MARCO AURÉLIO CANÔNICO – da Serafina – Folha de São Paulo
Rodrigo Santoro |
Sempre chega aquele momento na vida em que o sujeito precisa decidir se vai se casar, ter um filho e comprar "um pedaço de terra, com água, umas árvores, uma horta", ou se vai para a Califórnia (para Hollywood, mais precisamente), viver a vida sobre as ondas, ser artista de cinema, ser star.
Não que o ator esteja cogitando uma aposentadoria aos 38 anos. Na verdade, começou 2014 divulgando o último blockbuster de que participou, "300: A Ascensão do Império" (estreia em 7 de março), está filmando "The 33", sobre o caso dos trabalhadores que ficaram presos em uma mina, no Chile, e tem ao menos mais três filmes internacionais já rodados: o desenho "Rio 2", um faroeste com Natalie Portman e uma comédia com Will Smith.
Mas, com duas décadas de carreira nas telas –inicialmente nas de TV e, desde 1998, nas de cinema– e mais da metade desse tempo vivendo na ponte aérea entre os Estados Unidos e o Brasil, Santoro começou a sentir a balança profissional pender para o lado estrangeiro e ficou em dúvida sobre como equilibrar a instável rotina de ator internacional com seus projetos pessoais que exigem mais estabilidade.
"Acho que em toda a minha vida nunca questionei tanto onde estou, o que estou fazendo. Foram muitos anos que passei fora, trabalhando, e agora sinto um movimento um pouco mais aquecido, mais coisas chegando", diz, no estúdio carioca em que foi fotografado para a Serafina.
"Estou num momento delicado,
tentando encontrar soluções para me estabilizar mais, dividir as viagens de
forma melhor, passar mais tempo num lugar só. A questão é mais abrangente: a
família, as vontades de qualquer homem. É hora de entender do que vou precisar
abrir mão. Em 12 anos nesse vai e volta, tive muito tempo para pensar
sozinho."
O que Santoro pondera é a
diferença entre viver em sua terra natal, onde já é um astro -e onde estão sua
família, seus amigos e sua namorada, a atriz Mel Fronckowiak-, e seguir
batalhando nos Estados Unidos, onde sua carreira progrediu muito desde a tão
criticada ponta (sem fala) em "As Panteras Detonando" (2003), mas não
o suficiente para garantir que ele será algo mais do que um cometa fugaz.
"Uma coisa que é importante
e que eu tenho feito cada vez mais é tentar avaliar as experiências que eu vou
ter, as pessoas com quem vou trabalhar, o quanto aquilo vai me
amadurecer", diz o ator.
"Minha trajetória tem me
ensinado que isso é o que fica. Quando olho para trás, lembro dos exemplos, do
que pude aprender enquanto estava filmando. Não exatamente o resultado do
filme, não exatamente minha performance."
Essa filosofia explica desde sua
participação em projetos de diretores como David Mamet (em "Cinturão
Vermelho") e Steven Soderbergh (nos dois "Che", em que viveu
Raúl Castro) até sua recente incursão por gêneros novos para ele, como o
faroeste -no ano passado, filmou "Jane Got a Gun", que tem Natalie
Portman e Ewan McGregor como protagonistas e estreia prevista para agosto.
No longa, o brasileiro interpreta
pela primeira vez um personagem americano, outro sinal de progresso da carreira
no exterior.
"Ele tem um nome irlandês,
inclusive, Fitchum. Não mudaram para Juan ou José. E fiz um sotaque, do sul dos
Estados Unidos. É um figuraço, um bandido todo esquisito, parte de uma gangue
do Velho Oeste. Vamos ver o que virou."
O filme também foi uma aula sobre
a instabilidade que volta e meia acomete produções hollywoodianas.
"A diretora [Lynne Ramsay]
foi embora no começo da filmagem [substituída por Gavin O'Connor]. Alguns
atores, como o Jude Law, que faria o antagonista, saíram. O roteiro foi
modificado. Foi um processo muito complicado, de muita tensão e espera. Nunca
tinha passado por isso. Até meu personagem, que era uma coisa, se transformou
em outra."
Ainda na seara das novas
experiências, o ator também rodou no ano passado a comédia "Focus",
onde voltou a trabalhar com os diretores Glenn Ficarra e John Requa, os mesmos
de "O Golpista do Ano" (2009), em que fez o namorado de Jim Carrey.
No novo filme, contracenou com
mais uma das superestrelas de Hollywood, Will Smith, para quem só tem
elogios."Sen-sa-ci-o-nal, em todos os sentidos. Acessível, gente fina,
generoso, um grande companheiro de trabalho. Sem a menor dúvida, um dos caras
mais legais com quem já trabalhei."
NÃO É PELA GRANA, BICHO
Mas Santoro ainda não consegue
fazer tudo o que quer. "Já recebi vários 'nãos' em filmes que eu era a fim
de fazer, coisas com que sonhei alto", diz, citando como exemplo
"Diário de um Jornalista Bêbado" (2011), com Johnny Depp.
Quando traça os rumos de sua
carreira, Santoro diz não atribuir muito peso ao fator grana. "Cara, é
claro que o pagamento é importante, mas nunca foi minha prioridade. Até porque
o salário que ganho lá fora está muito aquém do imaginário coletivo."
Membro do Screen Actors Guild
(SAG), sindicato de atores dos EUA, na maior parte dos filmes, ele recebe o
piso pela tabela da entidade -cerca de US$ 3.000 por semana, para filmes com
orçamento a partir de US$ 2,5 milhões.
Santoro também considera que, dos
21 projetos internacionais de que participou (dois deles telefilmes), "os
únicos mais comerciais foram o '300' [2006] e o 'Rio' [2011]", ambos
blockbusters de estúdio, com continuações que estreiam em março.
E nem mesmo em "300 - A
Ascensão do Império", sequência na qual seu personagem, o vilão Xerxes,
tem mais destaque (e chegou a ser cogitado como protagonista), seu salário
ganhou grandes acréscimos.
Sem entrar em detalhes, diz que a
produção lhe valeu o maior pagamento nos EUA até agora. "E, mesmo assim,
eu recebo mais para trabalhar em coisas aqui no Brasil, até em publicidade, do
que nesses trabalhos que faço fora, mesmo em filmes grandes. Não é pela grana,
bicho", diz, rindo.
O fato de receber o piso da
tabela do sindicato dos atores é um indicativo do tamanho de sua fama no
exterior. O relativo anonimato, por outro lado, traz a liberdade de poder
circular sem ser reconhecido.
"Enquanto artista, é
importante observar sem ser observado, para ver as pessoas se comportando de
forma natural. O ator é um estudante de comportamento. Meus personagens são um
mosaico das pessoas que eu já vi, já ouvi, e que me deixaram tocado,
intrigado."
No Brasil, é claro, esse cenário
não é possível há quase 20 anos, logo depois que Santoro saiu de sua Petrópolis
(RJ) natal para fazer faculdade no Rio e acabou entrando na Globo e se tornando
um dos galãs das novelas do canal. Tampouco ajudou o fato de ele ter
colecionado namoradas famosas, como Luana Piovani e Ellen Jabour.
"Com público e fãs nunca
tive problemas, sempre entendi isso como parte da equação. A maior questão foi
a coisa da exposição da minha vida mesmo, dos paparazzi que te pegam quando
você está em um jantar e não quer ser exposto. Às vezes, você ainda está
conhecendo alguém e não dá nem tempo, bicho. Já saiu, já é."
Foi também para aprender a lidar
com isso que Santoro entrou na terapia aos 20 e poucos anos e segue nela até
hoje.
"Faço na medida do possível,
mas é importante para mim. É a coisa do espelho, gosto de colocar para fora, de
me entender um pouco."
Hoje é mais relaxado, respira
mais, se atropela menos. "No começo sentia uma urgência em falar, em
fazer, em planejar. Isso mudou. Acho que vem com o amadurecimento. Não sei se
sou um melhor ator, mas sou um ator mais calmo. Amadureci."