FERNANDA EZABELLA – da FOLHA DE SÃO
PAULO
Uma cena de orgia numa praia
ensolarada abre o novo filme do diretor brasileiro Marcelo Gomes, "Era uma
Vez Eu, Verônica", sobre a crise existencial de uma médica recém-formada,
no caos urbano de Recife.
A atriz Hermila Guedes em cena de "Era Uma Vez Eu, Verônica", de Marcelo Gomes |
O longa-metragem é estrelado por
Hermila Guedes ("O Céu de Suely") e foi exibido pela primeira vez no
Festival de Toronto, numa sala lotada, no sábado à noite. Na próxima
sexta-feira, o trabalho concorre ao prêmio principal do Festival de Brasília do
Cinema Brasileiro, sendo exibido para o júri no teatro Claudio Santoro,
principal sala do evento. O filme fará sua estreia em São Paulo na Mostra Internacional
de Cinema, que começa em 19 de outubro.
Verônica é uma jovem que mora com o pai doente
em um apartamento perto da praia e começa a atender pacientes com problemas
mentais no hospital público. No tempo livre, ela sai com as amigas e faz sexo com
Gustavo (João Miguel). "Queria desenvolver um personagem extremamente
comum, com dúvidas sobre a vida, sobre o amor, sobre o futuro, sobre o
sexo", disse Gomes à Folha. O cineasta gosta de citar como referência para
Verônica personagens clássicos do cinema como a protagonista de "Mônica e
o Desejo" (1953), de Ingmar Bergman. "Acho que a Verônica é a prima
da Mônica."
FILME TERAPÊUTICO
A ideia para o projeto nasceu de
um conto que ele escreveu quando fazia seu primeiro longa, "Cinema,
Aspirinas e Urubus" (2005), no qual Hermila faz uma ponta. Naquela época,
cismou que um dia faria um filme com a atriz no papel principal. Para desenvolver
o roteiro, o diretor de 48 anos entrevistou 20 mulheres com o perfil parecido
ao de Verônica para entender as angústias dos jovens de hoje. "Eram quase
como sessões de psicanálise. Acho que baixou um Eduardo Coutinho em mim e elas
me diziam coisas incríveis, sobre o problema do afeto, da violência nas
cidades, da competição profissional e da pressão para dar certo", revela
Gomes. Para filmar as cenas de sexo na praia e entre os dois personagens, o
diretor fez exercícios com o elenco e até tirou a própria roupa para todos
ficarem à vontade. "Queria que as cenas de sexo fossem extremamente
naturalistas, porque o filme todo tem este tom", explica ele. "O
Brasil tem várias contradições. Uma delas é questão do nu. Você chega na praia
e está todo mundo num biquíni sumário [...], e se uma mulher faz um topless,
acabou, vira um escândalo." O próximo projeto do diretor será um
"docudrama" em parceria com o artista plástico e cineasta Cao
Guimarães. "O Homem das Multidões" quer discutir o processo de fazer
cinema, incorporando todos os passos, como captação de dinheiro, cada vez mais
difícil na indústria brasileira.
CINEMA CARO
"O Brasil virou um país
caríssimo. As equipes ficaram menores, e a gente tem de filmar em menos
tempo", reclama Marcelo Gomes, acrescentando que "Era Uma Vez Eu,
Verônica" teve um custo muito mais alto do que seu anterior, "Cinema,
Aspirinas e Urubus", um filme de época no sertão nordestino. Foi com
"Cinema...", exibido em Cannes e premiado em vários festivais
nacionais, que Gomes ganhou projeção nacional. A boa reputação na crítica se
consolidou com "Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo", em
parceria com Karim Aïnouz. Depois do trabalho com Cao Guimarães, ele pretende
filmar a adaptação do romance "Relato de um Certo Oriente", de Milton
Hatoum, que se passa na Amazônia. "Está mais difícil fazer cinema porque a
competitividade é maior e, portanto, tem menos dinheiro. É muito bacana que
existe uma pluralidade, uma produção muito maior. Mas ficou mais caro."