Morello: desmatamento não é progresso |
Por Renata Valério de Mesquita –
da revista PLANETA
A velha história de que os países
desenvolvidos chegaram aonde estão à custa da perda das suas florestas está
incorporada há séculos no imaginário coletivo brasileiro. Mas o economista Thiago
Fonseca Morello, especializado em aproveitamento econômico florestal, aponta
que já passou da hora de se rever essa ideia. Bolsista do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Morello desenvolve atualmente
uma tese de doutorado sobre a agricultura de corte e queima na Amazônia
brasileira, no Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo
(IPE-USP). E já defendeu um mestrado sobre o ciclo do carvão vegetal em Minas
Gerais.
Como subproduto de suas
pesquisas, recentemente publicou o artigo “Desmatamento e Desenvolvimento: O
Que o Brasil Tem a Aprender com a História dos Países Desenvolvidos”,
demonstrando que a autonomia econômica alcançada por muitos dos países ricos se
deu justamente porque souberam entender a importância da conservação da sua
cobertura vegetal – mesmo sem contar com tamanha biodiversidade como a
brasileira. Eles investiram no reflorestamento e na exploração racional da mata
nativa. Morello mostra que o caminho para o sonhado Primeiro Mundo se assemelha
mais a uma trilha do que a uma rodovia sobre a floresta.
PLANETA - Por que a opinião
pública no Brasil associa desmatamento a progresso?
MORELLO - Esse discurso é uma
abordagem distorcida, criada pela classe política. Vem desde o início do país,
quando os brasileiros tomaram as rédeas da administração pública. A preocupação
era industrializar o Brasil e diversificar a produção. A selva era sinônimo de
selvageria e de confusão, portanto, as florestas estavam no meio do caminho do
progresso. Mas essa associação é infundada. A literatura mostra que a área
florestal (incluindo florestas plantadas) está crescendo desde o século 19 na
Escócia, Dinamarca, França e Suíça, e desde o século 20, na Alemanha, Coreia do
Sul, Inglaterra e nos Estados Unidos, países que adotaram mecanismos indutores
de reflorestamento e regeneração de mata nativa.
O bordão “eles já destruíram tudo
e agora querem que preservemos” está equivocado?
Está errado. A Inglaterra
conquistou poder bélico graças ao seu poderio naval. Precisou de madeira para
construir navios ao mesmo tempo que a agricultura estava em expansão, e que
havia guerras em curso e a construção civil crescia. Tudo isso demandavamuito
das florestas, o que fez o preço da
madeira subir. O país, então, começou a tomar medidas, criando uma série de
leis no século 17 para regulamentar a exploração das florestas. Leis essas que,
conceitualmente, não são muito diferentes do nosso Código Florestal.
Existem lições e exemplos que
possamos tomar das leis e políticas florestais dessa época?
Sim. Os países pioneiros no
aprendizado do manejo de floresta, como Alemanha, Japão e França, cometeram
erros mas aprenderam com eles. O Brasil também tem condições de aprender. A
história da França é bem interessante. O país cabe dentro de Minas Gerais, mas
nunca teve cobertura vegetal e biodiversidade como o Estado brasileiro ainda
tem, mesmo depois de tanto desmatamento. Eles também tiveram problema de
escassez de madeira. Os franceses não adotaram regras para proibir o uso das
florestas, mas já no século 17 começaram a implantar normas para usar as
florestas racionalmente, sem destruí-las. As regras surgiram para a sociedade
aprender a utilizar e recompor a cobertura arbórea. Desde a metade do século
19, a área florestal francesa não sofreu mais reduções; ao contrário, aumentou.
Algumas dessas leis se mantêm até hoje. A França é autossuficiente em madeira e
tem, assim como os Estados Unidos, leis muito mais restritivas do que as
nossas.
O sr. não mencionou o Japão, que
também é um exemplo, não? Apesar da alta densidade demográfica, 69% do
território do país está coberto por vegetação.
Sem dúvida se trata de um dos
principais exemplos a serem seguidos, pois a industrialização japonesa não veio
acompanhada de redução da área nacional de florestas, mas sim da sua expansão,
graças ao estabelecimento de plantações florestais com biodiversidade não
desprezível no século 18 e, depois, após a Segunda Grande Guerra. O historiador
Conrad Totman, especialista em Japão, defende a tese de que a “silvicultura
regenerativa” – algo próximo ao que se entende por manejo florestal de baixo
impacto – foi desenvolvida no Japão independentemente da Alemanha, país ao qual
se atribui a origem da silvicultura.
O que o sr. acha da crítica ao
Código Florestal Nacional, de termos leis muito restritivas quanto ao uso de
território?
Uma pesquisa realizada pelo
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), de Belém, sobre
legislações internacionais apontou que muitos países desenvolvidos têm leis tão
ou mais rígidas do que se diz que o Brasil tem hoje, ou pretende ter com o Novo
Código Florestal.
Continuar desmatando significaria
seguir a lógica dos séculos antes da primeira Revolução Industrial?
Com certeza. É como se o Brasil
estivesse no período medieval. O correto seria dizer que, no aspecto florestal,
o Brasil não é um país em desenvolvimento, mas um país em desmatamento. Entre
2005 e 2010, o Brasil ficou no primeiro lugar do ranking da ONU (empatado com
Austrália e Indonésia) em perda líquida florestal – ou seja, descontando-se
todo o eucalipto plantado. Mas, se olharmos para o ranking de PIB per capita,
continuamos no mesmo lugar, não evoluímos
nada. A questão é: será que esse desmatamento realmente está gerando
desenvolvimento? Não está. Não nos restam mais do que 7% da Mata Atlântica e já
foram embora 20% da Floresta Amazônica. O Cerrado está entre 20% e 30% do que
era. Na prática, essa necessidade de desmatar para desenvolver não é
verdadeira. Porque, se fosse assim, já estaríamos lá – no Primeiro Mundo.
Chegamos ao ponto em que os
países desenvolvidos, lá atrás, começaram a fazer o manejo sustentável das
florestas, mas não tomamos a atitude que eles tomaram.
Exato. No Brasil, a tecnologia
evoluiu para florestas plantadas, mas quanto às florestas nativas a exploração
continua a ser muito atrasada. O cultivo do eucalipto, aqui, nasceu da nossa
escassez de madeira. Ainda predomina a exploração de alto impacto nas florestas
nativas – aquele tipo de extração que, para obter uma árvore, acaba destruindo
um hectare inteiro. Por outro lado, sempre existiu a ideia de que após o corte
da madeira bastava deixar que a floresta se regenerasse por um período de cerca
de 15 anos, e se obteria um potencial – em volume de madeira por hectare –
equivalente ou não abaixo do que a floresta oferecia. Só que nunca se
considerou o estrago causado na floresta. Quanto mais uma floresta fica
fragmentada, menor é a sua capacidade para se regenerar. Mudar a concepção das
pessoas de como explorar florestas demora. Precisa de qualificação e de mão de
obra, que não é barata. Precisa de investimento em tecnologia. No início, o
custo disso é maior. Produzir de maneira sustentável, hoje, é mais caro. Mas se
todos os países passassem a monitorar a madeira que estão comprando esse
panorama poderia melhorar.
O sr. é um crítico da ideia de
que os países desenvolvidos deveriam “financiar” o desenvolvimento verde dos
mais pobres, como foi defendido na Rio+20?
É um equívoco. Não se justifica
pedir dinheiro porque queremos crescer sem desmatar. Isso significaria reiterar
que precisamos avançar mais sobre a Amazônia e o Cerrado para nos desenvolver,
o que é falso. O que precisamos mesmo é produzir melhor, com maior rendimento.
E ter melhores práticas de distribuição. O desmatamento não é condição
necessária ao desenvolvimento. Não é preciso depredar recursos florestais para
ter desenvolvimento. Isso é mito. Primeiramente, temos de analisar se fazemos
bom uso do que estamos destruindo. Se estamos destruindo, já existe algo
errado, porque não é necessário. É perfeitamente possível explorar as florestas
nativas de forma sustentável.
Precisamos mais de tecnologia do
que de dinheiro?
Precisamos dos dois. A pesquisa
científica é cara. A gente precisa entender a riqueza da Amazônia, e isso
requer um esforço global. Precisamos de apoio para modificar a estrutura
tecnológica e institucional que temos para que nossa economia possa andar sem
precisar derrubar mais nenhuma árvore.
O sr. acredita que a fartura de
vegetação e biodiversidade dificulta ao brasileiro entender o valor da
preservação?
A dificuldade não é a escassez ou
a abundância. A questão é que estamos longe de nos preocupar realmente com a
disponibilidade de madeira (exceto a de lei), pelo bem e pelo mal. Países como
os Estados Unidos e a Austrália, ricos em recursos, fazem um aproveitamento
melhor. É complicado discutir o que está na cabeça das pessoas, mas acho que a
diferença social no Brasil pesa muito. Temos, principalmente, dois grupos: o
que dirige o trator que vai passar a corrente para derrubar a floresta e o que
comanda a passagem do trator. É isso o que acontece na Amazônia, no Cerrado e
no Pantanal. Por mais que sejamos a sétima economia do mundo, o nosso nível de
desigualdade social é comparável ao de países da África. Enquanto existir o elo
maligno entre aquele que aufere o lucro e a pessoa sem opção de trabalho, isso
vai continuar a acontecer.