MARCUS PRETO - DE SÃO PAULO –
FOLHA.COM (Ilustrada).
Gal Canta Caymmi de 1976 e o agora de 2011. |
Não é fácil ser um álbum
clássico da música popular brasileira nos dias atuais. A cada nova reedição em
CD, é a foto do cantor que some da capa, o projeto gráfico que surge
reformulado ou faixas fundamentais que são extirpadas dos disquinhos. Em casos
extremos, até o título do LP original pode mudar com o decorrer do tempo. Ou
sumir de vez. Nos últimos anos, o consumidor de música tem engolido todo tipo de
perda de conteúdo quando vai à loja comprar um CD retirado de acervo das
gravadoras. E não entenda por "acervo" apenas fonogramas
pré-históricos. Essas alterações acontecem principalmente em discos lançados
originalmente nos anos 1970 e 1980 (veja abaixo). O ouvinte compra o CD por
causa "daquela" música. E, quando coloca o disco para rodar, cadê?
Roubaram. Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a
EMI deve ressarcir João Gilberto pela reedição, em único CD, dos três primeiros
LPs do cantor --entre eles, o clássico "Chega de Saudade" (1959),
pedra fundamental da bossa nova. A ação já tramitava havia quase duas décadas
e, agora, está "resolvida". Ou melhor, está mais embrulhada ainda, já
que os discos não podem voltar às prateleiras das lojas. Quando eles voltarão?
"Ainda não sei como, juridicamente, isso vai ser resolvido", diz
Jorge Lopes, diretor comercial da gravadora. O caso só torna ainda mais
precavidas as empresas fonográficas. Para fugir de processos, a cada reedição,
as gravadoras vão em busca de novas autorizações de músicos, compositores,
fotógrafos e capistas envolvidos na criação do álbum original. E, como quem
pede autorização está sujeito a receber um "não" como resposta, os
discos vão sendo desmontados de sua identidade entre um relançamento e outro. Exemplos
disso são as novas capas de "Edu e Bethânia" (1966), "Jorge Ben
10 Anos Depois" (1973) e "Gal Canta Caymmi" (1976). Em reedições
atuais, todos eles perderam as capas originais "por razões
jurídicas". Por que essas "questões" não atrapalharam os
primeiros relançamentos? Segundo Marcelo Fróes, responsável por reedições
importantes, como as caixas de Gilberto Gil e Gal Costa, quando as gravadoras
começaram a reeditar LPs em formato de CD, adaptações gráficas eram feitas sem
respeitar o design ou a foto originais. "Isso gerou descontentamento e
processos, que, depois de anos, geraram indenizações absurdas e mau hábito na
relação entre velhos capistas e gravadoras", diz.
Mais graves são casos em que
faixas são extirpadas das reedições em CD como se não tivessem existido nos
LPs. Isso ocorre, em geral, por desentendimentos das gravadoras com os
compositores ou, em caso de morte, com os familiares responsáveis por seus
espólios. É isso o que proíbe, há mais de 30 anos, que o cantor Fagner reedite
as canções que escreveu sobre textos de Cecilia Meirelles. O mesmo vai
acontecer nos próximos dias, quando uma caixa com álbuns de Inezita Barroso
chegar às lojas. Ficarão de fora os clássicos "Viola Quebrada", que
tem letra de Mário de Andrade, e "Azulão" e "Modinha", com
versos de Manoel Bandeira. "Os representantes de Mário de Andrade queriam
R$ 4 mil para liberar essa sua parceira, e isso inviabilizaria todo o
projeto", diz Rodrigo Faour, outro veterano nas reedições. "Quanto a
Manuel Bandeira, ficamos três meses no encalço dos herdeiros e não tivemos
resposta." Roberto Carlos também costuma desaparecer com faixas em álbuns
--seus e dos outros. O caso mais emblemático é com "...E que Tudo Mais Vá
pro Inferno" (1978), de Nara Leão. Conforme ficou mais fervoroso na fé
católica, Roberto passou a implicar com a canção. Até que a excomungou.
Resultado: o álbum de Nara teve que ser relançado com outro título e sem a
faixa. Ney Matogrosso fez parecido na caixa "Camaleão", que traz seus
primeiros álbuns. Gravado originalmente em 1983, "...Pois É" voltou
sem a canção "Calúnias" --aquela do refrão "Telma, eu não sou
gay". Segundo Faour, responsável pela caixa, Ney diz ter sido obrigado
pela gravadora a incluir a música. "Quando fiz o relançamento, exigiu que
ela saísse."