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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Sucesso do filme mudo "The Artist" surpreende até o diretor


STUART JEFFRIES - do "GUARDIAN"
"Quando primeiro falei às pessoas de minha ideia para este filme, riram de mim", conta Michel Hazanavicius. "Amigos, atores, produtores --todos riram. Eles diziam 'ok, ok, mas o que você quer fazer de verdade?'." O problema era que Hazanavicius queria fazer um filme mudo, 70 anos depois de o cinema falado ter tornado os filmes mudos comercialmente obsoletos e esteticamente ultrapassados. É verdade que já houve alguns diretores que fizeram filmes mudos de vanguarda (o canadense Guy Maddin, por exemplo), mas Hazanavicius não era dessa estirpe. "Eu queria fazer um filme comercial charmoso. Mas ninguém achou que o mercado estivesse preparado para isso. Os produtores disseram 'ninguém quer ver um filme assim'." Mas as pessoas querem, sim. O filme sempre charmoso e inventivo que Hazanavicius criou, "The Artist" --sobre um astro de Hollywood dos anos 1920 que é eclipsado pelo cinema falado e pela jovem dançarina por quem se apaixona-- está seduzindo as plateias internacionais. "Eu não sabia disso, mas existe algo chamado o índice de satisfação. Quando o filme estreou em Paris, as plateias reportaram índice de satisfação de 95%, sendo que 80% relatou alto nível de satisfação. Em Paris! Geralmente as plateias de cinema francesas não expressam nada. Com certeza não satisfação." Além disso, "The Artist" conquistou os críticos, deu a seu astro, Jean Dujardin, o prêmio de melhor ator em Cannes, e, ao que parece, reacendeu de tal maneira o sentimento de amor ao cinema do magnata de Hollywood Harvey Weinstein que ele comprou os direitos do filme para os EUA e o lançou em novembro nesse país, um timing que sem dúvida assinala a intenção do produtor de lançar uma investida ao Oscar. Hazanavicius está feliz. "É muito bom estar falando com você, mas até isto daqui já supera meus sonhos mais loucos." Estamos conversando em uma suíte do hotel Dorchester, em Londres, enquanto em salas adjacentes Dujardin e a mulher de Hazanavicius, Bérénice Bejo, estão sendo entrevistados por multidões de cinéfilos --o tipo de cenário de relações-públicas que acompanha a divulgação de um blockbuster de Hollywood. "Nunca imaginei que este filme seria feito, e com certeza nunca imaginei que atraísse tanta atenção." E os Oscar? "É fantástico, porque não sei ao certo se existe algum caso de um filme francês ir para o Oscar fora da categoria de filme em língua estrangeira. Imagine se ele ganhasse! Mas, para mim, basta saber que estão prevendo que sejamos indicados. Mesmo isso já é uma grande coisa. Agora estou achando que tudo é possível." Se "The Artist" de fato triunfar nos Oscar, será em parte porque o filme de Hazanavicius é uma carta de amor de Paris a Hollywood, depois de décadas durante as quais o amor foi todo no sentido contrário. Há no filme, por exemplo, um lindo sapateado com os dois protagonistas, que é uma espécie de resposta tardia às cenas de Gene Kelly sapateando nos bulevares parisienses 60 anos atrás em "Sinfonia em Paris". "Sou um francês incomum: não tenho absolutamente nada contra os Estados Unidos", diz o diretor. "Os franceses são estranhos quando se trata dos Estados Unidos, eu acho." Em nenhum lugar isso é mais verdade que em sua atitude em relação a Hollywood, digo eu. As queixas de Jean-Luc Godard contra Steven Spielberg são típicas do escárnio esnobe francês, e, enquanto os autores da nouvelle vague francesa criaram arte, Hollywood criava produtos. "É um relacionamento altamente incestuoso", diz Hazanavicius, "porque há tanto repulsa quanto atração. Mesmo os diretores da Nouvelle Vague, como Godard, admiravam John Ford, Alfred Hitchcock, Anthony Mann, Howard Hawks - muitos diretores de Hollywood eram considerados autores. Acho que há uma contradição presente." Maravilha. Mas por que Hazanavicius quis arriscar o suicídio comercial e o escárnio da crítica, fazendo um filme mudo? O diretor de 44 anos é mais conhecido por dois filmes franceses, sucessos comerciais, que parodiam os filmes de espionagem: "Agente 117 - Uma Aventura no Cairo" e sua sequência, "Lost in Rio", que fazem pelos serviços de segurança da França o que "Johnny English" fez pelos britânicos. Mas Hazanavicius diz que havia tempo queria ser mais que criador de pastiches parisiense e fazer um filme que encarnasse seu amor pelo cinema mudo. Não a comédia de pastelão de Harold Lloyd, Buster Keaton ou Charlie Chaplin, mas um filme que ecoasse as conquistas de seus diretores favoritos do cinema mudo: Murnau, Pabst, Von Stroheim, Lang e King Vidor. "Não era o pastelão que significava tanto para mim, eram os melodramas. O que eu queria era compartilhar a experiência sensual que eu tinha quando estava no cinema assistindo a 'Aurora', de Murnau." O diretor conta que, quando era garoto, seu avô o levava ao cinema Max Linder, no Boulevard Poissonière, que exibia filmes mudos nos sábados e quartas-feiras. Mais tarde, ele viveu num apartamento no mesmo edifício do cinema, como que gravitando em torno de seu primeiro amor. Sua primeira mulher e seus dois filhos ainda vivem no apartamento. Mas foi na cinemateca, do outro lado da cidade, que ele realmente aprendeu sobre o cinema mudo. "Fui um ladrão", diz Hazanavicius. "Roubei o formato e fiz um filme moderno com ele." Quando decidiu fazer "The Artist" e convencer um produtor, Thomas Langmann, a contribuir com parte do orçamento de US$ 12 milhões (cerca de R$ 22,3 mi) com dinheiro de seu próprio bolso, ele tinha várias ideias diferentes como tramas possíveis. Em uma delas, a história de seu herói acontecia em Berlim. "Gostei realmente disso, porque eu poderia evocar o cinema expressionista alemão e traçar um paralelo entre a chegada do som e a chegada dos nazistas ao poder. Mas, por uma questão de cortesia com o público, decidi não fazer isso. Um filme mudo, em preto e branco, francês - e com nazistas? Teria sido demais." Ao invés disso, "The Artist" trata de George Valentin, um astro do cinema mudo de Hollywood inspirado em Douglas Fairbanks, cuja carreira decai com a chegada dos filmes falados. Mas Valentin não é uma Gloria Swanson, e o filme não é uma tragédia. Ao invés disso, é um romance. Valentin se liga à estrela em ascensão Peppy Miller, papel que é feito pela segunda esposa de Hazanavicius, a atriz francesa, mas nascida na Argentina, Bérénice Bejo.
Como se faz um filme mudo em 2010? Afinal, os estúdios estão equipados para filmes em 3D, os atores são programados para decorar falas, e dificilmente se vê uma orquestra ser convidada para tocar a trilha sonora do filme ao vivo num fosso abaixo da tela do cinema. "Não é tão difícil assim", diz Hazanavicius. "Não existe um estilo de atuação próprio do cinema mudo." Mas Dujardin teria se sentido perdido, inicialmente, porque costuma encontrar-se em um papel por meio da voz do personagem. "Sim, ele ficou muito confuso num primeiro momento porque não sabia como se preparar. Uma coisa que ajudou foi tocar música no set que transmitisse aos atores o clima de cada cena. Usei muitos grandes compositores clássicos de Hollywood --Hermann, Bernstein, Korngold, Waxman, música de filmes como 'Crepúsculo dos Deuses' ou 'Laura' - para transmitir aos atores o clima que eu buscava." Rodar um filme mudo também teve benefícios para a equipe técnica, em sua maioria americana: ela não precisava manter silêncio depois de Hazanavicius gritar "ação!". Os treinadores de Uggy, por exemplo, o cãozinho que é o companheiro fiel de Valentin, podiam gritar instruções durante as filmagens, sabendo que suas ordens de "senta!" ou "se faça de morto!" não seriam ouvidas no filme final. Ninguém esperava que "The Artist" fosse um sucesso, mas é, e por isso vem servindo a Hazanavicius como cartão de visitas em Hollywood. "Agora estão me mandando roteiros de filmes de época, como se é isso que eles acham que eu faço. Se pensam que é só isso o que eu faço, mudarei. Só sei que a melhor maneira de fazer merda é repetir o que você já fez, como se seguisse uma receita." Mas uma das ofertas que ele recebeu veio do chefe de ficção da HBO. "Ele disse que gostou de 'The Artist' e que ficaria feliz se eu tivesse uma ideia para um seriado. Vindo do pessoal que fez 'The Sopranos', que para mim está no nível de Dostoiévski, isso é muito lisonjeiro." Sugiro que "The Artist" deve ter feito maravilhas pela reputação de Hazanavicius. "Não me importo com minha reputação. As pessoas pensavam em mim como parodiador, mas também sou coautor de um documentário sobre o genocídio de Ruanda. Não sou esse sujeito neandertal que faz apenas um filme bom, embora isso já seja suficientemente difícil. Tenho apenas uma obsessão: não ser entediante." "The Artist" chega aos cinemas em 30 de dezembro.
Tradução de Clara Allain – do caderno ILUSTRÍSSIMA – da FOLHA DE SÃO PAULO.