A obra de Kerouac (dê um clique aqui e saiba tudo sobre o autor) é o relato de
uma amizade traída, rompida e eternizada por meio da arte. Filme estreia nesta
sexta-feira (13) nos cinemas. No elenco, Kristen Stewart da saga Crepúsculo.
Luiz Carlos Merten - O Estado
de S. Paulo
Cena do filme que estreia nesta sexta-feira, 13, nos cinemas |
Em Cannes, Walter
Salles já havia dito - "Fiz alguns road movies e percebi, ao fazê-los, que
quanto mais você se distancia das raízes, do ponto inicial, mais você ganha
perspectiva sobre quem você é, de onde veio e, eventualmente, quem quer
ser." Na Estrada é o relato de uma amizade traída, rompida e eternizada
por meio da arte. Antes do diretor brasileiro, muitos - norte-americanos -
tentaram adaptar o livro. Quando se lançou ao projeto, Salles dispunha já de
vários roteiros, mas eles podiam ser somente indicações do que fazer, ou
evitar. Por complicadas questões de direitos, ele não podia utilizar nenhum.
O projeto patinava, até que
Salles e seu colaborador no roteiro, José Rivera - que já adaptara Diários de
Motocicleta - tiveram acesso a uma informação. O livro havia sido publicado de
um jeito. Uma nova versão o abriu de forma diferente, com a morte do pai do
narrador, Sal Paradise - que seria o próprio Kerouac, narrando uma viagem
iniciática no fim dos anos 1940.
A morte, ou a busca do pai, a
viagem iniciática são temas recorrentes na obra de Salles, e ele embarcou mais
uma vez. "É uma história sobre amizade partida, mas é também o relato do
processo de escrever um livro sobre esses personagens." E embora Sal seja
o narrador - e leia Céline e Proust, percebendo como a literatura pode nascer
da experiência da vida -, a alma de Na Estrada é seu amigo Dean Moriarty, interpretado
por Garrett Hedlund.
'Na Estrada', de Walter Salles |
Com seu elenco jovem que
inclui, como Marylou, a estrela da série Crepúsculo, Kristen Stewart, Na
Estrada beneficia-se enormemente da intensidade da presença física e da
sensibilidade à flor da pele de Hedlund. É um ator na tradição de Marlon Brando
e James Dean. Arde na tela como uma chama. As melhores cenas passam por ele.
Num determinado momento, estão os três na cama - Marylou, Sal (Sam Riley) e
Dean. Sal deseja Marylou, mas também sente essa perturbação pelo amigo. Ficam a
um triz de se beijar. Mais tarde, como um voyeur, Sal verá Dean sodomizar o
personagem de Steve Buscemi. Uma expressão de desgosto passa pelo seu rosto. A
amizade vai terminar ali, agravada pelo abandono do amigo, quando está doente,
no México.
"Desgosto ou
inveja?", pergunta Walter Salles, agora numa entrevista realizada em São
Paulo, e nisso toca num aspecto muito forte de Na Estrada - o homoerotismo.
"Esses garotos não são homossexuais, mas estão rompendo normas, testando
novas possibilidades de vida e relacionamento." Dean vive segundo uma
moral própria. Sal, mesmo na estrada, após a morte do pai, de alguma forma
viverá sempre a necessidade de se destravar, e foi assim na vida com Jack
Kerouac. O nome que ecoa no desfecho de Na Estrada - Dean Moriarty, Dean
Moriarty, Dean Moriarty - expressa ao mesmo tempo a dor de uma perda e a
recuperação, ou reificação da amizade por meio da arte.
Dean é inspirado em Neal
Cassady, Viggo Mortensen, numa participação pequena mas decisiva, é Old Bull
Lee, como Kerouac chama, ou identifica, William Burroughs. Na Estrada, o livro,
virou a Bíblia da beat generation. Transgressores, contestadores por natureza.
O que isso tem a ver com o Brasil? "Li o livro muito jovem, nos anos 1960,
em plena ditadura militar brasileira e senti uma identificação muito forte com
aqueles garotos que se rebelavam contra a autoridade", diz Salles.
Kerouac contribuiu na sua formação.
Ele agora retribui. O fato de Na Estrada ser sobre o processo da escrita de um
livro cult - e da própria realização de um filme que foi difícil - não elimina
a força. Ao frio distanciamento, superpõe-se a força. Depende do que o próprio
espectador estiver disposto a colocar de si neste belo filme.