Especialistas se dividem quanto à utilidade das diretrizes
do MEC homologadas neste ano
MARIANA MANDELLI - O Estado de S.Paulo
Dar identidade à etapa mais problemática da educação básica
em 23 artigos de uma resolução e em 50 páginas de um parecer, permitindo que as
escolas permeiem seus currículos com os conteúdos de quatro dimensões:
trabalho, ciência, tecnologia e cultura. É esse o objetivo das novas diretrizes
curriculares para o ensino médio, homologadas pelo Ministério da Educação (MEC)
no início do ano, que tem recebido críticas de especialistas quanto à sua
utilidade. As novas diretrizes tentam inserir "procedimentos que guardem
maior relação com o projeto de vida dos estudantes como forma de ampliação da
permanência e do sucesso dos mesmos na escola". Ou seja, tentam deixar a
escola mais atraente com a ideia de inserir conteúdos relacionados às quatro
dimensões na base curricular.
Na prática, as escolas são obrigadas a discutir o documento
- que é mais doutrinário que mandatório -, mas sem desobedecer à Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, onde estão fixadas as disciplinas obrigatórias.
Os críticos afirmam que o documento apenas legitima o que já existe: uma
enxurrada de disciplinas que são voltadas para o vestibular. "O Brasil não
diversifica e mantém a ideia que todo mundo tem de fazer a mesma coisa. É um
'pau de sebo', um sistema que mais expulsa que inclui", diz João Batista, do
Instituto Alfa e Beto. Para ele, o texto das diretrizes tem uma "erudição
boba". "Não vai mudar nada. Isso das quatro dimensões é só envelope.
As escolas não vão deixar de dar o que cai na Fuvest. "
O economista Cláudio Moura e Castro tem opinião semelhante.
"O vestibular é coisa para gênio. É uma montoeira de matéria que rebate no
ensino médio. Resultado: ninguém aprende, só decora", afirma. "No
resto do mundo há segmentação. Só a Alemanha tem quatro alternativas. Os
Estados Unidos têm um programa muito aberto e dificilmente um aluno faz os
mesmos cursos que o outro." Para especialistas em educação básica, as
novas diretrizes não resolvem o problema, mas apresentam pontos positivos.
"São mais verborrágicas que práticas", diz Wanda Engel, do Instituto
Unibanco. Ela elogia a possibilidade de flexibilização da grade em regimes
semestrais e as matrículas por disciplina. Priscila Cruz, do Todos pela
Educação, afirma que o ensino médio precisa de um projeto muito mais
estruturante. "Acredito em soluções mais individualizadas e segmentadas,
porque há muitas diferenças. E a escola tem de fazer sentido para todos os
estudantes."
Currículo. O CNE defende que as diretrizes, que revogam as
até então vigentes, datadas de 1998, são um documento norteador, uma vez que
ele não pode ser encarado como o currículo em si. O MEC discute hoje uma nova
base curricular nacional, que vai contemplar também o ensino médio, denominada
direitos de aprendizagem. "Demos uma definição para o ensino médio. Todo
mundo tem direito a uma quantidade de informações e então escolher o que quer
fazer. Não é receita de bolo", diz o relator José Fernandes de Lima. Ele
admite que há dificuldade de implantação e que o projeto é de médio prazo. Clélia
Brandão, também do CNE, afirma que o documento é um "resultado de
opções". "Nem todo mundo pensa a escola do mesmo jeito. Não tem como
ser unanimidade nacional. Fruto de discussão do Conselho Nacional de Educação
(CNE) com educadores e entidades, o documento tenta aproximar a escola da
realidade dos jovens, sem retirar a importância das disciplinas tradicionais.
No entanto, o cenário que ela encontra é desastroso e apresenta uma equação
problemática cujo resultado não fecha há décadas. Alguns números mostram a
gravidade: 50,9% dos jovens de 15 a 17 anos ainda não estão matriculados nessa
etapa e as taxas de reprovação e de abandono são, respectivamente, de 13,1% e
de 14,3%. Apenas 11% aprenderam o ensinado em matemática ao final do 3.º ano.