Último filme do premiado diretor
Danny Boyle, 'Em transe', levanta aspectos da psiquê para compreender até que
ponto a ação das pessoas é fruto de decisões individuais
Carolina Ferro – da Revista de
História
James McAvoy faz o segurança Simon [Foto: Divulgação] |
Todos os dias, inúmeras pessoas
sofrem influência direta ou indireta para tomar suas decisões cotidianas, seja
através de uma propaganda, da conversa com os amigos, com a família, na escola
ou no trabalho. Os mais autocríticos (ou com maior autoconhecimento) conseguem
perceber melhor essas nuances, mas mesmo eles se surpreendem ao ver que agiram
por influência de outrem. Em transe faz
o espectador questionar o tempo inteiro: até que ponto as decisões de uma
pessoa correspondem aos seus anseios? E que segredos nós queremos revelar?
A história começa com a
tentativa de roubo da tela “Voo das bruxas”, de Goya (1746-1828), quando estava
sendo leiloada, na Inglaterra. O responsável pela equipe de segurança, Simon
(James McAvoy) consegue fugir com a obra de arte, mas o chefe da gangue de
ladrões, Franck (Vincent Cassel) o encontra e dá um golpe em sua cabeça. Simon
cai desmaiado e Franck foge com a pasta que deveria conter a tela. Como a pasta
estava vazia, Franck sequestra Simon para que ele fale onde escondeu o objeto
do furto, mas, devido ao golpe na cabeça, ele não consegue se lembrar.
Após algumas tentativas
frustradas de “arrancar” informações sobre a localização da tela, Franck decide
que a melhor opção é contratar um especialista em hipnose para “resgatar” a
informação perdida na mente do homem que a guardou. É permitido a Simon que ele
escolha seu terapeuta através de uma lista de hipnotizadores encontrados na
internet. Ele olha todas as fotos, mas paralisa na imagem de Elizabeth (Rosario
Dawson) e a trama começa a ganhar corpo.
A princípio, Elizabeth parece
tentar ajudar o segurança a escapar da gangue de ladrões. Descoberta, ela se
insere no cotidiano da gangue e se envolve amorosamente com os dois
protagonistas. Uma rede de intrigas e violências se estabelece em torno das
seções de hipnose. A cada momento, Simon começa a descobrir mais detalhes de
sua vida que estavam obscuros e os personagens passam por provações constantes
de amor, ódio, companheirismo, lealdade e obsessão.
Elizabeth é a grande personagem
da película. De traços simples (mas muito fortes), rosto limpo, cabelos longos
sem corte e personalidade aparentemente frágil, ela se transforma numa mulher
fatal quando demonstra mexer com a mente dos dois personagens como quem brinca
como fantoches. Se antes eles eram opositores apenas por conta do quadro
perdido, tornam-se inimigos mortais na disputa pelo amor da terapeuta.
Trance - Dir. Danny Boyle, 2013, Reino Unido
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As imagens de câmeras paradas e
focos de luz intensos de apenas uma cor, típicos dos filmes de Danny Boyle
também estão presentes e fornecem uma aura de participação de quem
aparentemente apenas observa. Não há um só momento em que o espectador se
desligue e tal como os personagens masculinos da história, ele se sente
enganado pela trama.
O tema da hipnose já apareceu em
várias obras cinematográficas de gêneros distintos. Na comédia romântica,
destaca-se O amor é cego (2001), dirigido por Peter e Bobby Farrelly, onde o
personagem Hal (Jack Black) é hipnotizado para que ele veja apenas a beleza
interior das pessoas. O protagonista acaba se apaixonando pela bela e generosa
gordinha Rosemary (Gwyneth Paltrow) e com o fim da hipnose começa a enxergar as
pessoas de outra forma, promovendo uma mudança comportamental estrutural, bem
diferente das convenções sociais e estéticas predominantes que tanto
influenciam na hora da escolha de um par amoroso. Outro suspense, mais próximo
do filme analisado é o que leva o nome da prática terapêutica: Hipnose (2002).
Nele, uma policial (Shirley Henderson) que pretende parar de fumar procura um
terapeuta (Goran Visnjic) que utiliza do método para acabar com o vício. A
hipnose praticada pelo psicólogo passa a ser vista como um dom, pois a policial
começa a desvendar crimes através da prática. Mas, além disso, segredos que
jamais seriam revelados com o paciente consciente aparecem desvendados nas
seções. Daí vem um dos problemas mais sérios. A questão da viabilidade da
prática, tendo em vista revelações do subconsciente que o indivíduo prefere manter
escondidas.
O termo "hipnose" foi
cunhado em 1842, por James Braid (1795-1860), mas foi com Jean Charcot
(1825-1893) e com Sigmund Freud (1856-1939) que a hipnose tornou-se amplamente
conhecida. Enquanto para Charcot, apenas os histéricos eram hipnotizáveis,
Freud dedicou-se profundamente à prática no início de sua carreira. Acabou por
abandoná-la, pois acreditava que ela trazia apenas memórias reprimidas. Aos
poucos, os sonhos foram tomando uma importância muito maior para o médico e
criador da psicanálise.
Posteriormente, vários
personagens, de médicos a terapeutas e mesmo ilusionistas, se utilizaram da
hipnose com certo sucesso, mas com finalidades distintas. No Brasil, quase
todos já viram apresentações televisivas do hipnólogo Fábio Puentes, conhecido
por entortar talheres e fazer com que as pessoas comam cebolas como se fossem
maçãs.
De fato, a prática da hipnose
pode ser considerada uma forma de poder. Enquanto o indivíduo estiver sob
efeito do transe, a mente fica sob controle de outra pessoa e o melhor e o pior
de um ser humano podem ser descobertos. É o que acontece com Simon e Franck.
Estragando o suspense (mas nem tanto), Simon (o bom moço da segurança)
mostra-se um monstro para os padrões sociais contemporâneos, Franck (o líder
dos ladrões) demonstra-se uma pessoa confiável e gentil e Elizabeth (a
terapeuta) consegue justificar a dominação da mente dos dois homens.
O filme não ficou muito tempo em
cartaz, mesmo nos cinemas mais restritos. Trata-se de uma obra bem diferente de
Quem quer ser um milionário (2008), ou Trainspotting (1996) - grandes sucessos
de Danny Boyle. Não se trata de um grande blockbuster, mas faz pensar se todas
as nossas sugestões são fruto de fortes influências que nossa mente sofre. Até
a escolha deste filme para a seção pode ser parte de um jogo feito pelo diretor
para promovê-lo. Quem sabe?