ESTUDO SOBRE OUTRAS INTERVENÇÕES/REFLEXÕES
EM OS SERTÕES E O PENSAMENTO EUCLIDIANO PARA SUA GRANDE OBRA
Marcos José de
Souza¹.
Prof. Rede
estadual de ensino da Bahia
RESUMO
– O presente artigo faz um estudo comparativo de contribuições de análise à
obra Os Sertões, de Euclides da
Cunha, no tocante à percepção adjetiva da obra. Partindo de uma busca em sitio
especializado na internet, o trabalho vislumbrou que o autor e sua obra
continuam desafiadores e alimentadores de novas interpretações, bem como na consolidação
de visões anteriores que identificaram contradições, equívocos, os quais,
entretanto, mesmo na visão desses críticos mais ácidos, não desqualificaram o
monumento que é a obra.
PALAVRAS-CHAVE – Os Sertões. Canudos.
Euclides da Cunha. Análise. Texto.
INTRODUÇÃO
Esse
trabalho é fruto de duas realizações: a 1ª advém de um continum que se iniciou
em 2000 e veio até o ano de 2011, no exercício docente da matéria Língua
Portuguesa, Ensino Médio, das redes Municipal e Estadual do município de
Fátima-Bahia. Durante esse período o livro Os
Sertões esteve presente no programa de disciplina e, a partir da leitura
dele, fazíamos viagens a Canudos e Monte Santo, organizávamos seminários com
falas de visitantes e dos estudantes; exibimos os filmes, além dos tradicionais
instrumentos de avaliação; provas produção de texto, confecção de cartazes,
dentre outros.
A
2ª realização é a produção de um curso sobre o livro Os Sertões, destinado ao público em geral, interessado na obra o
livro vingador. Com carga horária de 80 horas para a leitura de Os Sertões, exibição de filmes
temáticos, palestras, viagens e preparação e realização de seminários com
produção de texto para disponibilização em meios eletrônicos e digitais ainda
não produzidos.
Através
do sítio de textos acadêmicos, o scielo, utilizando das palavras para
pesquisar: Os Sertões, Antonio Conselheiro, Canudos e Euclides da Cunha,
chegamos ao total de 22 textos. O uso da internet deveu-se à localização
geográfica e à disponibilidade de acervo do autor ademais, foi uma maneira de
buscar, dar “visibilidade” ao qual a temática que esteja disponível na rede
municipal de computadores.
A
leitura e análise dos textos foi aleatória e vê-se na bibliografia o predomínio
de textos do Instituto Maguinhos, posto que ali realizou-se um evento comemorativo ao centenário de
publicação de Os Sertões.
A produção desse trabalho visa ampliar o
debate dessa polêmica obra e sintetizar algumas discussões realizadas acerca
das multifaces deste livro vingador.
DESENVOLVIMENTO
Antes
de adentrar ao objeto de análise cabe-nos a visita a uma observação feita
alhures pelo prof. Antonio Cândido, acerca da relação público/obra, situação
pertinente a toda grande obra, e em relação a Os Sertões, amor e ódio, aceitação e não-aceitação, convivem até os
dias de hoje.
O
público dá sentido e realidade à obra, e sem êle o autor não se realiza, pois
êle é de certo modo o espelho que reflete a sua imagem enquanto criador. Os
artistas incompreendidos, ou desconhecidos em seu tempo passam realmente a viver
quando a posteridade define afinal o seu valor. Dêste modo, o público é fator
de ligação entre o autor e a sua própria obra. (CÂNDIDO, 1967. p. 43-44).
Desse
modo podemos perceber nitidamente, nas palavras do prof. Cândido, o espelho do
que foi o livro monumento, o autor, sua vida pessoal e a relação com o seu
público.
Seguindo
ainda o raciocínio do prof. Cândido, este em Literatura e sociedade, enfatiza a grandeza de uma obra,
atribuindo-a uma função social e atemporalidade – mesmo tratando um tema localizado
historicamente – tendo em vista que esta influencia em seu momento histórico,
mas quebra a barreira do tempo, tornando-se, portanto, atemporal à medida que
causa um impacto na sociedade. Um clássico como podemos também considerar.
Nesta
obra fundamental para entendermos uma obra literária, o prof. Cândido também
faz menção direta a Os Sertões, já
observando suas falhas, suas contradições, mas também a grandiosidade da obra.
No primeiro momento o professor aponta o caráter introdutório da temática
sertaneja na literatura brasileira; em um segundo instante, o defeito da obra é
ressaltado, “...exemplo típico da fusão, bem brasileira, da ciência mal
digerida, ênfase oratória e intuições fulgurantes.”(CÂNDIDO, 1967,p. 156), mas
no terceiro momento destaca-se o caráter inovador quanto “...com os indícios vivos de superação da
tirania-jurídico-retórica”.(Ibidem)
A
seguir temos o nosso diálogo com diversos interlocutores, que de longa data,
vem conversando com OS SERTÕES.
Veremos que, tanto o original quanto suas leituras proporcionam uma plêiade de
perspectivas, sobre os possíveis defeitos, quanto sobre os brilhantismos onde
obra e público/crítica também geram adversidades e similaridades:
I.
O prof. José Carlos Barreto aborda um dos vários aspectos da obra Os Sertões, o uso da metáfora, com qual
Euclides da Cunha consegue ampliar o universo de adjetivos a sua obra
atribuídos. Destacou, o nosso interlocutor, 03 (três) momentos, os quais se
relacionam as partes formadoras do livro vingador, a leitura, o homem a luta,
mas nem por isso deixou de reforçar a relação universal que essas mesmas partes
possuem, o que foi proposta Euclides.
O encadeamento das partes integrantes de Os sertões faz com que A terra possa ser lida como uma espécie de índice narrativo dos capítulos seguintes. Walnice Galvão (1994, p. 626) lembra que os capítulos da luta, ‘deflagram retroativamente as duas partes iniciais, onde se encontram sistemas de metáforas que prefiguram aquilo que vai ser episódio de crônica da guerra’. Vem da geologia algumas das mais expressivas representações metafóricas do livro. (BARRETO,J. C. 1998, p.
13)
Ao
destacar as metáforas, o prof. José Carlos Barreto elenca 3 (três) exemplos, a
anticlinal, as placas tectônicas e a rocha viva.
A
primeira metáfora, a anticlinal, atribuída
ao Conselheiro, tendo em vista que o fenômeno é “uma dobra com a convexidade
voltada para cima e os flancos para baixo, é um resultado de forças tectônicas
compressivas sobre as rochas”. (BARRETO, 1998, p.12)
O
Autor reforça sua tese ao afirmar que Antônio Conselheiro é produto “das forças
internas à sociedade sertaneja” (Ibidem) e que em função de seu empenho e
desenvolvimento no que se pretendeu fazer, ganhou notoriedade e respeito nos caminhos
e lugares por onde andou.
A
segunda metáfora relaciona-se a própria Canudos, chamada de as placas tectônicas, “um afloramento do
passado” (Idem, p.13). O autor apóia-se em outro texto de Euclides da Cunha para
reafirmar essa figura de linguagem, fruto de um discurso proferido, para
estudantes no Rio de Janeiro. Segundo o prof. Barreto,
o
escrito faz a opção de se utilizar de processos tectônicos causadores de
deformações que afetam os níveis
profundos da crosta terrestre, e que envolvem a propagação de forças internas através do substrato rochoso
sobre os quais elas se levantam. O interior do país assume assim as feições
de interior da própria sociedade. (Ibidem) [grifo nosso]
Sendo
assim o Belo Monte- conhecida como arraial de Canudos, seria o resultado do
movimento interno das forças que emanavam
dos atores/sujeitos sociais do Brasil no final do século XIX.
Por
fim a terceira metáfora, a rocha viva,
o próprio sertanejo, fruto do amalgama, dos diversos compostos geológicos e
vulnerável à evolução desses mesmos componentes. A despeito dos reveses o
sertanejo surgiu, enfrentou e sobreviveu aos mais diferentes fluxos e refluxos
naturais. A mestiçagem vista por Euclides como processo étnico brasileiro
“gerou” o sertanejo, tal qual uma rocha que surge e resiste integro.
À guisa de síntese vê-se que o prof. Barreto
apresenta-nos “ uma montanha antiga” (p.
12), a anticlinal, o Conselheiro, que produz um abalo sísmico, o arraial do
Belo Monte, a Canudos, a qual por sua vez, apresenta-nos, dando voz e vez, à rocha que resiste às intempéries do
meio, o sertanejo.
II.
O elemento analisado pela profa. Gláucia Villas Bôas é o da construção da nação
a partir das noções de passado e de presente, basilares para a compreensão de
mundo moderno na visão de Euclides da Cunha. Portanto é um olhar de
perspectiva, sendo esta compreendida como o entendimento de alguém sobre um
fenômeno, na tentativa de enxergar/captar a visão do outro.
Essa tentativa de Euclides tornou-se
um dilema, pois para a nossa interlocutora, aquele defendia uma idéia - a da
construção da nação -, entretanto os elementos postos não lhe asseguram tal
feito, “o sertanejo fixado à terra, condição e símbolo de sua vida, se opõe
flagrantemente à figura do homem moderno, cujo traço marcante é justamente a
mobilidade espacial e simbólica”.
Essa
postura de Euclides, segundo nossa interlocutora, fazia coro com grande parte
da intelectualidade brasileira do final do século XIX e início do século XX.
Na
hipótese de se atribuir ao Estado como parece ter sido a proposta de grande
parte da intelectualidade a dupla tarefa de assegurar a cidadania e a
construção de sociedade moderna, que mito de origem deveria ser narrado?Como
lidar com o passado e construir uma história original que servisse a todos os
brasileiros, reunindo-os como grupo e separando-os como indivíduos? (VILLAS BÔAS,
1998, p. 7)
Villas
Bôas conclui seu raciocínio identificando que a noção de tempo – cronológico,
está intimamente relacionado com o de civilização, “o tempo recuado é o tempo
dos sertões” (Ibidem, p. 8). O livro vingador, portanto, aponta para duas
respostas (?): a primeira, a memória – “vai buscar elementos para construir a
ideia de uma cultura nacional. O engenheiro, militar e escritor está a favor
da civilização moderna ainda que lamente seus crimes”. (Ibidem, p. 12)
[grifo nosso]; a segunda, ruptura com o passado,
trata-se
de uma história dos vencidos. E. da C. liberta-se assim do tempo passado, sem
ter mesmo a menor intenção de mostrar sua continuidade, através da
reatualização de um ethos a correr nas veias de todos os brasileiros, malgrado
mudanças e descontinuidades. (Ibidem, p. 13) [grifo nosso]
III.
Enquanto Regina Abreu destaca o impacto promovido pelas leituras inicias de OS SERTÕES – com pequena tiragem e
esgotada em pouco tempo, Venancio Filho discute o fator guerra na obra e os
elementos histórico-sociais nela inscritos. Abreu coletou os comentários dos
principais críticos à época: José Veríssimo, a quem teceu elogios com surpresa
à novidade na literatura brasileira; Araripe Junior, que organizou um texto
mais denso e, segundo nossa interlocutora, foi utilizado por Euclides, tendo em
vista que este ficou ressabiado com tamanho impacto e positividade dos
comentários feitos à sua produção; o terceiro crítico foi Silvio Romero, cuja
“defesa” do autor de Os Sertões Foi
no discurso de posse de Euclides na Academia Brasileira de Letras.
Os
três críticos mais importantes do período evocaram o argumento da ciência como
atributo para a consagração de Os Sertões. Além disso, julgaram a obra pelo
critério do nacional. Mas, enquanto para Romero a noção de raça era
determinante enquanto fator de diferenciação nacional, para Araripe era noção
de meio físico o fator primordial. De qualquer modo, ambos enfatizaram a
concepção (romântica) de que a natureza desempenhava papel principal na formação
das sociedades e na determinação dos homens. (ABREU, 1998, p. 18)
IV. Na tentativa de explicar o
impacto da guerra em diversos aspectos, desde o de operacionalização (de
logística, como diriam os estrategistas contemporâneos), quanto o de valor
cultural – entendido o substantivo do ponto de vista composicional, formativo,
Venancio Filho desenvolve seu texto a partir do impacto que é um conflito,
estendendo para a razão de ser a Guerra de Canudos, cujas noções de barbárie e
civilização, às quais estavam sujeitas, tanto aterrorizavam os brasileiros.
O livro, para o nosso interlocutor,
foi a síntese de todos os fenômenos sociais daquele tempo, desde o terror
espalhado pelas falsas notícias a respeito do Conselheiro e seu ideário, quanto
pelas informações das derrotas oficiais, passando pela explicação dos sujeitos
– jagunços, cangaceiros e vaqueiros – e do local do conflito – ausência de
chuva, aridez do solo, flora ressaca e “agressiva”.
Segundo Venancio Filho
Euclides
deu a Canudos uma espessura, uma dinâmica e uma dimensão que, nas artes,
empalidecem as representações da Independência, da guerra do Paraguai, da
Abolição, da República, fatos em si muito mais relevantes, mas enquadrados, em
sua época, em molduras convencionais, comemorativas, oficiais, às quais faltava
uma dimensão profunda e substancial. (VENANCIO FILHO, 1998, p. 03)
Como
vimos, baseado em diversos estudos, inclusive estrangeiros, a Guerra de Canudos
teve no livro vingador, seu maior defensor, iluminador, divulgador e
perpetuador.
V.
O ineditismo do trabalho do prof. Ventura assenta-se na ideia do constructo
‘deserto’, elaborado por Euclides da Cunha, tanto em Os Sertões, quanto em Contrastes e confrontos e À Margem da
história
Euclides concebeu os sertões nordestinos e amazônicos como espaços vazios, fora da escrita e da civilização, e recorreu ao livro como mediador na observação da paisagem. Partindo da cultura escrita, o viajante se voltava para a paisagem, de modo a reinterpretá-la por meio da notação literária e científica. (VENTURA,
1997, p. 11)
Advém
desta citação uma outra sinalização do prof. Ventura: para Euclides a
importância da escrita, materializada em forma de livro, deu visibilidade e
posterior domínio dos sertões, tanto aquele do semiárido, quanto aquele da
floresta amazônica. Outra
importante contribuição que vimos no trabalho do prof. Ventura² é a noção de
viajante em movimento, sendo este aquele que descreve e narra, “que dá
expressão artística ou científica à paisagem”. (Ibidem, p. 15). Um dos grandes
feitos de Os Sertões é exatamente
esse, o de ir além do que se vê, transformar a aridez do rochedo, a
agressividade dos mandacarus, xiquexiques e cabeças-de-frades, o calor
sufocante, a baixa umidade do ar, o cinza da caatinga, em páginas inebriantes,
modo tão caro aos poetas e narradores de primeira linha. Uma verdadeira viagem
é ver, isso mesmo, enxergar e sentir a sequência narrativa em PROCISSÃO DOS
JIRAUS, final da batalha, segunda expedição, onde o gerúndio ali empregado nos
enleva e faz arrepiar o quadro não menos dantesco da tragédia sertaneja.
Provocando-nos mais uma vez,
questiono: Mas, cá entre nós, Os Sertões é
uma epopeia? Está aí ainda o grande mito que ela representa, pois passados mais
de um século enxergamos vários tipos nesse texto-momento (ou momento-texto?)
V.
Ao explorar os temas sertão e fronteira, Lucia Lippi parte da “exposição”
euclidiana indo além do posicionamento do autor de o livro vingador. Para a
autora, o leitor brasileiro sente-se um estrangeiro, em sua própria nação, ao
ler esta obra. Essa situação deve-se ao fato de que o Brasil era, apenas, o
litoral e alguns pontos das Minas Gerais, daí o total desconhecimento do
restante do Brasil, por ironia, a sua maior parte.
VI. Um estrangeiro dentre os autores desta coletânea, entretanto essa sua condição não o desqualifica como bom conhecedor do nosso livro vingador. Dono de um horizonte amplo sobre a literatura brasileira, em particular sobre OS SERTÕES, Zilly nos presenteia cara e bem conhecida que é a da guerra em si, como fenômeno e sua relação intrínseca com a condição pictórica e teatral.
Antes de mergulhar no que se propôs
– cujo título é bastante objetivo – Zilly afirma que “(a) incorporação de Os
Sertões aos cânones da literatura nacional e universal se deve relativamente
pouco a seu valor documental ou historiográfico.”
(ZILLY,
1998, p. 03).
Além
da qualificação dada, o autor nos informa em nota que OS SERTÕES figura entre os principais livros na Alemanha, terra
natal e domiciliar de Zilly.
Dentre os detalhes observados e
analisados por Zilly relacionando a guerra à uma peça teatral e uma imensa
tela, o também evoca a linguagem utilizada por Euclides – algo também já visto
por outros analistas/estudiosos da obra.
O caráter intensamente retórico de Os sertões, sua oralidade erudita, sofisticada, altissonante talvez não seja exatamente um traço barroco. A retórica é uma técnica verbal, de caráter pragmático e poético, proveniente da Antiguidade, mas foi no barroco (sic) que recebeu configuração especial, requinte e grandiosidade.(
ZILLY,
1998,
p. 6)
Outro destaque é o que se relaciona ao
tipo de texto que é Os Sertões
(relevância também já vista aqui nesse trabalho), tendo em vista apresentar
característica de relato científico –
em função dos seus estudos em geografia, geologia, botânica e o próprio
exercício da engenharia; texto poético face
ao uso de inúmeras metáforas e o de figuras de estilo, onde predominam as
antíteses, os paradoxos (até mesmo, oxímoros) e as hipérboles. Outras
atribuições ao texto por demais conhecidas nos permitem não mais elencá-las
aqui.
Toda exposição de motivos é, para Zilly,
sintetizada na ideia de que Os Sertões
é uma grande tela e um imenso drama cujos atos são assim distribuídos:
“A Terra, o homem, a luta - I ato
Travessia do cambaio – II ato
Expedição Moreira César – III ato
Quarta expedição – IV ato
Nova fase da luta, últimos dias – V
Travessia do cambaio – II ato
Expedição Moreira César – III ato
Quarta expedição – IV ato
Nova fase da luta, últimos dias – V
ato”(id., ib. , p.9)
A riqueza de justificativas dadas por Zilly é por demais pedagógica, ao apresentar o uso do pretérito imperfeito, exatamente para que a plasticidade e emoção sejam presentes na narrativa garantindo, portanto, a presença do leitor na trama.
Vale destacar ainda a escolha de uma
cena para completar a análise de Zilly acerca do lócus onde se deu a
trama.
Esta cena é um resumo da guerra toda. Encurralados, bombardeados pela artilharia ao sul e a leste e combatidos pela infantaria, que investe do lado norte, os sertanejos, derrotados quase, morrendo, lutam como leões contra o agressor que tem o país todo, se não o mundo todo como aliados. (ZILLY,
1998,
p. 15)
A cena a qual se refere o nosso
interlocutor é aquela em que as tropas, de todos os lados irrompia contra o
arraial, era o prenúncio do fim do Belo Monte, cujo ápice será a cena em que os
quatro últimos sobreviventes reagem contra a artilharia, sem se entregarem ao
vencedor.
VII.
Dando prosseguimento às faces do livro vingador o prof, Roberto Ventura,
destaca a relação daquele texto com as ideias de um ícone da cultura
brasileira, Roquette Pinto, no que tange ao período do comunicador como
estudioso da gênese do povo brasileiro. Diga-se de passagem que o prof. Ventura
vai fazer uso do que refletiu Roquette-Pinto acerca da gênese do sertanejo e do
seringueiro – este, objeto de reflexão de Roquette.
Em diversos momentos do trabalho de
ambos,Ventura coleciona convergências e divergências, sendo as primeiras, mais
frequente. Para Ventura as discordâncias quando aparecem, vão na linha do que
muitos comentadores da obra euclidiana, contemporâneos ou não, apontam em Os Sertões, os enganos científicos, a
ausência de testemunhas e a incipiente formação antropológica de Euclides.
Outro
embate gira em torno da crença de Euclides na superioridade de determinada raça
e no caráter negativo da mestiçagem, entretanto e apesar disso, Roquette-Pinto
defende Os Sertões, considerando-o “...um livro de ciência e fé [onde se lê}
pela primeira vez, com programa assente claro, estudos das populações
brasileiras do Brasil (sic) – apud Ventura, p. 15).
VIII.
Fazendo uso da filosofia – Ontologia discursiva, Leopoldo Bernucci nos oferece
um quadro interpretativo de Os Sertões
com os seguintes aspectos: A duplicidade no modo discursivo, quais sejam, o
científico e o literário. Para tais modos, apesar desta classificação, o autor
aponta os possíveis equívocos de Euclides que passam principalmente pela
relação com as fontes utilizadas, mas não citadas, pelo uso de informações não
confirmadas, mesmo à época – como o famoso caso em que o conselheiro se
traveste de soldado para espionar a sua esposa no suposto adultério.
Entretanto, assim se expressa Bernucci, mesmo tendo observado tais equívocos:
Para
quem era sensível às potencialidades da língua, aos recursos retóricos do
discurso ficcional e às qualidades artísticas de um texto, não deveria ser
difícil perceber que Os Sertões não poderia acomodar um só discurso, mas
vários.(...)Errará também aquele que, adotando critérios estilísticos e
textuais, unicamente, queira aplicá-lo a demarcações genéricas ou convencionais.
(BERNUCCI, 1998, p. 12)
Outro
importante momento da análise de Bernucci é aquele em que identifica os modos
de interpretação do livro vingador, a saber:
1.
Argumentativo. Esteticamente, é a maneira como Euclides da Cunha trabalha o
argumento da história de Canudos de modo que seja percebida como
tragédia.
2.
Explicativo.(...) Aqui entram as leis científicas e pensamentos filosóficos de
seu tempo, fortemente caracterizado pelas análises de causa e efeito dos fatos
históricos, o que ñ deixar de revelar um
cacoete mecanicista em seu trabalho.
3.Ideológico.(...)
A visível inclinação republicana de Euclides e sua intolerância com
respeito aos fanatismos, fazem-no dirigir ataques tanto aos monarquistas quanto
aos jacobinos. (Ibidem, p.14) [grifo nosso]
Vê-se nesse segundo
ponto de análise que Bernucci confirma muito dos adjetivos atribuídos tanto ao
autor, quanto ao livro, posto que
ainda
hoje parece ser consenso da melhor crítica reconhecer em Euclides não um
escritor com veia de ficcionista, mas apenas um escrito investido no seu papel
de cientista e historiador.” (Ibidem, p.9)
IX. A partir de
comparativos entre o que escreveu Euclides em Os Sertões e os textos de Antonio Conselheiro, Roberto Ventura,
mais uma vez aqui nesse texto, confirma o caráter, a face preconceituosa
daquele em relação ao líder dos canudenses.
Em alguns momentos do
livros vingador vê-se a atribuição de Euclides ao Conselheiro como um bronco,
ignorante, entretanto os escritos do religioso como, Apontamentos dos preceitos
da lei divina, reforçam a tese de que o líder tinha plena consciência de sua
luta, qual seja a religiosidade com base no Catolicismo popular, com destaque
para a defesa do casamento religioso, fato não visto como principal fundamento
pela elite brasileira – política, militar, intelectual, econômica e religiosa.
X. Nosso “passeio pelas
viagens” em Os sertões se encerra com um estudo que visa, sobretudo, o que está
para além do livro vingador, entretanto é devedora também ao mesmo tempo – a
brasilidade. Segundo Ricardo de Oliveira o trabalho de Euclides não visava
somente dar visibilidade a uma das faces do Brasil, mas o próprio autor e sua
obra transformaram-se em sinônimos de construção desta nacionalidade.
Vale
destacar também que Oliveira traz a discussão, o caráter múltiplo de Os
Sertões, onde
No
substrato da narrativa persiste, porém, a contradição estrutural do livro que é
a de, ao mesmo tempo em que adjetiva o sertanejo como cerne da nacionalidade, o cientista, preso aos grilhões de
seu credo, em vários momentos, não consegue escapar dos preconceitos. (BERNUCCI,
1998, p. 526)
À guisa de conclusão
Fazer um levantamento
de obras que analisaram OS SERTÕES
não é tarefa nada fácil, principalmente para um apaixonado por ela, pelo autor
e pela temática que a cercou, inclusive o caráter jornalístico que a motivou.
No universo escolar –
origem desse trabalho - essa obra ainda é vista como hermética, complexa e
distante do universo intelectual dos educandos (até mesmo nos cursos de Letras
ele não é lido). Na contra-mão dessa viagem vamos completando 10 (dez) anos de
leituras e viagens (essas no sentido do deslocamento corporal, quando vamos até
Monte Santo e Canudos, visitar os palcos do conflito).
Mas ler e reler o que
se diz sobre Os Sertões, tem se
revelado ao longo destes anos como algo prazeroso dentro deste universo de
trabalho. As contradições, equívocos, acertos e monumentos que a obra apresenta
são revelados pelas leituras realizadas para fins de construção do presente
trabalho, o que consolida ainda mais a qualidade positiva da obra.
O
comportamento de Euclides da Cunha diante dos fatos e das informações recebidas
sobre o conflito no semiárido baiano, aliado à sua decepção dos descaminhos e
desmandos da incipiente República brasiliana, levam-nos a concordar com Lukacs
ao se referir à originalidade de um autor, ao ineditismo de um trabalho ao
afirmar que “Quanto mais profundo e historicamente autêntico for o conhecimento
de um escritor sobre uma época, mais ele terá liberdade de movimento no
conteúdo e menos se sentirá aos fatos históricos singulares”. (LUKACS, 2011, p.
207)
Euclides
da Cunha passou por vários momentos de entendimento do conflito, a saber: o antes – ainda na capital federal,
recebendo as notícias como tantos outros brasileiros; o durante - as pesquisas bibliográficas, as orientações de Teodoro
Sampaio, o contato com os canudenses já em Salvador; a permanência no conflito;
o depois – de volta ao Rio de
Janeiro e o auto-exílio em São José do Rio Pardo – SP, provocaram no escritor
uma verdadeira ebulição, uma catarse política e social.
1. O autor elencou somente três exemplos de metáforas em face das dimensões do artigo – é o que suponho.
2. O autor busca a ideia em Flora Sussekind, no texto O Brasil não é longe daqui: o narrador, a viagem, Cia. das letras, 1990.
3. Muitas páginas foram indicadas pelo autor deste trabalho tendo em vista que o sítio indicado como fonte de consulta e coleta não apresentavam numeração oficial. Para organização das nossas referências utilizadas, fez-se mister numerá-las.
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