Dom Pedro I |
Baseado em correspondência pouco
conhecida, historiador português mostra que a vida sexual e afetiva de Dom
Pedro I foi mais intensa, descontrolada e comprometedora do que se acreditava
Ana Weiss – da revista ISTOÉ
"Um dos últimos pedidos de
D. Pedro I foi que depositassem seu coração em uma igreja da cidade do Porto.
No livro “1822”, o jornalista Laurentino Gomes conta que, “por um curioso
fenômeno fotoquímico”, até hoje, quase dois séculos depois da sua morte, o órgão
do monarca não para de crescer. A mais nova biografia sobre o primeiro
imperador do Brasil também trata do tamanho do coração do personagem e de tudo
(e de todas as mulheres) que passaram por ele. “
Essas páginas procuram invadir
a privacidade de D. Pedro.
Deixou-se de lado o político, o
administrador, o militar”, escreve o historiador português Eugénio dos Santos.
“Pretendeu-se desvendar o homem, às vezes de um modo cruel, fornecendo ao
leitor intimidades e gritos de alma que somente os íntimos deveriam conhecer”,
continua o professor catedrático aposentado no livro “D. Pedro – Imperador do
Brasil e rei de Portugal”, lançado aqui pela Alameda Editorial.
Santos – autor de parte da
bibliografia usada por Laurentino Gomes, a propósito – faz o percurso didático,
do nascimento à morte, dedicando a maior parte dos capítulos às aventuras
sexuais e atribulações afetivas do jovem monarca e aos desdobramentos de suas
investidas na vida política do Brasil e de Portugal. Para ir além de tudo que
já se disse a respeito, o historiador se apoiou em cartas dos protagonistas e
de coadjuvantes que conviveram com a corte portuguesa instalada no Brasil.
Algumas passagens caberiam nas mais desconsideradas revistas de fofoca, não
fosse o linguajar da época preservado por exigência da Cátedra Jaime Cortesão,
órgão da Universidade de São Paulo ligado ao Instituto Camões de Portugal, que
co-editou o volume. Cruzando anotações como as da inglesa Maria Graham, melhor
amiga da princesa Leopoldina, com os registros da época, ele conta com muito
mais detalhes como começou e acabou o romance do primogênito de Dom João VI com
uma dançarina francesa, caso que quase levou por água abaixo a aliança com a
Áustria que representaria o casamento com a futura imperatriz Leopoldina. Apaixonado,
o intempestivo príncipe levou a amante francesa para viver com ele e passou a
chamá-la de esposa. Pela narrativa ficamos sabendo que foi necessária a
intervenção direta de Carlota Joaquina, que ignorava o filho mais velho, a não
ser em situações que o varão punha em risco suas articulações políticas. A
rainha teria tratado diretamente com Noémie Thierry, a dançarina que deixou o
palácio de São Cristóvão com uma boa quantidade de dinheiro e um bastardo no
ventre. Chegando no Recife, ainda segundo as cartas de Maria Graham, a Noémie
teria dado à luz um natimorto.
Enquanto Leopoldina, a princesa
que a família lhe jurava ser uma linda moça de olhos azuis, não desembarcava em
porto brasileiro, o herdeiro do trono ainda pode se relacionar com a irmã da
namorada francesa. Mas Carolina Josefa Leopoldina de Habsburgo-Lorena por fim
não atendia aos critérios estéticos de Pedro, que por muitos anos perambulou
pelo reino em busca do que parece ter sido o seu principal alimento em vida, o
amor erótico. Até o dia em que conheceu a paulista Domitila de Castro Canto e
Melo, filha de militar que deixara o marido que a agredia.
Começava aí o “mais escabroso
capítulo da vida amorosa do primeiro imperador do Brasil”, como em mais de um
livro de História é definido o caso com Domitila, que entrou para a história
como a Marquesa de Santos. Titília, maneira com que D. Pedro se referia à
amante nas cartas quase obscenas reproduzidas na biografia, se tornou durante a
década que dormiu com o monarca, uma das mulheres mais poderosas, temidas e malfaladas
do Brasil.
A grande ironia aqui é que o
romance tórrido só se tornou possível durante o casamento com Leopoldina, que,
humilhada com as provas públicas de amor do marido pela amásia, tornou-se uma
mulher deprimida que não escondia a infelicidade. Leopoldina morreu cedo e os
austríacos nunca perdoaram o regente português pela vida a que ele submeteu sua
princesa. Mas então, D. Pedro, mergulhado numa crise política de um país
dividido entre nativistas brasileiros e liberais portugueses, precisava de uma
nova mulher, outra de sangue azul, para governar ao seu lado. A fama de
mulherengo não ajudou. Para casar com a princesa Amélia, teve de tirar a
Marquesa de Santos e sua prole de casa, que a amante não facilitou. A forma com
que o autor organiza os fatos leva concluir que o périplo do regente em busca
de uma nova mulher, tão dificultado pela exposição de seus hábitos, o
fragilizou ainda mais diante de cenário político que já não era favorável,
acelerando a abdicação. Por fim, seus restos mortais foram depositados ao lado
da primeira esposa, a Leopoldina. Mas como em vida, ele quis que seu coração
repousasse em outro lugar.