RAQUEL COZER – da Folha de São
Paulo
Capa do livro que resgata a obra do marido de Cecília Meireles |
O baú ficou trancado, incógnito,
por quase 80 anos na casa onde Cecília Meireles (1901-1964) morou no bairro do
Cosme Velho, no Rio. Dentro, cerca de 1.300 caricaturas, ilustrações, pinturas
e esboços, que, em seu tempo, frequentaram espaços nobres na imprensa e em
exposições. O autor daquele manancial artístico era o português Fernando
Correia Dias (1892-1935), primeiro marido da poeta e pai de suas três filhas,
que tem agora parte da produção resgatada na edição de luxo "Fernando
Correia Dias: Um Poeta do Traço" (Batel), de Osvaldo Macedo de Sousa. Pioneiro
do modernismo em Portugal e das artes gráficas no Brasil, vítima por anos de
uma forte depressão, Correia Dias foi relegado ao esquecimento desde que, aos
42 anos, enforcou-se, em casa, pouco após ler a história de Pinóquio para as
filhas. "Quando ele se matou, minha avó pegou todo o material no ateliê
dele e guardou para não ficar às vistas dela, decerto em razão do trauma",
diz o neto Alexandre Carlos Teixeira, curador do livro. Em respeito à viúva,
intelectuais próximos a Correia Dias pararam de falar dele, o que ajudou a
deixar seu nome à beira dos registros históricos. Quando Cecília morreu, em
1964, sua filha Maria Mathilde, mãe de Teixeira, manteve o acervo intocado. O
fato de a própria obra da poeta estar no centro de uma disputa judicial há mais
de dez anos não ajudou --Teixeira é o agente literário responsável,
representando aquele que é tido como o principal herdeiro, seu primo Ricardo
Strang. Pela lei, a obra de Correia Dias caiu em domínio público em 2006,
embora esteja guardada com o acervo de Cecília, ainda em disputa. Em 2010,
Teixeira foi viver na casa do Cosme Velho, comprada por Strang em leilão, e
passou a investigar o material. Entrou em contato, então, com o português
Osvaldo Macedo de Sousa, que estudava há décadas o chamado Grupo de Coimbra, do
qual Correia Dias fez parte na juventude. "Desde 1992 eu tentava montar o
mosaico sobre ele. A lacuna era enorme. Só ao ver o material guardado por
Cecília pude fazer a colagem", diz Macedo, que esteve dias atrás no Rio
para a abertura de mostra do artista, até 1/9 no Centro Luso-Brasileiro de
Cultura, em Laranjeiras.
PRECOCE
Anúncio de xarope assinado por Correia Dias |
Cecília por Correia Dias, durante a viagem do casal a Portugal |
Correia Dias tinha 17 anos quando
se tornou diretor artístico do jornal estudantil "O Gorro", em
Coimbra. Como pouco se sabe de sua vida pessoal --se costumava desenhar na
infância, por exemplo--, é espantoso ver a qualidade de seus primeiros
trabalhos, sob o pseudônimo de Tira-Linhas, com traços dignos de um veterano. Com
os colegas Christiano Cruz, Luis Felipe e Álvaro Cerveira Pinto formou um
quarteto que, influenciado por revistas europeias, rompeu com o naturalismo
dominante antes de 1911, data que entrou para a história como o início do
modernismo local. Quando desembarcou no Rio, em 1914, era celebrado ao ponto de
merecer menções em toda a imprensa da capital. Sua ideia era então expor no
país antes de fazer o mesmo na França, mas o início da Primeira Guerra estendeu
sua estadia em solo nacional. Aqui, destacou-se em especial como artista
gráfico, fazendo capas e ilustrações elaboradas para livros numa época em que
editores não achavam isso importante. O Correia Dias que em 1922 se casou com
Cecília Meireles era muito mais conhecido nos círculos intelectuais que a então
jovem poeta. Ao longo dos 12 anos de casamento, ela ganhou reconhecimento,
enquanto ele viu sua produção afetada pela neurastenia que o acometia.
FERNANDO CORREIA DIAS: UM POETA
DO TRAÇO
AUTOR: Osvaldo Macedo de Sousa
EDITORA: Batel
QUANTO? R$ 260 (266 págs.)