por lá em 1998 para fazer uma reportagem sobre a luta do povo maubere pela autodeterminação. Depois, apaixonado pela ilha e seu povo, defendi um mestrado sobre as causas do sucesso da resistência. Sou brasileiro, mas quem conhece Timor de verdade, carrega aquele povo no peito por toda a vida.
Futebol em praia de Dili, capital de Timor (Blog do Sakamoto)
Entrevistei Xanana Gusmão em duas ocasiões – a primeira na penitenciária de Cipinang, em Jacarta, capital da Indonésia, quando cumpria pena por tentar fazer do Timor um país livre (em 1998), e a outra em São Paulo, durante sua visita ao Brasil, em 2002. Otimista quanto às diferenças políticas, frisava que elas não deveriam ser ignoradas, mas eram levadas em conta para o desenvolvimento do país:
“Pergunta-me se superamos as diferenças. Permita-me que responda que espero que não. Este momento é o momento da vivência das diferenças. É na diferença que vamos crescer e amadurecer. É na diferença que vamos aprender o respeito democrático e enriquecer o nosso debate e as opções tão difíceis que temos de fazer nestes primeiros anos de independência. No que é fundamental e estratégico para o futuro do país, as diferentes forças políticas e da sociedade civil estão em acordo. Creio que este acordo é essencial… No resto, a diferença não só é desejável como saudável”.
Acampamento central da guerrilha timorense (Blog do Sakamoto)
Encontrei-me também duas vezes com o agora presidente Matan-Ruak. A primeira no acampamento central da guerrilha no interior de Timor Leste, em 1998 e, depois, no Brasil anos mais tarde. Fiquei alguns dias com a guerrilha, acompanhando treinamentos e discutindo a conjuntura do país e do mundo. No meio de selva, há 14 anos, perguntei o que iria fazer ao final da guerra:
“Pretendo trabalhar mais uma vez pelo povo do Timor. Pelos mutilados da guerra, os órfãos, as viúvas, ajudar a educar a nova geração que vai governar o Timor. Queremos, acima de tudo, um Estado bom, que auxilie a população. Confiamos em nossos líderes, mas exigiremos nossos direitos. Caso contrário, a gente vai para guerra novamente”. E, de certa forma, é uma guerra que Matan-Ruak tem pela frente, tão grave como aquela contra o invasor. Uma guerra contra a pobreza que atinge boa parte do país.
No dia 30 de agosto de 1999, 78,5% da população do Timor Leste votou a favor de sua autodeterminação e contra a integração definitiva com a Indonésia – o auge de 24 anos de resistência à dominação e guerra pela independência. A ocupação, mantida à força pelo governo do general Suharto, causou um dos maiores genocídios do século 20, com mais de 30% de timorenses mortos direta ou indiretamente pelo conflito – tendo como base o número de habitantes em 1975. Uma onda de violência tomou conta do país próximo à data desse plebiscito, quando grupos paramilitares armados pela Indonésia espalharam o terror entre os timorenses.
Barco tradicional timorense em praia de Dili (Blog do Sakamoto)
A luta pela independência criou bases necessárias para a formação e, principalmente, a manutenção de um Estado livre e autônomo. A resistência da população maubere à anexação com a Indonésia possibilitou que diferenças que bloqueavam a consolidação da união nacional fossem canalizadas em prol de um objetivo único. Ao mesmo tempo, criou e fortaleceu símbolos de uma identidade timorense – que antes não existiam.
As Falintil, a guerrilha timorense, ao contrário do discurso de analistas que gostam de taxar todos os exércitos de libertação nacional do pós Guerra Fria como grupos mercenários, não visavam à pilhagem, ao roubo e à dominação territorial. Até porque, a guerrilha era considerada as forças armadas de Timor, servindo à defesa de um projeto nacional e não ao favorecimento de um grupo ou de outro, ou de uma ideologia específica. Era composta por indivíduos de diversos grupos étnicos de todas as regiões da ilha.
A conjuntura internacional do pós Guerra Fria, com a diminuição da importância estratégica da Indonésia para os Estados Unidos, e a crise econômica do Sudeste Asiático no final da década contribuem um pouco para explicar o sucesso da resistência através do enfraquecimento do governo Suharto. Porém, o maior peso internacional veio dos grupos de pressão, munidos de informações fornecidas pela Resistência Timorense no exílio, que fizeram campanha para que seus governos interviessem junto à Indonésia por uma solução para o caso timorense.
No dia 20 de maio de 2002, Xanana Gusmão assumiu o cargo de primeiro presidente da República Democrática de Timor Leste, em uma festa que reuniu chefes de Estado e de governo de todo o planeta. A posse tinha um significado maior porque, ao mesmo tempo, os mauberes recebiam das Nações Unidas a administração total do seu território. Agora, dez anos depois, a ONU se prepara para retirar suas forças (composta de mais de 1300 policiais e militares) até o dia 31 de dezembro.
Palácio do Governo em Dili
Diante de uma situação de terra arrasada, muitos se perguntaram na época se o Estado timorense conseguiria se manter frente aos desafios econômicos, sociais e políticos sem a tutela das Nações Unidas. Vieram graves crises, atentados, disputas internas. Mas engana-se quem reduz os conflitos em Timor a disputas étnicas, regionais ou religiosas e esquece o difícil processo político que tem sido a fundação do Estado timorense sob a miséria que atinge a maioria da população. Um dos países mais pobres do mundo, entregue à própria sorte durante a ocupação indonésia e transformado em ícone internacional da liberdade, hoje, passado algum tempo da comoção pela independência, foi praticamente deixado de lado na pauta da comunidade internacional. Justamente quando vive sua fase mais delicada.
Boa parte do povo maubere possui poucas perspectivas de um futuro melhor, os sistemas de proteção social estão apenas começando e faltam recursos para investimento. Além disso, o país é dependente do petróleo (o mar de Timor possui uma das maiores reservas do mundo), mas os recursos oriundos dele ainda demoram para chegar a toda a população.
Mas há uma geração inteira, filhos da ocupação, que lutou para obter a independência e, com isso, desenvolveu uma forte cultura de participação política. Esse capital acumulado tem sido muito útil para enfrentar esses desafios dos primeiros anos de liberdade e assegurar, enfim, a consolidação da democracia. Ou seja, diálogo.
A gente pobre daquela esquina do mundo enfrentou por um quarto de século um dos maiores exércitos do planeta sem o apoio de quase ninguém e venceu. É possível tirar algumas lições de lá para a nossa realidade. A periferia do mundo enfrenta um período decisivo. Se puder se unir em torno de um mesmo inimigo – a pobreza, suas causas e causadores – conseguirá também se libertar e ser realmente independente. (Blog do SAKAMOTO) 
''Os líbios chegaram à luta armada por causa da prepotência de Kadafi''
     ENTREVISTA - Xanana Gusmão, primeiro-ministro do Timor Leste
            Guilherme Russo - O Estado de S.Paulo
Xanana Gusmão
Empenhado diretamente na construção da democracia no Timor Leste desde 1999, o atual premiê e ex-presidente do país, Xanana Gusmão, vê com bons olhos as revoltas no mundo árabe - principalmente no Egito e na Tunísia. Mas, citando a insurreição líbia, o ex-guerrilheiro afirma que não considera mais a rebelião armada o caminho para uma sociedade democrática.
Experiência. Para Xanana, uso de pressão política poderia ter evitado conflito na Líbia Em sua opinião, se a comunidade internacional enviar forças armadas estrangeiras à Líbia, o país de Muamar Kadafi poderá ter o mesmo fim do Iraque e do Afeganistão, "dois casos em que a guerra vai se prolongar por muito mais tempo", disse. Apesar de não muito afeito à tecnologia, Xanana reconhece o resultado "inimaginável" das ferramentas de comunicação que mobilizou o Egito. Na entrevista concedida ao Estado em São Paulo, ele lembrou que, no caso da independência do Timor Leste, a atual função dos celulares, que transmitiram protestos e repressão nos últimos meses, foi exercida na ocasião pelo jornalista britânico Christopher Wenner, também conhecido como Max Stahl. Em 12 de novembro de 1991, o repórter registrou forças do ditador indonésio Suharto - que ocupou o Timor Leste entre 1975 e 1998 - disparando contra manifestantes na capital, Díli. O chamado Massacre do Cemitério de Santa Cruz deixou ao menos 250 mortos. Xanana ficou preso entre 1992 e 1999. Só foi libertado quando a ONU entrou no Timor Leste com a intenção de constituir um Estado na ex-colônia portuguesa vítima de mais de duas décadas de uma ditadura genocida imposta pela Indonésia.
Como se processa a instalação de um Estado democrático em uma sociedade destruída?
É um processo de construção difícil. Esses países árabes, neste momento, estão em muito melhores condições (do que o Timor Leste anterior à independência) de perceber que cada país deve tentar reunir todos os diferentes grupos para eleições de Assembleia Constituinte - e gosto muito que isso vá acontecer na Tunísia em julho. Creio que o Egito também tem de seguir essa linha. Nos próximos dez anos será difícil a consolidação da democracia (nos dois países). Porque a democracia tem direitos, mas também tem deveres.
O senhor ainda acredita na luta armada como um caminho para a democracia?
Não. Já passou o tempo em que as vitórias se decidiam pela via militar. Já passou. Vejamos o Iraque, vejamos o Afeganistão.
Mas no caso do Timor Leste o senhor atuou dessa maneira.
É diferente. Aquilo era libertação. Não democratização.
O seu conselho ao povo da Líbia é abandonar a luta armada?
Eles tiveram de chegar a isso por causa da prepotência magnífica de Muamar Kadafi.
Então a luta armada se justifica na Líbia?
É justificada, mas poderia ser evitada. Pois há uma outra forma: a pressão política. Quanto mais envolvem a população na luta armada, diferenças, raiva e espírito de vingança surgem. E fica mais difícil a pacificação.
O que a comunidade internacional pode fazer?
Percebi que, no caso do Egito, os países falaram com os militares. Por que não fazer isso com os militares líbios?
O que deve ocorrer nos países que derrubaram seus regimes?
Vai depender. O cuidado que tem de ser tomado ali é de os líderes políticos continuarem pedindo ao povo tolerância e não violência.
A internet realmente teve papel fundamental nos protestos do mundo árabe?
O uso do Facebook e do Twitter para mobilizar prova que a consciência do povo estava à espera de uma ocasião para isso. Não se consegue mobilizar só por mobilizar. Não é como convidar uma pessoa à praia. É convidar uma pessoa a ir expressar-se com o risco de ser baleada.