Kátia Borges – Revista MUITO, de
A TARDE
O imortal Antônio Torres |
Aos 73 anos, completados em 13 de
setembro de 2013, o escritor Antônio Torres mantém o fôlego criativo do menino
que, aos 10 anos, no Junco (hoje Sátiro Dias, a 206 quilômetros de Salvador),
socorria os analfabetos do povoado, lendo e respondendo cartas dos migrantes em
troca de doces. A vocação literária precoce, refinada pela atuação no
jornalismo e na publicidade, foi aplaudida pela crítica em 1972, quando fez sua
estreia com Um Cão Uivando para a Lua. Fã confesso de Jorge Amado, de quem
tornou-se grande amigo, Torres ocupa, desde 7 de novembro deste ano, a cadeira
23 da Academia Brasileira de Letras, justamente a que pertenceu a Amado. Ainda
sob o impacto positivo da eleição para a ABL, que repercutiu em todo o país e
no exterior, ele esteve rapidamente em Salvador para participar do Café
Literário da XXIII Bienal do Livro da
Bahia. Nesta entrevista - concedida no hotel, pouco antes de um jantar em sua
homenagem, organizado por amigos e escritores baianos -, Torres fala sobre a
polêmica das biografias, o preconceito contra os autores
"regionalistas", o poder, as contradições e a força da memória e o
mercado literário nacional. "Até 1998, eu sentia medo de perder o emprego
formal. Hoje, como escritor, não tenho emprego, mas trabalho não falta".
Como aquele menino, que aos 10 anos escrevia cartas para os moradores
do Junco em troca de doces, virou escritor?
Obra consagrada do autor |
Começou na escola, quando a
professora Serafina me colocou para ler Castro Alves num palanque no 7 de
setembro e o povo da roça veio ver e se entusiasmou. Depois disso, se você me
perguntasse o que eu queria ser quando crescesse, eu responderia: Castro Alves!
Então a professora Teresa veio inaugurar o prédio da escola rural e nos ensinou
composição. Dava um tema, a gente desenvolvia. A partir daí, as pessoas
começaram a me notar. Tanto que, quando houve a primeira solenidade importante
do povoado, fui escolhido para fazer um discurso, e, com isso, criou-se a
imagem do menino que sabia escrever. Um dia, ao chegar em casa, um rapaz com
uma folha de papel e um lápis na mão disse que me esperava desde cedo. Queria
que eu escrevesse uma carta para uma moça por quem estava apaixonado. Ele era
analfabeto. Fiquei encantado com o pedido, mas temeroso. Pedi que ele falasse
da paixão e escrevi. Na semana seguinte, era a moça que estava lá, pedindo para
que eu lesse a carta e respondesse. Foram os melhores direitos autorais da
minha vida, pois o pagamento era feito em doces. A coisa foi num crescendo, e
começaram a chegar cartas dos migrantes, que não iam ainda para São Paulo, nos
anos 1940, mas para o sul da Bahia, a região do cacau. Toda segunda, o correio
chegava no lombo de um burro e havia uma fila de mulheres à espera de notícias
dos maridos. Falavam: "Chama o menino". E lá ia o menino ler. Era uma
alegria para elas, mas um drama para aquele leitorzinho, pois elas choravam
muito, e choravam no meu ombro.
Tornar-se escritor já era um
sonho?
Seu livro mais conhecido |
O sonho começou ali, com as
leituras em voz alta e as redações da escola. A professora Teresa abria os
livros e colocava os alunos em fila, mandando cada um ler um trecho. Para mim,
certa vez, caiu "verdes mares bravios da minha terra natal" (Iracema,
José de Alencar). Nunca esqueci,
sobretudo porque não sabia o que eram verdes mares. Na minha terra, nem rio
havia. Imagina o que aquilo causou na minha cabeça? Passei noites a sonhar com
o mar. Aquilo cumpria em mim o papel da literatura, que é abrir a imaginação,
como o cordel já havia feito, quando li O Romance do Pavão Misterioso. A
literatura surgiu com força e beleza na minha infância, e eu queria muito ser
poeta. Só em Alagoinhas, um professor de português, figura fantástica, disse
para mim que meu negócio não era poesia. Na mesma época, outro professor, o
Carlos Borges, me emprestou Mar Morto, de Jorge Amado, e eu li todo em uma
noite. No dia seguinte, fui até a livraria e comprei todos os livros dele.
Quanto mais lia, mais sentia vontade de escrever.