por André Bernardo da revista
GALILEU
Curando-se, psicóloga canadense
criou método contra a dificuldade de aprender
Cabeça boa: Após criar sozinha exercícios que reverteram sua dificuldade de aprender, Barbara passou a ajudar crianças com o mesmo problema |
Que horas são? A educadora
canadense Barbara Arrowsmith-Young, 61, só conseguiu responder a essa pergunta
perto dos 30 anos. Problemas neurológicos a impediam de ler, escrever e
calcular como qualquer criança de sua idade. Ela até sabia que o ponteiro
pequeno marcava as horas e o grande, os minutos, mas não entendia a relação
entre eles. No colégio, aprendeu a conviver com xingamentos como preguiçosa,
bagunceira e retardada. “Cresci em um mundo confuso e incompreensível porque
uma parte importantíssima do meu cérebro não funcionava como deveria”, afirma
Barbara, que acaba de lançar The Woman Who Changed Her Brain (A Mulher que
Mudou seu Cérebro, ainda inédito no Brasil).
Foram necessários dias e noites
decorando matérias e torcendo para que fosse aquilo que ia cair na prova, mas
ela não só conseguiu terminar a escola como fez faculdade e mestrado em
psicologia, virando uma especialista no seu problema. Tornou-se autora de um
método de condicionamento para o cérebro que hoje ajuda diversas crianças com
déficit cognitivo como ela. “Sempre tive certeza do que queria ser quando
crescesse.”
Sua vida começou a mudar quando,
na faculdade, um ex-colega de turma sugeriu que ela lesse os livros do
neuropsicólogo russo Alexander Luria. Um deles, O Homem com um Mundo
Estilhaçado, narrava a história de um soldado que havia levado um tiro na
cabeça e acordou com estranhos sintomas: não sabia responder se um elefante era
maior do que uma formiga, por exemplo. A bala havia atingido 3 importantes
áreas do cérebro do soldado: a que processa os sinais visuais, a que responde
pelo som e pela linguagem e a que coordena as relações espaciais e integra as
informações de diferentes sentidos — as mesmas que não funcionavam bem no
cérebro de Barbara.
O que era promissor ficou ainda
melhor quando Barbara se deparou com o estudo do psicólogo americano Mark
Rosenzweig. Ele provou que ratos de laboratório que vivem em ambientes
estimulantes aprendem mais do que os confinados em jaulas vazias. “Por 400
anos, a ciência acreditou que a anatomia do cérebro era imutável. Hoje, sabemos
que é possível reorganizá-lo, mesmo quando danificado”, diz o psiquiatra
canadense Norman Doidge, autor de O Cérebro que se Transforma. É a chamada
neuroplasticidade. “São as mudanças que ocorrem quando fazemos novas sinapses,
fortalecemos conexões pré-existentes e formamos novos neurônios em resposta aos
estímulos externos”, afirma o neurologista Augusto Buchweitz, da PUC-RS.
A partir dessa ideia é que
Barbara lançou-se no desafio de transformar seu próprio cérebro. O primeiro
passo foi aprender a ver as horas. Para isso, desenhou relógios com diferentes
horários em dezenas de cartões e se forçava, por tentativa e erro, a dizer que
horas eram. No verso, estava a resposta. À medida que ia acertando, o exercício
dificultava, com ponteiros para segundos e décimos de segundo. Depois de 4 anos
de práticas diárias (uma média de 10 horas por dia ), Barbara conseguiu não só
acertar as horas, como interpretar textos e fazer cálculos. “Comecei então a
criar exercícios para estimular outras partes do meu cérebro”, diz. Foi assim
que ela passou a estudar alfabetos, memorizar poemas e usar tapa-olhos (saiba
mais no box abaixo).
Barbara acabou inventando uma técnica para ajudar pessoas com problemas semelhantes ao dela. A fundação Arrowsmith School, criada por ela em 1980, em Toronto, já atendeu mais de 4 mil estudantes — com diagnósticos de dislexia, hiperatividade ou déficit de atenção. Muitos foram para a faculdade e tiveram sucesso profissional. Ela não se esquece do menino que, aos 13 anos, não sabia ler nem escrever, e hoje trabalha no mercado financeiro. Apesar da eficácia não ter sido comprovada cientificamente, o programa já foi adotado em 40 escolas dos EUA, Canadá e Austrália. Mas o maior orgulho de Barbara é ajudar crianças que, como ela, poderiam ter se sentido incapazes por toda a vida. “Meu objetivo é abrir um mundo de possibilidades para essas pessoas.”