Por Ataliba T. de Castilho – da revista Língua Portuguesa
Pesquisas mostram que norma culta é variável. Que as línguas naturais não são homogêneas todo mundo sabe.
Professor Ataliba no Programa do Jô, da Rede Globo |
Elas variam segundo parâmetros bem conhecidos: variam no tempo (donde o português arcaico, médio, moderno e contemporâneo), no espaço geográfico (donde o português europeu, africano, brasileiro), no espaço social (donde o português padrão, ou culto, e o português vernacular), e até no espaço individual (donde o português espontâneo e o formal, o de idosos e o dos jovens). A pesquisa tem mostrado que qualquer um desses parâmetros pode ser detalhado. A dimensão geográfica do português brasileiro, por exemplo, compreende o português do Norte, do Nordeste e do Sul. Os pesquisadores ligados ao Projeto do Atlas Linguístico do Brasil têm comprovado isso. Basta consultar o sítio www.alib.ufba.br/. Isto quer dizer que qualquer manifestação linguística vem sempre marcada pelo fenômeno da variação, mais acentuada em línguas como o italiano, menos acentuada em línguas como a portuguesa. Fatos sócio-históricos explicam isso. Curiosamente, persiste entre nós a ideia de que a variedade padrão, a norma culta, escapa a essa heterogeneidade. Não é o que as pesquisas têm demonstrado. Desde os anos 1970, maiormente depois de 1978, os pesquisadores do Projeto de Estudo da Norma Urbana Linguística Culta passaram a constatar que a norma do português brasileiro é heterogênea. Depois disso, o projeto Gramática do Português Culto Falado no Brasil procedeu a uma descrição minuciosa da norma, com base nos materiais levantados pelo projeto anterior, identificando diferenças por toda parte. Elas não impedem a intercompreensão, mas existem. Impossível resumir aqui a enorme bibliografia gerada pelos dois projetos. Pena, aliás, que a mídia brasileira não a conheça, e siga repetindo lições aceitáveis até os anos 1970. Mesmo assim, peço a atenção do leitor para o que Dinah Callou, João Antônio de Moraes de Yonne Leite descobriram no capítulo "Mapeamento dos processos", em Maria Bernadete M. Abaurre (org.) A Construção Fonológica da Palavra, São Paulo: Contexto, 2013, que é o volume VII da série Gramática do Português Culto Falado no Brasil. Eles observaram a realização de seis processos: palatalização do /s/ em final de sílaba (meninos ou meninosh?), fricativização e posteriorização do /r/ antes e depois de vogal (comer ou comeR?), palatalização do /t/ e do /d/ diante de /i/ (dia ou djia?), vocalização do /l/ em final de sílaba (anil ou aniu?), nasalação da vogal pretônica antes de consoante nasal (bànana, ou bãnana?), elevação da vogal média pretônica [e] à [i] e [o] à [u] (pequeno ou piqueno? moleque ou muleque?). Esses linguistas concluíram que esses processos "não evidenciam, como em princípio seria de esperar, uma coincidência entre o comportamento linguístico dos vários falares e as áreas geográficas correspondentes". Eles recolhem num mapa suas conclusões, evidenciando assim que também a norma culta é variável. O leitor pode colecionar outras evidências folheando os 8 volumes de ensaios desse projeto, e os 7 volumes da fase de consolidação, de que se publicaram 4 até aqui. Não é por falta de pesquisas que hoje se conhece a norma culta do português brasileiro. E ainda bem que é assim! As línguas são muito complexas e variadas, apesar do senso comum em contrário. Uma língua homogênea seria inteiramente disfuncional.