METRALHADORA
As 23 prisões não foram suficientes para cessar a crítica da
escritora ao sistema capitalista, às mulheres e aos
colegas do movimento modernista, que representou
em sua fase mais radical
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Ana Weiss - do portal da revista ISTOÉ
Em pesquisa que traz textos
inéditos de Pagu, Augusto de Campos defende a musa da antropofagia como a mais
combativa artista do movimento modernista brasileiro
Patrícia Redher Galvão traduzia
Kafka e Ionesco quando quase ninguém os conhecia no Brasil. Era cartunista,
crítica, colaborou e fundou periódicos revolucionários e escreveu uma das mais
importantes obras proletárias do modernismo, “Parque Industrial”. Mas o olhar
lânguido e a boca sempre retinta de Pagu colocaram-na no panteão diferente de
seus pares e ela entrou para a história como musa modernista, ou musa
antropofágica, como defendeu Décio Pignatari em uma das primeiras ações de
resgate da obra da escritora, nos anos 1970. Dito, portanto, como um elogio.
Pagu, alcunha dada por Raul
Bopp, era mais jovem e, pelo que mostra o levantamento de Augusto de Campos,
ampliado em edição que sai pela Companhia das Letras, a mais entusiasmada
integrante do grupo de modernistas brasileiros de segunda geração, a “segunda
dentição da antropofagia”. Seu compromisso com o projeto de revolução estética
e social a levou a colocar o dedo na cara de parceiros e mestres, como Mário de
Andrade, a quem acusou de abandonar o movimento de 22 em artigo polêmico
publicado em 1948 na revista “Clima”, assinado em conjunto com o intempestivo e
irrefreável Oswald de Andrade. Mas, além da coragem de se opor aos movimentos
que abraçava – o modernismo e o socialismo –, Pagu tinha o hábito de seguir seu
coração. Com pouco mais de 20 anos, se envolveu com Oswald, que deixou a
pintora Tarsila Amaral para ficar com a muito mais nova ex-normalista.
“A exuberante beleza pessoal
talvez tenha contribuído para vitimizá-la, antes que para promovê-la”, escreve
Augusto de Campos na edição de “Pagu Vida-Obra”, agora acrescido de textos
inéditos da colunista de “A Mulher do Povo”, publicado pelo jornal fundado por
ela e por Oswald de Andrade e fechado depois de oito números pela polícia,
diante da pressão de estudantes de direito da Universidade de São Paulo. “Ela
era autora de artigos (sob diversos pseudônimos) e das ilustrações, charges,
vinhetas, títulos e legendas, como comprova a comparação com desenhos de ‘Álbum
de Pagu’, da ‘Revista de Antropofagia’ e outras fontes”, escreve o autor. Na
coluna anônima que Campos republica agora, Pagu não poupava nem mesmo a ala da
sociedade que poderia ter lhe dado, em vida, algum abrigo.
Em “O Retiro
Social”, ela alveja, com ironia cortante, as novas feministas brasileiras, que
imitavam sem muita verdade um modelo importado dos países anglófonos. “Agora
que nós caminhamos para uma época sem recalque e de moral biológica
racionalizada, onde não existirão nem desvios sexuais nem retiros físicos,
Freud e o Padre Manfredo podem pedir demissão.” Pelo destemor, pela inteligência
e, mais que tudo, pela coerência com que vivia os princípios de liberdade na
sua vida profissional e particular, o autor considera Patrícia Galvão – que não
conheceu em vida – “a primeira mulher nova brasileira”.
“Nenhuma correu os riscos, nenhuma
defendeu com tanto ardor a arte de vanguarda, nenhuma se pode comparar, em
termos de atuação ética e estética, com ela. De um modo ou de outro, todas
acabaram cedendo, menos ela.”
Pagu foi presa 23 vezes na vida.
A primeira prisão, pelo governo Vargas durante a greve dos estivadores de
Santos, é, de acordo com Geraldo Ferraz, seu segundo companheiro, o primeiro
encarceramento político de uma mulher no País. Expatriada da França, onde foi
detida como comunista, voltou para trás das grades por cinco anos, mais uma vez
pela polícia varguista. Teve dois filhos, o cineasta Rudá de Andrade, com o
primeiro marido, e o jornalista Geraldo Galvão Ferraz, com o segundo. Mesmo
sequelada pelas torturas sofridas na prisão, a escritora continuou produzindo, tendo
sido autora das críticas mais contundentes escritas na ocasião da Primeira
Bienal de São Paulo, em 1951. “Quando eu morrer, não quero que chorem a minha
morte. Deixarei o meu corpo pra vocês”, diz em uma das charges reproduzidas
pelo livro de Augusto de Campos, que traz ainda um belo caderno de retratos
cedidos pela irmã da modernista, Sidéria Rehder Galvão. Pagu deixou o corpo em
1962, aos 52 anos, depois da tentativa frustrada de curar um câncer e outra de
se suicidar, na casa de sua família paterna em Santos, litoral de São Paulo.