Exposição conta com doações de
todo o país e contêm fotos, áudios, vídeos, jornais e revistas
LUIZ FERNANDO VIANNA – de O
GLOBO
Elis Regina (Paulo Moreira) |
RIO - Allen Guimarães nasceu
Alcindo 45 anos atrás e há 30 vive boa parte de seu tempo em nome de Elis
Regina. Foi vendo os programas exibidos quando da morte da cantora, ocorrida em
19 de janeiro de 1982, que ele constatou que conhecia, sim, aquela voz, a de
sucessos como "Lapinha" e "Madalena". E que precisava ver e
ouvir mais essa mulher, desaparecida aos 36 anos em função de uma combinação
possivelmente acidental de álcool e cocaína.
O projeto "Viva
Elis", maior evento inspirado nas três décadas sem a artista, só começará
a rodar o país em março graças a fãs apaixonados como Allen — o nome foi
adotado durante uma estada nos EUA, já que um amigo não conseguia pronunciar
"Alcindo". O paulistano se transformou no epicentro de uma rede de
pessoas que, sem receber ordem ou dinheiro de ninguém, vinham montando acervos
dedicados a Elis à espera de uma chance de torná-los públicos. A chegada desse
momento permitiu a reunião inédita de, por enquanto, cerca de 500 fotos, mil
reportagens de jornais e revistas, 36 horas de vídeos e um tempo ainda não
calculado de áudios.
— E toda semana nos ligam
oferecendo mais coisas — conta João Marcello Bôscoli, de 41 anos, o mais velho
dos três filhos da cantora e principal responsável pelo "Viva Elis",
projeto de R$ 6 milhões patrocinado pela Nívea e com programação gratuita cujo
carro-chefe é uma exposição multimídia baseada no material reunido. Seu desejo
é, após o fim da mostra, manter tudo — inclusive o pouco que a família tem — na
sede de um Instituto Elis Regina, a ser criado em São Paulo, Rio ou Porto
Alegre (cidade natal da artista).
— Não vamos guardar numa caixa
— diz ele.
Documentário de seis horas
Allen está há seis anos na
Trama, produtora e gravadora de João Marcello, e trabalha com Maria Rita, que
participará de "Viva Elis" cantando o repertório da mãe. Ganhou o
emprego graças à fama de obcecado pela cantora firmada entre 2000 e 2005,
quando era funcionário da Universidade Federal de Uberlândia. Com o respaldo
acadêmico, contatou instituições e emissoras de outros estados e países,
formando uma coleção preciosa. Por exemplo: especiais de TV de Portugal, França
e Alemanha, matéria-prima de um possível DVD futuro.
Mal resolveu estudar cinema,
pôs na cabeça a ideia de um filme sobre Elis. Câmera na mão e mochila nas
costas, fez 48 entrevistas. Foi reprovado por faltas. Ouviu em Uberlândia que
documentário com mais de 20 minutos é chato. O seu tem seis horas, que foram
exibidas em capítulos numa semana dedicada à cantora na universidade. A
exposição de "Viva Elis" terá uma versão reduzida. A transcrição das
entrevistas responde pela maior parte de um livro de Allen (também batizado de
"Viva Elis"), que será enviado a bibliotecas na mesma época da
mostra.
Do acervo que está em suas
mãos, 90% vieram do Elis em Movimento, grupo criado em 1 de maio de 1982, em
São Paulo, com o intuito de coletar o que dissesse respeito à carreira da
cantora, não à vida pessoal. Chegaram a ser 700 sócios, enviando de todo o país
fitas, fotos, bilhetes, revistas. A busca de um patrocínio foi em vão.
— Havia preconceito. Uma
companhia aérea disse que ela era uma "fumeira" (usava drogas) —
lembra um dos diretores, o sociólogo e assessor de imprensa Beto Previero, de
69 anos. — Não queríamos parecer um bando de alucinados. Foi preciso que
saíssem uns fanáticos que viam Elis em cima da geladeira, em qualquer lugar. E
realizamos 29 edições da Semana Elis. Agora, a função está cumprida.
Eles receberam de mães cujos
filhos morreram em consequência da Aids coleções deixadas sobre a cantora. Em
2011, temendo que, após morrer, sua família jogasse fora o acervo montado ao
longo dos últimos 46 anos (ingressos de todos os espetáculos, 40 discos de
vinil, 70 CDs, dez pastas com recortes de jornais, três retratos de Elis que
comprou de pintores de rua e 300 fitas de programas de rádio gravados na
empresa de peças para relógios em que trabalhava), a paulista Isaura de
Oliveira, de 62 anos, doou tudo para Allen.
— Ele me prometeu digitalizar.
Não quero ganhar dinheiro, mas que tudo fique preservado — diz ela.
A jornalista carioca Teresa
Cavalleiro também nunca vendeu os registros em super-8 que, ao lado do amigo
Acyr Fonseca, fez do último show de Elis aberto ao público, em novembro de
1981, no Teatro João Caetano — em dezembro daquele ano, ela realizou um fechado
para uma empresa. São imagens sem nitidez, mas históricas, de "Se eu
quiser falar com Deus" e "O trem azul".
— Para ver minhas imagens na
exposição, vou levar uma caixa de lenços — imagina Teresa, de 53 anos, que tem
na sala de trabalho um pôster do show "O trem azul". — Nos dias 19 de
janeiro e 17 de março (data de nascimento de Elis), uso a camisa do
"Saudade do Brasil" (show de 1980), com o nome dela na bandeira no
lugar de "Ordem e progresso".