MARCO RODRIGO ALMEIDA – da Folha de São Paulo
João Ubaldo Ribeiro está em lua de mel com a Flip.
João Ubaldo Ribeiro na Flip - (foto: Leticia Moreira/Folhapress) |
Após algumas rusgas em 2004, quando cancelou sua ida a
Paraty por se considerar preterido em relação aos autores estrangeiros, Ribeiro
participou da festa no ano passado, encantando o público com sua fala barroca. Na
manhã desta quinta (5), o vencedor do Prêmio Camões foi novamente o centro das
atenções da festa literária. Ao lado de Walcyr Carrasco, autor da adaptação de
"Gabriela", exibida atualmente pela Globo, o escritor baiano
participou de uma mesa em homenagem a seu "compadre" Jorge Amado. A
mediação foi feita pelo jornalista e escritor Edney Silvestre. A mesa ocorreu
na Casa de Cultura, principal espaço da programação paralela à Flip. Os lugares
disponíveis (cerca de 50) eram insuficientes diante da grande fila que se
formou na entrada do espaço. O público sem ingresso dirigiu-se à Tenda do
Telão, espaço que exibe os debates ao vivo, e também ficou lotado. Durante uma
hora e meia, os dois falaram sobre a obra de Amado, a atualidade de seus
personagens e as adaptações de seus livros para a TV e o cinema. Os momentos
mais saborosos, contudo, vieram das recordações de Ribeiro sobre a vida do
conterrâneo. "Glauber [Rocha, cineasta] e eu éramos muito próximos dele.
Mas ele não gostava de ser visto como pai, como uma figura paternal. Preferia
ser visto como um irmão mais velho." Certa vez, contou, Glauber quis
oferecer um baseado (cigarro de maconha) a Amado. "Aplica no velho",
teria dito a Ribeiro. "Não tive coragem", explicou o escritor,
provocando risos na plateia. Ribeiro relembou ainda a fama de mulherengo do
escritor e o "medo terrível" que ele tinha da mulher, Zélia Gattai. "Ele
criava nos livros mulheres poderosas, era assim que pensava. Ele mostrava os
meandros, as artimanhas que as mulheres usavam para contornar a situação e
mostrar quem estava no comando." Perguntado se Jorge Amado aprovaria a
nova versão de "Gabriela" na TV, respondeu que ele "dificilmente
falaria algo". "Na privacidade, talvez fizesse algumas observações.
Ele sempre me deu um conselho: não se meta com esse povo de televisão." Já
Carrasco argumentou que, mesmo alterando a ordem dos acontecimentos do livro e
acrescentando personagens que não existem no romance original, preserva o
universo do escritor e as relações de poder que ele retratou. "A novela
vai levar Jorge Amado para pessoas que nunca ouviram falar dele", afirmou
Carrasco. Ambos lamentaram que Jorge Amado seja tão pouco lido hoje. Entre as
razões para isso, Ribeiro destacou a falta de preparo das escolas e dos
professores. "Ler é custoso e requer um trabalho muito grande na introdução
desse hábito. Já li questões de vestibular sobre meus livros que seria incapaz
de responder. Esse ódio que muitos alunos têm aos clássicos é transmitido pelos
professores", acredita o escritor. Ele citou ainda como exemplo o
"provincianismo brasileiro", que sempre valoriza a cultura
estrangeira. "Nós não nos respeitamos. Talvez até com alguma razão",
concluiu Ribeiro, antes de ser ovacionado (mais uma vez) pela plateia.