MARCO RODRIGO ALMEIDA – do caderno
ILUSTRADA, da Folha de São Paulo
Aluísio Azevedo |
Quando você leu Aluísio Azevedo
pela última vez? Se já saiu da escola há alguns anos, é bem provável que nunca
mais tenha passado os olhos por qualquer texto do autor de "O
Cortiço" - ou mesmo que o confunda com outros Azevedos ilustres da
literatura brasileira do século 19: Artur (de quem era irmão) e Álvares. Não se
trata de um azar específico de Aluísio (1857-1913), cuja morte completa cem
anos nesta segunda, dia 21. Quase todos os autores brasileiros do século 19
- Machado de Assis é a maior exceção - são mais próximos do universo escolar e
acadêmico, lidos mais por pesquisadores e estudantes. São o que se costuma
chamar de "autores de vestibular". "Machado é o maior, mas um
galo sozinho não tece uma manhã. Não há motivo para um brasileiro não ler
Aluísio Azevedo", diz Luiz Dagobert de Aguirra Roncari, professor de
literatura brasileira da USP. Houve um tempo, contudo, em que Aluísio ofuscou
até mesmo Machado (1839-1908). Em 1881, ambos publicaram obras fundamentais.
Machado lançou "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e Azevedo, "O
Mulato". Enquanto as inovações do primeiro tiveram repercussão discreta na
época, o segundo, de linguagem crua, mais explícito em seu retrato do
preconceito, da corrupção do clero e do desejo sexual, gerou escândalo e
sucesso. Nos anos seguintes, produziu outros livros importantes, como
"Casa de Pensão" (1884) e "O Cortiço" (1890), este último
sua obra-prima, conhecido, mesmo que de orelhada, por quase todo mudo que já
passou pela escola. Com esses três livros, Aluísio firmou-se como o principal
expoente nacional do naturalismo, escola literária fortemente influenciada por
teorias científicas, como o evolucionismo, que procura retratar fielmente a
realidade. Por suas qualidades, e também pelas controvérsias que desperta, sua
obra, longe de engessada, segue bastante viva. "'O Cortiço' é excepcional.
Tem grande consistência estética e inaugurou um novo tipo de romance urbano no
Brasil", afirma Paulo Franchetti, professor da Unicamp.
ALEGORIAS
Um cortiço no início do século XX |
O principal romance de Aluísio
retrata a vida de trabalhadores miseráveis que coabitam um cortiço no Rio do
fim do século 19. No centro da trama está o comerciante português João Romão,
que não mede esforços para enriquecer. Em "De Cortiço a Cortiço",
famoso ensaio que dedicou ao livro, Antonio Candido argumenta que Aluísio,
mesmo tendo se inspirado na obra do francês Émile Zola, deu cor local à trama,
criando uma alegoria do Brasil, do conflito entre as classes e do nosso
capitalismo primitivo do final do século 19. O ensaio destaca o pioneirismo do
romance ao retratar a menstruação e o lesbianismo. Mas Candido também aponta
alguns problemas e chavões, de certa forma característicos do naturalismo. O
clima e a mestiçagem são encarados como causa da miséria e desgraça dos
personagens. "Aluísio teve o mérito de colocar a miséria em cena, mas
alguns aspectos ficaram datados. Com essa visão sobre o clima e a raça, as
contradições sociais ficaram diluídas", avalia Cilaine Alves Cunha,
professora de literatura da USP. "É um livro complexo. Tem aspectos
conservadores, mas, por outro lado, tanta densidade", afirma Franchetti. "A
epígrafe, por exemplo, cita uma fábula sobre são Francisco. Mas como isso se
articula ao resto do livro? Ainda hoje é difícil de entender."